Era dia de aldeia SOS mas antes…. A esperança de um dia melhor desvaneceu-se quando Nico nos disse:
– A junta do motor está queimada e partida, e possivelmente as cabeças do motor não estão bem. Cá não deve haver peças para isto.
O meu mundo pareceu ruir ali como um castelo de cartas.
De manhã bem cedo, saímos do hotel e telefonámos ao Nico. Depois de uns breves desencontros, encontrámo-nos em frente ao mecânico do dia anterior. O Agostinho passou para o carro do Nico e fomos até à sua oficina tratar do carro, que ficava a cerca de 7 km do centro da cidade.
Hoje tínhamos marcado uma visita às crianças da Aldeia SOS de Samarcanda, para conhecer as famílias, as crianças e levar-lhes alguns presentes mas com toda esta azáfama a nossa missão ficou para segundo plano.
Quando chegámos à oficina do Nico tivemos que fazer escolhas, duras mas necessárias. A burrinha ficou na oficina com o Agostinho, que prontamente se sacrificou em não foi às crianças da Aldeia SOS. Nós os quatro, fomos com o Nico comprar material escolar a uma pequena papelaria. Gastámos parte do orçamento conseguido no Crowdfunding (graças ao contributo generoso de imensas pessoas que confiaram em nós e a quem nós agradecemos muito) na compra de material escolar, nomeadamente jogos didácticos, cadernos, livros, enciclopédias, atlas, réguas, esquadros, canetas, lápis de colorir, mapas, marcadores, plasticinas, tabelas periódicas, livros de conversação em inglês – uzbeque, gramáticas e dicionários de inglês, etc.
Enchemos vários sacos de material e o Nico levou-nos às crianças da Aldeia SOS. Tatiana já estava à nossa espera. Recebeu-nos com um belo sorriso nos lábios e um olhar enternecido, vindo dos seus olhos azuis profundos.
Tatiana chamou cerca das 40 crianças que estavam na aldeia. São férias de Verão e das 84 crianças que vivem ali, algumas estão de férias. Os miúdos têm entre 4 e 18 anos e são iguais a todas as crianças do mundo, meigas, humildes e alegres.
Montámos o mapa planisfério na mesa e resolvemos quebrar o gelo com uma aulinha de geografia mundial, onde o Zé explicou à pequenada de onde vínhamos e o que estávamos a fazer. Depois, começámos a mostrar-lhes o material escolar, que posteriormente uma administradora do Aldeia distribuiu pelos miúdos.
À medida que mostrávamos o material os olhos das crianças brilhavam de alegria e iam-nos contando quais os seus sonhos e planos para o futuro. Algumas das crianças falavam inglês, que aprendiam na escola e, especialmente duas meninas, falavam bastante bem. Uma sonhava ser advogada na “América” e a outra queria ser guia turística.
Passámos um bom bocado com os miúdos, mas eu não resisti e comecei a fazer-lhes perguntas sobre o Uzbequistão e sobre geografia mundial. A criançada até sabia umas coisas e rimo-nos muito, com muitas selfies à mistura!
No final da manhã ainda tivemos tempo para ir ver uma das casas da Aldeia SOS e conhecer uma das “mães adoptivas” que toma conta de 6 crianças e já ali dedica a sua vida há mais de 10 anos. Estas mães abdicam de uma vida familiar convencional e passam a dedicar-se a tempo inteiro às crianças órfãs ou tiradas aos pais biológicos. São mães de profissão, pagas pelo governo uzbeque, mas é a ONGD, Aldeias SOS, que organiza e gere através de financiamento externo e interno a aldeia. Hoje existem aqui 30 casas, com 30 mães que criam mais de 80 crianças indefesas e desprotegidas. Todas frequentam a escola e aprendem ofícios até aos 18 anos. Algumas crianças deram-nos presentes feitos por elas, inclusive uma bonequinha pequenina que uma menina me deu e que vou levar para a minha sobrinha.
No final da visita vínhamos de alma e coração cheio, graças à generosidade de afectos que recebemos em troca do pouco que contribuímos.
O Nico foi buscar-nos passado algumas horas. Ele e o Agostinho estavam com má cara.
– Temos a junta do motor partida. Não sabemos como vamos resolver isto.
O nosso mundo ruiu. Parecia ser o início do fim do nosso Rally Mongol. Logo agora que estávamos a aproveitar todas as suas vertentes.
O Nico ficou de ver se arranjava a peça, mas depois de telefonar para Tashkent, descobrimos que não havia. Tentou vários fornecedores e nada. Não havia nada a fazer. Despedimo-nos dele, com a promessa de que ele nos tentaria ajudar e ia fazer tudo por tudo para termos a burrinha novamente pronta a andar.
Regressámos a Samarcanda cabisbaixos e muito desmotivados. Estávamos de rastos e na hora o almoço, quase nem conseguíamos sorrir com a angústia e incerteza do futuro. Depois do almoço, Nico telefonou-nos:
– Consigo a peça na Turquia. Uma empresa de Tashkent vai mandá-la vir de avião e amanhã já cá está. Terão o carro pronto.
Parecia bom demais, mas nenhum de nós estava mesmo confiante neste desfecho. Cheios de calor e angústia, recolhemos ao quarto do hotel para descansar, saindo apenas ao final do dia para visitar o Zhari-e Zinda, a avenida dos Túmulos de Samarcanda e um dos nossos lugares preferidos na cidade. Entrámos pelo cemitério, para não pagar, e isso deu-nos vistas fantásticas ao pôr-do-sol. Entretanto ainda assistimos a uma cerimónia que, pelo que percebemos, era de um serviço fúnebre.
Era hora de jantar e pouco tempo depois já estávamos no Registão, num casamento uzbeque, eu a dançar com o mulherio e a rapaziada a beber vodka e tequila com os homens, inclusive um que tinha trabalhado em Portugal. Ali conseguimos e rir e sorrir muito, ainda que bastante ansiosos com o que iria acontecer nos dias seguintes. O nosso Rally Mongol poderia acabar ali…
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