Tanna é uma ilha que nos permite relativizar tudo no mundo. Parece que ali o mundo que conhecemos deixa de fazer sentido e a vida se baseia em algo completamente diferente do nosso quotidiano. A maioria dos viajantes visita a ilha de Tanna num ou dois dias, para ver o vulcão em erupção e ter um vislumbre das tribos. Porém Tanna, merece muito mais tempo. Tempo para se emergir na cultura de Vanuatu, tempo para apreciar as cerimónias de kava, tempo para sentir o isolamento e a falta de comunicação, internet e até luz. Em Tanna falta quase tudo o que conhecemos e, no entanto, em Tanna há quase tudo o que o mundo precisa.
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CONTEÚDOS DO ARTIGO
GUIA DE VIAGEM DE VANUATO
Se procura um guia em pdf, prático e sintético, sobre visitar Vanuatu, este é o melhor que vai encontrar em português para levar consigo na sua viagem. Vanuatu é uma ilha maravilhosa para quem procura aldeias típicas, ruínas misteriosas e um quotidiano pouco tocado pelo turismo, mas também tem sol e mar, com algumas belas praias, e vai encontrar neste guia todas as dicas que necessita para aproveitar o melhor da ilha. Um guia de viagem com a qualidade do Viajar entre Viagens. Estas páginas vão dar-lhe condições para visitar Vanuatu de forma independente.
A ILHA DE TANNA EM VANUATU
Chegámos a Tanna, uma ilha a sul de Port Vila e um dos lugares menos desenvolvidos do mundo. Aqui não há muita coisa mas cada vez há menos. Independente desde os anos 80, Vanuatu luta muito por um desenvolvimento que teima em não chegar.
Em 2015, Vanuatu foi atingido por um ciclone de categoria F5, o mais forte do mundo, e destruiu 90% das infra-estruturas do país. Tanna foi pior ainda. Em 2020, o país fechou portas devido à pandemia e o parco sector do turismo deixou de alimentar a parca economia. Em 2023, um mês antes de chegarmos, Vanuatu e especialmente Tanna, foi atingida por dois ciclones numa semana e o pouco que restava de estruturas na ilha ficaram ainda mais limitadas. Aqui em Tanna não há estradas asfaltadas, a única ponte (construída pelos ingleses) e que ligava o aeroporto à única cidade da ilha ruiu. O abastecimento de electricidade é inconstante e os cortes de electricidade frequentes em Tanna. Na maioria dos dias não há luz pública nem rede de telemóvel ou internet em Tanna. É o verdadeiro isolamento físico e emocional em Tanna.
Mas Tanna é terra de sorrisos fáceis. Todos os olhos negros se dirigem para nós, com curiosidade e risos. São gentes que riem com os olhos e com a boca em Tanna. E eu aprecio tanto gente que ri com os olhos! Para mim é a melhor qualidade de um humano, saber rir com o olhar.
Passámos o dia a caminhar numa área da ilha de Tanna, seguindo a estrada de terra batida junto ao mar, e conhecendo os pequenos aglomerados populacionais. Fizemos amigos com as crianças vizinhas, os gatos e os cães, todos igualmente definhados da fome.
Tanna é uma ilha verde e de floresta muito densa, mas a subnutrição é claramente algo que salta à vista quando se caminha por aqui. Nem só de plantas vive o homem, especialmente quando não há suplementos alimentares para compensar a falta de proteínas das dietas modernas.
Tanna não será uma ilha fácil, mas é para conhecer este mundo que aqui viemos. E, no fundo, os sorrisos curam tudo.
TANNA E A ILHA DA MAGIA NEGRA
Tanna é terra de tradições. Isolada do mundo há milénios assim permanece esquecida por tudo e por todos. Por aqui as populações vivem como há milénios, em comunidades fechadas, isoladas em si e nas agruras da terra. São comunidades muito tribais em Tanna, com tradições ancestrais que perduram no tempo.
Cada família em Tanna aglomera-se numa comunidade e os casamentos, muitos deles arranjados, vão aumentando o aglomerado. Vivem do que a terra lhes dá, com um calendário que segue a época das sementeiras e das colheitas. A agricultura é a mãe de todas as coisas por aqui em Tanna.
Numa ilha com pouco mais de 20 mil habitantes, como Tanna, cuja maioria não sabe ler nem escrever, o saber passa de geração em geração por testemunho oral. Aprendem a lidar com a terra e com os poucos animais que possuem, porcos, que só comem uma ou duas vezes por ano, para comemorar as colheitas ou a circuncisão dos rapazes.
Os rituais de circuncisão são os eventos mais importantes da ilha. Por volta dos 5 anos de idade, os rapazes são circuncisados, numa casa perto do mar, com uma faca de bambu. Ali ficam durante dois meses, longe das mulheres da família, e todos os dias vão tomar banho ao mar. Depois dessa data, podem usar o xxx, uma cobertura de palha feita para tapar os órgãos genitais masculinos. Até lá, andam nus. Este evento transforma-os em rapazes e passam a aprender as lides do homens da aldeia de Tanna, embora continuem a ser crianças.
Sobem às árvores centenárias da ilha, as Bamyan Tree, sentando-se nos seus rancos para ver se algo ameaça a sua população. Continuam a caçar com arco e flecha, essencialmente pássaros, tal como faziam os seus antepassados. Na realidade, nos últimos séculos, para além da chegada da roupa dos “brancos” pouco mudou por aqui.
Os homens reunem-se ao final do dia para beberem Kava, debaixo das árvores dos rapazes, num ritual interdito às mulheres. É assim todos os dias, todas as semanas, todos os meses, todos os anos, possivelmente há mais séculos e milénios do que aqueles que pensamos.
AS TRIBOS DE TANNA
Tanna é um dos poucos locais do mundo onde me senti isolada, longe de tudo e de todos, completamente segregada das sociedades ocidentais e modernas, do acesso à informação, à actualidade. Tanna é assim todos os dias para todos os que aqui habitam.
As populações de Tanna vivem em comunidades tribais, com rituais e tradições próprias, línguas diferentes, numa ilha com cerca de 40 km de comprimento e menos de 20 km de largura. Tradições que teimam em manter, mesmo com a chegada de estrangeiros que todos os dias aqui vêm para visitar um dos vulcões mais activos do mundo.
Sara, é a mulher do chefe da aldeia de Louinion em Tanna, uma comunidade de cerca de 30 pessoas, a maioria crianças. Aprendeu a ler, escrever e falar inglês na cidade e casou com o chefe da aldeia há 12 anos. Agora ensina as crianças mais pequenas da tribo, seis dos quais são seus filhos. Os mais velhos têm de fazer três horas a pé para ir à escola, para lá estar às 8h da manhã e, depois, regressam mais três horas a pé ao final do dia.
Sara conta-nos que nunca foi ao vulcão de Tanna. O vulcão que atrai visitantes de todo o mundo e que aqui chegam depois de percorrer milhares de quilómetros. O vulcão de Tanna fica a menos de 20 km da aldeia de Sara e ela nunca o viu, apesar de ter cerca de 40 anos. Nunca o viu porque é longe, não tem dinheiro para pagar o transporte ou porque simplesmente nunca imaginou que o poderia fazer. Isso chocou-me. Mais até do que tudo o que já tinha visto aqui. Não sei porquê mas talvez porque isso reflete o isolamento, a falta de iniciativa, o medo do desconhecido, o apego à terra.
Dei comigo a pensar no que estará na base desta preservação cultural de Tanna e talvez seja a mentalidade conformista, que ao mesmo tempo que impede Sara de ir ao vulcão, fomenta que a sua tribo continue a fazer rituais de circuncisão e de colheitas, da mesma maneira, há séculos. A influência estrangeira aqui em Tanna é mínima, circunscrita a missões humanitárias ou religiosas. Os povos raramente vêem brancos e isso nota-se na forma curiosa com que nos olham ou nos choros assustados de algumas crianças.
Vanuatu e, particularmente Tanna, é terra de tribos. E assim continuará, provavelmente, a ser. São ilhas esquecidas pelo mundo, como que à deriva no Pacífico, completamente invisíveis.
TANNA É A ILHA VULCÃO
Há deuses nesta ilha de Tanna! E os deuses vivem no interior do vulcão Yasur. É isso que acreditam os habitantes de Tanna.
Activo continuamente há mais de 700 anos, o vulcão Yasur, em Tanna, Vanuatu, é o vulcão em erupção há mais tempo no mundo. Estima-se que pelo menos desde o século XIII que esteja a cuspir fogo diariamente num tipo de actividade estromboliana, com erupções de poucos em poucos minutos.
Quando nos aproximamos da planície de cinzas que envolve o vulcão de Tanna nem queríamos acreditar. Uma nuvem de fumo, gases e cinzas era expedida a alguns quilómetros de distância e cuspia as cinzas na nossa direcção. O vulcão de Tanna estava em erupção mesmo à nossa frente. Páramos para eternizar o momento, com os últimos raios de sol a despedirem-se no horizonte. As mulheres e crianças a atravessarem a planície de cinzas, com o vulcão em erupção como pano de fundo, é algo que nunca vou esquecer.
Demorámos algum tempo a atravessar a planície completamente estéril e coberta de cinzento e negro. As cinzas levantavam com a passagem do jipe e, nós, nas traseiras, nem queríamos acreditar no que estávamos a ver em Tanna. Era bom demais!
O jipe sobe por uma estrada de cinzas, completamente, destruída, até a um patamar a partir do qual se tem de ir a pé. E nós fomos. Ainda era dia quando começamos a subir. O vulcão de Tanna parecia zangado pois cuspia cinzas e pedras a todo o momento, rugindo como um animal selvagem que está a ser domado.
Enquanto subíamos, podíamos ouvir o seu rugir, lembrando-nos o quão improvável era estarmos naquele local. Um vulcão em erupção. Numa ilha do Pacífico. E nós a subir até à sua cratera. Onde mais seria isto possível senão em Vanuatu? Talvez em qualquer lugar do mundo que, tal como Vanuatu, seja invisível!
No topo, era tempo de bordear a cratera, sempre protegidos com lenços por causa dos gases, das cinzas, das poeiras e até de pequenos lapilis. Quando o vento estava contra, apanhávamos com tudo em cima, num cenário que agora nos parece dantesco mas que, na altura, nos pareceu de sonho, tal a adrenalina a circular no nosso corpo.
A noite chegou a Tanna, e com ela o vulcão cinzento e negro transformou-se em vermelho vivo. As cinzas e pedras negras transformaram-se em rochas vermelhas incandescentes e o fundo da cratera iluminou a noite.
O rugir do vulcão de Tanna continuou, toda a noite, tal como de dia, tal como nos últimos 700 anos. E nós, meros mortais, estávamos ali para o apreciar. Há muitos dias em que me sinto privilegiada, e este foi um deles. Estar ali, sentada na borda da cratera, a ver o vulcão Yasur em erupção continua. É para isto que se vive! É para isto que vivo! Para comer com estes olhos, que um dia a terra também acabará por comer, tudo aquilo que ela é capaz de criar.
TRIBOS E CULTURAS ANCESTRAIS
Vanuatu e Tanna é terra de tribos e culturas ancestrais. A sensação que se tem quando se está em Tanna, é que aqui o tempo parou. Mas a verdade é que parou tudo, não só o tempo.
E também nós paramos. Páramos e tivemos tempo para pensar, reflectir e até assimilar. Mas para isso acontecer tivemos que ser obrigados. O que nos obrigou a isso foi um corte energético, de luz e rede durante três dias. Nesses dias não tínhamos rede de telefone ou internet e estávamos completamente separados do mundo. Isso obrigou-nos a parar. A parar o ritmo da viagem, o ritmo de trabalho, o ritmo de exigência e a perceber que estávamos mesmo esgotados. Demos connosco a ter tempo. Tempo para dormir 10 horas por dia, desde que o sol se põe até que se levanta. Tempo para não fazer nada, absolutamente nada, para além de olhar o mar e o sol.
Em Tanna o tempo e o ritmo de vida parece parado. Mas na realidade não está. A verdade é somos nós, culturas ocidentais, que estamos a viver a um ritmo desenfreado e pouco natural. Já não respeitamos o ritmo biológico do nosso corpo. Já não respeitamos as nossas vontades individuais. Já não respeitamos o tempo.
Aqui em Tanna as tribos ainda vivem com o ritmo dos seus antepassados, com respeito pelo tempo, pela Terra, pela natureza, pela vida, pelas crenças. Aqui o mundo está nos antípodas do nosso mundo. E isso choca-nos mas ao mesmo tempo ensina-nos. Ensina-nos muito sobre o respeito pelos anciãos, pelos líderes, pelas liberdades…
E nós tivemos tempo para aprender em Tanna!
Tanna ensinou-nos a respeitar o tempo. A encontrar um equilíbrio. Ensinou-nos a parar e pensar. E as maiores lições, às vezes, aprendemos quando não estávamos à espera. Aprendemos com a vida.
É assim nas tribos de Tanna há milénios.