As ruínas do Grande Zimbabwe são um local de um valor histórico, cultural e arqueológico difícil de sobrestimar. O simples facto de que o próprio nome do país onde se encontram deriva da denominação local das grandes construções de pedra, dzimbabwe, é testemunho da sua importância na psique de um povo e na cultura de uma nação que dá ainda os primeiros passos após a sua independência e luta ainda hoje por um sistema mais justo e democrático.
Em nenhum lugar da África subsariana se podem admirar edificações com a mesma magnitude, exibindo uma qualidade de construção e uma diversidade de estruturas que constituem, até para o olhar de não-especialistas, sinais óbvios de uma sociedade rica e complexa.
Explorando o sítio quase só por nós, acompanhados do nosso guia local, ficámos maravilhados pela grandeza, beleza e complexidade das construções. Dividido em três complexos, o mais antigo e provavelmente o mais simbólico é o complexo da colina (Hill Complex), onde os construtores conseguiram uma simbiose dos milhares de blocos de pedra, empilhados sem qualquer tipo de argamassa, com os blocos graníticos que ali afloraram.
Aqui foram encontrados peças esculpidas, representando aves com traços antropomórficos, que se pensa terem sido símbolos do poder real e sua ligação ao poder espiritual, e que pudemos admirar no pequeno museu situado no vale, e que figuram hoje na bandeira nacional. Túneis labirínticos, entradas estreitas e uma qualidade de construção notável fazem-nos lembrar Machu Pichu e sentimos que estamos a visitar um lugar único e digno de figurar nos sítios arqueológicos mais importantes e impressionantes do mundo.
Mais abaixo, no complexo do vale, podem admirar-se mais muros e plataformas redondas de casas, numa área que poderá ter sido residencial, mas é a Grande Muralha (Great Enclosure) que atrai todas as atenções: 255 m de perímetro, quase 100 m de diâmetro, paredes com mais de 10 m de altura e atingindo 5 m de espessura em algumas secções, são números que dão uma ideia da magnitude desta estrutura, da qual, à semelhança do resto do complexo, pouco se sabe acerca da sua função.
No seu interior, sobressai uma torre cónica com 10m de altura, que se pensa ter tido uma simbologia fálica, pois não parece ter tido uma função concreta. Tal como nos túmulos de Naqsh-e Rostam, no Irão, acabámos a nossa visita completamente surpreendidos e maravilhados por um local que é uma pérola por descobrir.
Hoje sabe-se que o Grande Zimbabwe era a capital de um vasto império (séculos XII a XVII) que se estendia por uma área que hoje é repartida pelo Zimbabwe, Moçambique e Botswana, e cujos habitantes exploravam as riquezas da sua terra, principalmente o ouro e marfim, e estabeleciam rotas comerciais com a costa e os homens de terras longínquas que aí atracavam, vindos principalmente da Península Arábica, mas também de mais longe. Usavam os rios como fonte de riqueza, mas também como vias de comunicação entre o interior quase impenetrável e a costa que dava acesso ao imenso Oceano Índico. Construíram cidades com populações comparáveis às das maiores cidades europeias medievais, com uma estrutura social estratificada, baseada no poder da realeza e da religião. Objectos longínquos podiam ser encontrados ali: vidro da Síria, cerâmica da China, faiança da Pérsia.
Mas a história da afirmação da cultura africana perante o resto do mundo não tem sido fácil, e quando os primeiros portugueses atracaram na costa africana oriental, e ouviram falar de cidades muralhadas, com milhares de habitantes, florescendo com a exploração do ouro e estabelecendo rotas comerciais com os árabes, a ideia que os povos indígenas fossem capazes de tal nível de civilização era simplesmente impensável e inaceitável. Rapidamente as lendas do Rei Salomão e da mítica cidade de Ofir ganhavam forma e substância nesse misterioso interior africano e seus impérios esquecidos.
E quando, 200 anos mais tarde, as ruínas dessa grande cidade foram redescobertas novamente por ocidentais, desta vez alemães, novamente a douta opinião era de que nenhum africano teria sido capaz de erguer tais estruturas. A ignorância desses primeiros exploradores levou-os também à destruição de vestígios importantes e ao roubo de outros, mandados para a Europa, erros e crimes que ainda hoje têm o seu papel na dificuldade em reconstruir o legado cultural que chegou até nós.
Já no século XX, alguns arqueólogos começaram a pôr a hipótese de nativos africanos terem construído o Grande Zimbabwe, mas foi a luta pela independência, física e cultural, das nações africanas perante os seus colonizadores, que possibilitou a exploração e o estudo mais aprofundado de variados sítios arqueológicos, confirmando a riqueza e diversidade do passado africano indígena.
As ruínas do Grande Zimbabwe são hoje património da UNESCO, mas continuam a ser quase completamente desconhecidas pelo resto do mundo. E sabe-se que o investimento na arqueologia, nesta zona do mundo, não é uma prioridade, por isso não é fácil juntar esforços para estudar melhor o passado destas ruínas. Mas também aqui o turismo pode ter um papel a desempenhar pois trata-se de um local com um potencial enorme e que merece ser visitado e conhecido.
Esperemos que visitantes e visitados saibam colaborar e trabalhar para que este passado não seja mais apagado da nossa memória e que os nossos descendentes possam admirar aquilo que os seus antepassados foram capazes de construir, e se sintam inspirados para construir um futuro melhor para todos.
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