“Feels like a dream but it is reality” está escrito no cartão do hotel onde ficamos alojados em Tashkent, a capital do Uzbequistão. Eu e o Rui olhamos um para o outro e desatamos a rir. Deveria estar escrito: “feels like a nightmare but it is reality”.
Por onde devo começar a contar esta história? Talvez o melhor seja mesmo começarmos pelo início, quando ainda estávamos em Portugal e bem longe de Tashkent.
Quando pesamos ir para o Turquemenistão e necessitávamos de um visto de trânsito, fizemos uma reserva de hotel em Ashgabat, para duas noites, através de uma agência de viagens altamente recomendada na Ásia Central de seu nome Stantours. Pagamos a módica quantia de 97€ adiantados e quando chegamos ao Turquemenistão decidimos ir para Mary e perder a reserva de Ashgabat. Contactei a agência por email que se disponibilizou a devolver-nos 50 USD mas com 20 USD de comissão, o que na prática correspondia a uma devolução de 30 USD. Em alternativa, a agência sugeria que nos poderia marcar um hotel no Uzbequistão desde que ficasse dentro do nosso orçamento em dívida. Sendo assim, optamos por marcar um hotel em Tashkent utilizando esse dinheiro.
Contactamos a Stantours e depois de muitos emails trocados, acertamos ficar num hotel chamado Ideal. Pesquisando na internet descobri que o hotel não existia. Contactei a agência que me disse que tinha fechado pelo que nos reservou noutro de seu nome Raddus JSS. O agente da Stantours enviou-me um email como a morada do hotel e o contacto de uma agente de uma companhia uzbeque que tinha tratado da reserva. A rapariga entra em contacto comigo e dá-me uma morada completamente diferente. Por esta altura andávamos por Samarcanda e a troca de emails era simples. Os dois agentes chegaram a um acordo e eis que surge a morada correcta antes de sairmos de Samarcanda.
Apanhamos um comboio na estação de Samarcanda com destino a Tashkent. A viagem demorou 3 horas, nas quais aproveitamos para descansar e relaxar ao sabor do balançar do comboio nos carris.
Eram 22h quando chegamos a Tashkent. Apanhamos um táxi para o local pretendido, o hotel Raddus JSS. Quando lá chegamos temos a primeira surpresa:
-“Não temos nenhuma reserva no vosso nome para hoje!”
Telefonema atrás de telefonema; toca a contactar a agente do Uzbequistão. A senhora do hotel fala com a agente ao telefone, que lhe diz que volta a ligar num minuto. O telefonema nunca mais chega e a senhora do hotel volta a tentar ligar. Desta vez o telefone está desligado. “Boa”, pensei eu. Estamos tramados.
A senhora do hotel pede-nos o passaporte. Olha para eles e não vê os tão afamados “registos” dos hotéis anteriores. Pega no telefone e contacta alguém que não sabemos quem. Entretanto, chega outra rapariga que nos pede os registos com um ar ameaçador. Damo-los. As coisas parecem melhorar aí.
Quinze minutos depois chega um novo telefonema da agente do Uzbequistão. Afinal, a Stantours mudou a nossa reserva para outro hotel só que não nos avisou. Dentro de dez minutos um táxi irá apanhar-nos no hotel errado e levar-nos para o certo. A senhora do Raddus pega no telefone e contacta esse suposto hotel para confirmar se existe alguma reserva para essa noite em nosso nome. Sim, confirma-se, vamos dormir no Grand Orzu Hotel. A agente do Uzbequistão pede-nos imensas desculpas pela troca de hotéis mas ela não foi informada de nada, assim como nós. Agradecemos a atenção da senhora do Raddus, que nos telefonou para todos os lados, e despedimo-nos.
Entramos no Grand Orzu Hotel com um motorista particular, e confirmamos a reserva e o pagamento da noite por parte da agência Stantours. O quarto está marcado 115 USD/noite. Quando olhamos para o placard e vimos o preço do quarto não queríamos acreditar. “Vamos dormir num luxo, pensamos”. Afinal, não… “Feels like a dream but it is reality” é apenas um quarto duplo ranhoso (pelo qual não pagaria mais de 20 USD) onde o wi-fi não funciona. Deitamo-nos à 1h da manhã, depois de tanta confusão.
Pela manhã, descobrimos que temos um pequeno-almoço de buffet e piscina. Já está mais perto do sonho, mas ainda assim, me parece um pesadelo toda esta atribulação.
Resolvemos sair de Tashkent nessa manhã a caminho do Quirguistão. Só paramos no Grand Mir hotel para levantar dinheiro. É o primeiro multibanco que vemos no último mês. Estávamos quase sem dinheiro nenhum e já contávamos as moedas para comer e beber. Fizemos uma festa ao levantar dinheiro.
Apanhamos um táxi (luxos) para a estação de táxis partilhados para Adijon onde, a muito custo, conseguimos negociar um táxi partilhado para a fronteira Dostlyk, no Quirguistão, por 40 000 soms/pessoa, com passagem pelo vale de Fergana. A viagem demoraria cerca de 6 horas e o nosso motorista era um bacano.
Íamos de táxi com uma sexagenária russa. Pelo caminho atravessávamos os campos cultivados do vale de Fergana e do rio Syd Daria, onde os camponeses invadiam a estrada para venderem frutas e legumes deliciosos. Compramos maças e uvas para a viagem.
Antes da fronteira, num check-point de controlo policial, o motorista pára o carro e deixa-nos ali. Afinal, descobrimos em dois minutos, a fronteira ainda fica a 7 km. É impossível caminhar essa distância com estas mochilas. Lá temos que pagar um novo táxi. A saída do Uzbequistão e entrada no Quirguistão é rápida e fácil. Em menos de uma hora estávamos do outro lado da fronteira.
Da fronteira à cidade de Osh foram 10 minutos de táxi. Chegamos à nossa primeira cidade quirguiz e parece que entramos numa cidade russa saída da Guerra Fria. O nosso hostel fica num apartamento de um bairro residencial e é administrado por um grupo de afegãos. São simpáticos e quando nos obrigam a tirar as botas para entrar devem ter sofrido um choque. O cheiro das nossas botas com este calor faz parecer que transportamos duas armas químicas. Claro que a do Rui muito mais letal do que a minha! Talvez por isso nos tenham alojado num edifício do outro lado da rua, num quarto que recebe o título de “deluxe” mas em que apenas uma das camas tem colchão. O Rui, claro, ficou a dormir em cima de tábuas. Eu fui mais rápida!
“Feels like a dream but is reality” está escrito no cartão que tenho a marcar o guia de viagens. Olho para o cartão e rio-me. Atiro-me para cima da cama e não consigo parar de rir. O Rui, esse, está ainda em estado de choque. Quando lhe mostro o cartão deitámo-nos os dois a rir. Estamos esgotados e precisamos de parar nem que sejam quinze minutos. Daqui a pouco, voltamos à carga.
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