Quando aterrámos em Victoria Falls, no Zimbábue, tínhamos um roteiro pré-estabelecido, que pretendíamos seguir. Na nossa ideia estava percorrer parte da África Oriental, entre as Cataratas de Vitória e Zanzibar, na Tanzânia, tentando, dentro do possível, ver alguns dos lugares mais emblemáticos. O mote seria “a escravatura” e por isso decidimos designar esta nossa viagem por “Rota dos Escravos“. Não pretendíamos cingir-nos a lugares ligados à escravatura africana, mas sabíamos que por toda esta área de África o negócio dos escravos tinha tido um papel determinante ao longo dos séculos e que marcou, definitivamente, esta parte do globo. Eram essas histórias que buscávamos.
Depois de explorar os encantos das quedas de água, do lado do Zimbábue e do lado da Zâmbia, de as contemplar do ar num passeio de helicóptero e de aproveitar os prazeres do magnífico Victoria Falls Safari Logde, a viagem tinha que seguir. Em Victoria Falls apanhámos o comboio mais lento do mundo a caminho de Bulawayo, onde chegámos na manhã seguinte. Quando chegámos a Bulawayo apanhámos o único táxi disponível em frente à estação. Como só havia aquele táxi, o taxista, Musunda, pediu-nos para aguardarmos um bocado para se certificar que não havia mais ninguém a precisar de táxi. Um casal inglês que viajava connosco no comboio também saiu e Musunda pediu-nos para que partilhássemos o táxi. Claro que assentimos logo. Fomos levar o casal ao hotel onde ficariam nessa noite e depois Musunda tratou de nos levar ao local de onde saíam os autocarros para Masvingo, o nosso destino seguinte.
Musunda foi super eficiente. Chegou ao terminal e pediu-nos que aguardássemos dentro do carro. Saiu e foi procurar o autocarro certo, voltando alguns minutos depois. Tínhamos um autocarro quase a sair, pelo que nos despedimos, comprámos os bilhetes e entrámos (podem ver as nossas dicas para viajar no Zimbábue aqui). Enquanto esperávamos que o autocarro enchesse, entravam e saíam vendedores de comida e bebida. Comprámos umas bananas para enganar o estômago durante o dia. Este seria o nosso almoço. Não sabíamos a que horas íamos chegar a Masvingo por isso era importante estarmos preparados para um dia completo de viagem. A viagem demorou cerca de quatro horas e meia, mais ou menos o que estava previsto.
Estávamos um pouco cansados e apesar de ser possível ir de autocarro de Masvingo para o Grande Zimbábue, optámos por fazer de táxi este troço de cerca de 25 km. O motorista de autocarro arranjou-nos um taxista, o Lee, que depois de negociarmos o preço, nos levou até ao nosso destino final por 15 USD.
O Lee é um rapaz super bem disposto. Abraçou logo o Rui, pegou nas nossas mochilas e colocou-as na bagageira do carro. Mal entramos no táxi, Lee passou-nos um bilhete para a mão com o seu número de telefone. Disse-nos que tinha acabado de trazer um viajante alemão de regresso das ruínas. Ao que parece, o viajante estava muito satisfeito e Lee tentava explicar-nos quem era, com nome e algumas indicações físicas. Explicámos-lhe que havia imensa gente a viajar por ali e que ainda não nos tínhamos cruzado com ninguém que encaixasse naquela descrição. Mas Lee não desarmou. Deu-nos dois ou três bilhetes com o seu número de telefone e pediu-nos que os distribuíssemos pelos turistas que encontrássemos. Estava a precisar de negócio. Queria muito levar a família para viver na cidade de Masvingo mas como as rendas são muito elevadas, precisava de mais negócios. Foi por aqui que começou a conversa da família. Palavra puxa palavra, e seguem-se as questões habituais: São casados? Que idade têm? Quantos filhos têm? É nesta última pergunta que normalmente começa o choque cultural. Quando o Rui respondeu que não, Lee não queria acreditar. Perguntou novamente: não têm filhos? Porquê? E é aí que se iniciou a inglória tarefa de Lee para convencer o Rui das vantagens da procriação. Entre muitos dos argumentos apresentados, Lee não percebia como é que o Rui podia estar disposto a deixar tudo para a mulher quando morresse. Sim, porque se não tivesse filhos, a mulher ficaria com tudo o que era dele e poderia depois arranjar outro homem. “Se tiver filhos, isso não acontece, porque serão os filhos a herdar o seu legado material deste mundo”. Entre sorrisos e risos de cumplicidade masculina, a conversa ia fluindo de forma animada. Lee estava visivelmente preocupado com o Rui e eu ia assistindo aquela conversa nos bancos da frente, como se não estivesse presente fisicamente. Deixei-me ficar sempre como observadora passiva e até gostei deste papel. Foi como se estivesse a assistir a um filme sobre as diferenças culturais entre o conceito de família em África e na Europa.
Menos de meia hora de viagem e chegámos às ruínas do Grande Zimbábue. Não tínhamos reserva em lado nenhum e por isso Lee levou-nos até ao Campground, onde poderíamos tentar arranjar um lugar para dormir. As cubatas estavam todas cheias com turistas locais, pelo que só nos restavam os dormitórios. Não havia muito a fazer, despedimo-nos do Lee, pegámos nas mochilas e lá fomos. Os dormitórios pareciam casernas militares, com mais de vinte camas, sem qualquer luxo para além de um colchão. O preço também não deixava grandes expectativas: 10usd/cama! Como não estava ninguém nos dormitórios escolhemos duas camas recatadas num canto. Os dormitórios eram um bocado afastados da entrada das ruínas, cerca de 1 km, mas foi um belo passeio. Pousámos as coisas, e embora tivessemos intenções de tomar banho, mudámos de ideias. Só havia banhos frios. A casa de banho das mulheres era “nojenta” e, embora a dos homens fosse ligeiramente melhor, preferimos continuar “por lavar”. Descobri ali que estava com uma infecção urinária, a primeira que tive em viagem. A vontade constante de ir à casa de banho e só fazer dois pinguinhos não enganava. Como não gosto nada de me sentir “diminuída”, ataquei logo com um antibiótico de largo espectro.
Resolvemos sair para aproveitar o final do dia e dar uma volta pelas imediações. Como a entrada no recinto das ruínas podia ser feita durante dois dias, comprámos logo o bilhete (15 USD) e entrámos para assistir ao pôr-do-sol no Great Enclosure, o edifício mais emblemático do Grande Zimbábue. Como o recinto fechava às 18h não tínhamos muito tempo mas ainda deu para um passeio muito agradável e ver as cores maravilhosas de África desvanecerem-se no horizonte.
Com pouco mais do que bananas no estômago, estava na hora de pensar em comer qualquer coisa. Quando os dias são muito intensos, acabamos por nos esquecer de comer ao longo do dia e só quando paramos é que notamos que passamos o dia todo sem nos alimentarmos. A duzentos metros dos dormitórios existia um pequeno restaurante local, onde nos sentámos para receber a noite africana e jantar um belo T-bone e um bife de porco. A falta de iluminação à volta do Campground tornava a noite mágica, e viam-se milhares de estrelas no céu. Um espectáculo maravilhoso que tentámos eternizar com a máquina fotográfica.
No dia seguinte, bem cedo pela manhã e depois de um pequeno-almoço no restaurante local, estávamos na entrada do recinto. Contratámos um guia local (3USD/pessoa) e explorámos as ruínas do Grande Zimbábue. A utilização do guia local foi uma óptima escolha porque, para além de ser uma fonte de informação, conhecia bem o local e levou-nos a lugares fantásticos que provavelmente ter-nos-iam escapado se explorássemos o recinto sozinhos. Para além disso, sentimos que contribuíamos para a economia local, o que nesta área do globo é muito importante.
Tínhamos combinado no dia anterior o Lee vir-nos buscar e, à hora combinada, ele lá estava, com um sorriso maravilhoso e a boa disposição a que nos habituou. Mais um abraço no Rui, mochilas na bagageira do carro, e estávamos prontos para regressar a Masvingo. Pelo caminho, ainda parámos para uma fotografia com a polaróide. Lee ficou encantado quando percebeu que a fotografia era para ele. Parámos numa estação de serviço para comprar umas bolachas (é sempre bom ter algo para roer nas viagens de autocarro) e depois deixou-nos ficar no autocarro que saía de Masvingo para Harare. O autocarro estava quase cheio mas ainda tivemos que aguardar mais de uma hora para que partisse. A viagem deveria demorar cerca de três horas mas acabou por demorar quase cinco. O sol já descia bem no horizonte quando chegámos a Harare, a capital do Zimbábue. Como não nos sentíamos muito confortáveis em chegar à noite, pedimos ao motorista do autocarro para ele nos arranjar um táxi. Ele telefonou logo para um amigo, e quando o autocarro parou em Harare, o Meeko esperáva-nos. Meeko é um rapaz bastante novo, muito reservado e tímido. Tem alguma dificuldade em falar connosco, não penso que por dificuldade em falar inglês, mas porque tem vergonha. Combinámos com ele ir primeiro ao Royal Port Terminal, o terminal de onde partem os autocarros para Lusaka, a capital da Zâmbia. Precisávamos de comprar bilhetes para o dia seguinte. A nossa passagem por Harare ia ser breve e, como não gostamos muito de cidades, estávamos satisfeitos com essa situação.
Harare é uma cidade caótica, como quase todas nesta área de África, com mercados de rua cheios de gente, de dia e de noite. Em frente ao terminal, e apesar de estar noite cerrada, um mercado de rua estava cheio de gente a negociar quase tudo o que se possa imaginar. Enquanto aguardei no táxi, o Rui foi ao terminal comprar bilhetes para o dia seguinte. Mais de 20 minutos depois, regressou. Tínhamos bilhetes directos de Harare para Lusaka para a manhã seguinte. Estávamos bastante contentes porque isso permitia-nos seguir o nosso plano inicial.
Mostramos a Meeko a morada da guesthouse onde iríamos passar a noite e rumamos em direcção ao nosso novo lar. Encontrar a Kingsmead Guesthouse não foi nada fácil mas valeu bem a pena. Situa-se na parte nova da cidade, na zona das embaixadas, mas como era noite cerrada, não havia muita gente para pedir informação nas ruas. Mesmo assim, Meeko conseguiu descobri-la, ainda que andássemos perdidos durante algum tempo. Quando lá chegámos fomos maravilhosamente recebidos em termos humanos e em termos físicos. Nikkita foi incansável e tratou-nos maravilhosamente bem. O nosso quarto era maravilhoso e como já vínhamos a precisar de um bom banho, foi a primeira coisa que fizemos. Não tínhamos muito tempo para desfrutar deste maravilhoso alojamento, mas o tempo que ali passámos foi de luxo e soube-nos muito bem. São estes pequenos luxos que fazem a diferença numa viagem em África. Podem ser poucos e até curtos, mas permitem recarregar energias positivas e reforçar a moral.
No dia seguinte, pela manhã bem cedo, Meeko veio buscar-nos (tal como tínhamos combinado na noite anterior) para nos levar ao terminal. O autocarro partia às 7h30m da manhã mas era necessário estar no terminal cerca de uma hora antes, pelo que nos tivemos que levantar bem cedo. Nikkita preparou-nos um pequeno-almoço maravilhoso para levarmos. O terminal estava cheio de gente a dormir no chão, mas rapidamente conseguimos encontrar um espaço para nos sentarmos. Pouco tempo depois, embarcámos e partimos em direcção a Lusaka. A travessia da fronteira foi rápida e sem problemas, com facilidade em obter o visto (ver as dicas aqui). Estávamos de saída do Zimbábue, um país que muito nos tinha surpreendido pela beleza e pela simpatia das suas gentes. Olhando para trás, só tivemos experiências positivas no país e a amabilidade dos seus habitantes foi um dos pontos altos de por ali viajar. Íamos agora a caminho de Lusaka e, como as expectativas eram altas, estávamos agora com as nossas atenções voltadas para a Zâmbia. A aventura ia continuar.
Atreva-se e explore o Zimbábue. Há aqui todo um mundo novo a descobrir!
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As viagens de vocês, me encantam cada vez mais, parabéns!
Obrigada 🙂