O comboio percorre a noite escura da Anatólia. Pela janela da minha cabine vejo o contorno das montanhas contra o céu negro e pouco estrelado. Está tudo escuro lá fora. Estou a bordo do Expresso Transasiático, o comboio que liga Ancara a Teerão.
Para atravessar a Turquia, rumo ao Oriente, é necessário percorrer a Anatólia, a parte asiática do país. Resolvemos fazer esta travessia a bordo deste mítico comboio que em tempos ligava Istambul a Teerão. Agora, devido a obras de reparação da linha férrea, o comboio só tem início em Ancara e com saída uma vez por semana. Hoje é quarta-feira. Hoje é esse dia da semana. Vou embarcar no Expresso Transasiático.
A viagem reparte-se por dois países com características completamente diferentes e que me proporcionam experiências de viagem distintas. O comboio turco é limpo, novo e organizado. Apesar dos revisores não falarem inglês entendo-me perfeitamente bem com eles recorrendo à linguagem gestual. Até me abrem a porta do comboio em andamento para eu tirar fotografias e fazer pequenos filmes.
Passo a tarde a trabalhar para o doutoramento. Sinto-me frustrada. Gostava de aproveitar mais a paisagem mas sei que não o posso fazer. Ao fim do dia sinto-me recompensada porque o meu trabalho rendeu.
A primeira grande estação onde pára o comboio é Kaidesi, na Capadócia. O revisor diz-nos que temos 20 minutos e podemos descer. O Rui desce para comprar bebidas mas volta rapidamente. Ao fim de 10 minutos o comboio reinicia a sua marcha. O comboio, que até aí vinha praticamente vazio, enche-se de famílias iranianas e o ambiente transforma-se. O silêncio da tarde dá lugar aos cânticos e gargalhadas dos iranianos que aproveitam o facto de estarem fora do seu país para gozarem de pequenas liberdades.
De repente recebemos um novo inquilino no nosso compartimento. É holandês e os seus dois companheiros ficaram na estação de Kaidesi quando o comboio arrancou. Nem ele, nem eu, queríamos acreditar. Eu, com a sorte que o Rui teve em não ficar também na estação. Ele, com o facto de se encontrar com três mochilas, sem passaporte e sem os seus dois amigos. Felizmente tinham um telemóvel e com um telefonema tudo se resolveu. Apanhariam um táxi até à próxima estação, a 3 horas de distância. Eu estava incrédula mas a verdade é que resultou. Quando eles regressaram estávamos cinco num compartimento de quatro. Ainda nos rimos e conversamos um bocado sobre o caricato da situação. O revisor, que deveria ter sido meu amigo numa outra reencarnação, reservou-nos o compartimento só para nós e colocou os três holandeses noutra cabine. Que luxo, eu e o Rui privamos de um compartimento exclusivo a bordo do Expresso Transasiático.
Às 6 horas da manhã, o comboio chega a Malatia e um quinquagenário iraniano entra na nossa cabine.
Continuamos a dormir. Pela manhã fomos conversando com o nosso novo companheiro de viagem. É um cavalheiro e é professor universitário de História e Cultura Persa em Teerão. Partilhou connosco fotografias da família, histórias de lugares e gentes.
Pelas 16 horas o comboio chega a Tatvan, uma cidade na margem do lago Van, o maior lago da Turquia. O comboio leva-nos até à margem do lago e uma carruagem entra inclusivamente no ferry. Nós também embarcamos, juntamente com dezenas de famílias iranianas e meia dúzia de estrangeiros. Estes últimos eram tão poucos que já todos nos conhecíamos de vista.
O lago Van ocupa uma área de 3750 km2 e a sua travessia demora quatro horas. A viagem é magnífica. A lua começa a subir no horizonte por volta das 17h. O sol começa a cair na outra margem do lago e com ele chegam as cores torradas e alaranjadas do fim do dia. Nós dirigimo-nos para Van, a oriente, o sol põe-se atrás, a ocidente. É para oriente que nos dirigimos é para o Irão que vamos.
No lago Van ainda estamos na Turquia mas aqui já todos parecem que estão no Irão. No convés do barco, enquanto o sol se põe, os iranianos cantam e dançam numa grande roda. Todos gostamos desta alegria e da genuinidade destas gentes.
O ferry chega a Van pelas 21 horas. Saímos e preparamo-nos para o outro trajecto no Expresso Transasiático. Aqui, o comboio já é operado pelos iranianos e rapidamente se percebe a diferença. Ninguém sabe mais como as coisas funcionam, mas, tal como no Irão, todos estão dispostos a ajudar. O caos começa a instalar-se. O comboio não chega. Os bilhetes não parecem funcionar e, garanto-vos, esta entrada no Irão, promete.
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A bordo do EXPRESSO TRANSASIÁTICO – Parte II: O pesadelo fronteiriço | Turquia e Irão
Em Van, a viagem a bordo do Expresso Transasiático perde em simplicidade e organização, mas ganha em caos e adrenalina. De repente todos os iranianos sentam-se numa fila para adquirirem novos bilhetes. Descobrimos que o bilhete turco apenas funciona parcialmente. Isto é, garante-nos um lugar, mas sem lugar marcado. Para termos lugar marcado temos que ir para esta nova fila e obter os lugares em farsi. Mas, o que é ainda mais estranho é que estão todos numa fila em que não há ninguém para atender.
– Quando é que chega alguém? – pergunto eu.
– Ninguém sabe. – responde uma teenager iraniana. – Quando chegar o comboio.
A pergunta que se segue parece-me óbvia.
– E quando chega o comboio? – ataco novamente na esperança de recolher uma resposta mais assertiva.
– Ninguém sabe. Pode ser às 21h, às 22h às 23h ou inclusive amanhã.
A resposta surpreende-me sempre. Olho para o bilhete que tenho na mão. Diz “21.54h”. Mostro aos iranianos, que me garantem que isso vale de pouco. Passamos três horas na estação de Van. De repente, aparece um comboio no horizonte. Não vem a mais de 10km/h. A coisa promete. Lá conseguimos novos lugares, com um senhor de Esfahan e o seu filho pequeno. Apesar de não falarem inglês são uma simpatia e o miúdo até me tenta ensinar a falar farsi. Confesso que apesar do esforço da criança, eu não me saí nada bem. Só aprendi uma palavra “mamnoon” que significa obrigada.
Quando saímos de Van já passava da meia-noite e, mesmo sabendo que passaríamos a fronteira durante a noite resolvemos dormir. Às 3 horas da manhã salto da cama com alguém a bater na porta da cabine. Estamos na fronteira turca. Uma fila interminável e mais de uma hora depois voltámos ao comboio.
– Valerá a pena deitar-nos? – questiono-me.
Parece-me que sim. Mas, mal adormeço, às 4 horas da manhã, nova batida na porta.
– Todos para o vagão restaurante. – diz o revisor.
O restaurante estava agora convertido em escritório fronteiriço. Até aqui as coisas corriam bem mas depois mandaram-nos para uma sala com as bagagens e aguardar. E nós aguardamos. Aguardamos tanto que o sol apareceu e nasceu o dia. Já eram 8 horas da manhã quando saímos da fronteira. Que noite terrível. Estava cansada, chateada e mal-humorada. Era suposto o comboio chegar a Tabriz às 8 horas da manhã mas só a essa hora é que o comboio arrancou da fronteira. Fui dormir um bocado no Expresso Transasiático para recuperar do mau humor nocturno.
Chegamos a Tabriz no Expresso Transasiático eram 11.30h. Apesar de não ter dormido quase nada, lavei a cara, coloquei a minha roupa iraniana (há que seguir o dress code do país e usar lenço a cobrir a cabeça e roupa larga), o Rui vestiu as calças e decidi enfrentar de frente o Irão. É a segunda vez que venho ao Irão.
Na primeira, visitei os lugares mais turísticos, desta vez, quero ver o outro Irão. Quero conhecer o país que se esconde por trás do lenço.
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