O sol ainda não tinha nascido quando acordámos na nossa homestay em Murgab, em plena região das Pamir, uma das principais e mais imponentes cordilheiras do mundo. A luz do sol iluminava já o topo das montanhas que circundam a vila, mas as casas ainda estavam na sombra. Depois de um banho sem chuveiro, com um balde cheio de água aquecida a lenha, era tempo de tomar um belo pequeno-almoço, acrescido da simpatia dos nossos anfitriões.
Depois de nos despedirmos, era tempo de iniciar um dia de muitos quilómetros, em que cruzaríamos a região das Pamir oriental, diríamos adeus ao Tajiquistão, com destino Sary Mongol, uma localidade no Quirguistão. Seguimos pela M41, mais conhecida como “Pamir Highway”, em direcção a Karakul, uma pequena localidade junto ao lago homónimo.
A estrada não é propriamente uma auto-estrada, mas a sua qualidade é muito superior ao que experimentámos na fronteira com o Afeganistão, sendo que a progressão é feita a uma velocidade bastante elevada. No entanto, as distâncias são longas, e o nosso destino só seria atingido ao final do dia.
A paisagem é assombrosa, principalmente à luz do sol nascente. Seguimos muito perto da fronteira com a China, e durante muitos quilómetros a estrada é acompanhada pela cerca de arame farpado que delimita uma “zona neutra” entre o Tajiquistão e a China. Durante largas dezenas de quilómetros, nenhum carro passa por nós. Parece que estamos sozinhos no planeta, num planeta cuja marca humana quase não se nota e que, por isso, exibe uma beleza inigualável.
Atravessamos o passo de montanha mais elevado do nosso Rally Mongol, o Passo Ak-Baital (4655 m) e a nossa Burra portou-se muito bem. No topo, as vistas são fabulosas, sendo visíveis vários glaciares de montanha.
Descemos então para o maior lago da região das Pamir, o lago Kara-Kul. O azul-turquesa das suas águas é tão intenso que parece uma visão de outro mundo. Na realidade, o lago tem uma origem extraterrestre pois resultou do impacto de um meteorito há milhões de anos. A visão do lago, com as montanhas geladas por trás foi uma das mais bonitas da nossa viagem até agora. A ilha que albergou desafortunados prisioneiros de guerra nazis, após o término da segunda guerra mundial, é deveras impressionante, e a vila de Karakul tem uma aura de “fim do mundo”.
Conforme nos íamos aproximando da fronteira com o Quirguistão, a qualidade da estrada ia piorando. A estrada asfaltada desaparecia e dava lugar a uma estrada de terra batida muito irregular, que exigia uma atenção redobrada na condução. No Passo Kyzyl-Art (4282 m), encontrámos o posto fronteiriço do lado tajique e rapidamente prosseguimos viagem.
Era já bem visível a parte da cordilheira Pamir que inclui o Pico Lenine (7134 m), um dos mais altos do Tajiquistão, com os seus imponentes glaciares e montanhas adjacentes cobertas de neve. A paisagem que ficava para trás de nós era absolutamente fabulosa.
Após percorrermos alguns quilómetros em “terra de ninguém”, chegámos ao posto fronteiriço do lado quirguiz. Foi aí que acabámos por perder mais tempo, pois o ritmo de trabalho dos guardas e funcionários fronteiriços era muito lento. Acabámos por passar um bom bocado a conversar com outros viajantes e com uma outra equipa participante no Rally Mongol. Depois de termos o carimbo no passaporte, ainda tivemos de esperar para pagar uma licença de circulação e finalmente tivemos a autorização para seguir caminho.
Atravessando a enorme planície de outwash dos imponentes glaciares que ficavam para trás, a paisagem continuava a maravilhar-nos, mas a estrada continuava a requerer a maior atenção e cuidado, especialmente quando os cursos de água, buracos e lama teimavam em dificultar a nossa progressão. Numa das vezes a Burra esteve quase a ficar atolada em lama, mas felizmente conseguimos sair de lá sem mazelas de maior, excepto uma Burra muito mais suja e, por isso, com muito mais carácter.
Lentamente fomo-nos aproximando de Sary Tash, a localidade quirguiz mais próxima da fronteira. A Carla conhecia-a bem, uma vez que era ali que a Rota da Seda da Nomad seguia caminho para a China. Aproveitámos para parar, trocar algum dinheiro, encher o depósito da Burra e almoçar (às 18h) num pequeno restaurante à beira da estrada, juntamente com alguns camionistas.
Dali percorremos os últimos quilómetros, já em estrada asfaltada com qualidade, até Sary Mongol, onde ficaríamos alojados nessa noite numa homestay. Ainda vimos algumas opções na vila e acabámos por ficar numa em que tínhamos um pouco mais de privacidade ficando os cinco Carapaus num só quarto.
As montanhas das Pamir faziam-nos companhia ao anoitecer e a sua beleza e enigmática energia faziam-nos sentir especiais e priveligiados em poder presenciar tal maravilha da natureza. Ao longo dos séculos estas montanhas foram, ao mesmo tempo, um obstáculo a transpor, mas também uma maravilha a admirar. Tal como eles, também nós conseguimos passa-las mas com reverência pela arte magistral da natureza.
Se vai viajar para o Tajiquistão, estes são alguns artigos do nosso blogue que lhe vão interessar e que resultam da viagem que fizemos no Rally Mongol
- VISTO DO TAJIQUISTÃO – Tudo o que precisa de saber, passo a passo, para tirar o visto do Tajiquistão em Portugal.
- RALLY MONGOL- TEMPESTADES NO TAJIQUISTÃO – Um artigo cheio de histórias e aventura nas nossa passagem pelo Tajiquistão.
- RALLY MONGOL – NA FRONTEIRA COM O AFEGANISTÃO – Um artigo em forma de crónica sobre a nossa passagem pelo corredor que separa o Tajiquistão e o Afeganistão.
- RALLY MONGOL – A CAMINHO DE MURGAB NAS PAMIR – Um artigo em forma de crónica, da nossa viagem em direcção a Murgab, no Tajiquistão, durante a viagem do Rally Mongol.
- RALLY MONGOL – ATRAVESSANDO A CORDILHEIRA PAMIR – Um artigo em forma de crónica de viagem sobre a nossa aventura a atravessar as montanhas Pamir, no Tajiquistão.