No nosso último dia no Sudão, era tempo de explorar Cartum, a capital do país. Estávamos hospedados no Acrópole Hotel, uma instituição na cidade, que parece tirado de um filme dos anos setenta.
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Fotografias das equipas de arqueólogos que trabalharam no Sudão nos últimos anos adornam as paredes do hotel, localizado na baixa de Cartum, junto ao rio Nilo Azul. O serviço é prestável, sendo muito úteis na obtenção da permissão de entrada (necessária para a obtenção do visto à entrada no aeroporto), no registo (obrigatório) junto da polícia aquando da chegada a Cartum, mas também se fazem pagar bem por esses serviços.
Depois do pequeno-almoço, saímos para as ruas da cidade. Cartum é, na realidade, três cidades: Cartum propriamente dita, Omdurman e Bahri, separadas pela confluência dos rios Nilo Branco e Nilo Azul.
1. Baixa de Cartum
A baixa de Cartum tem uma rede de ruas organizada e é a sede dos departamentos governamentais e dos bancos, nacionais e internacionais, que operam no Sudão. Nesta zona não é permitido tirar fotos, pois a presença militar e policial é notória.
2. Mesquita de Al Jame’e Al Kabir (Mesquita Grande)
A maior e mais importante mesquita de Cartum fica no meio da área governamental da cidade, próximo da universidade. A mesquita fervilha de actividade religiosa. No seu interior há madrassas, escolas corânicas, e os estudantes distribuem-se pelo recinto.
À entrada, os jovens vendem as “contas”, uma espécie de cordão (como o terço) usado pelos muçulmanos para contar as orações. Ainda comprámos um, bem antigo, embora estivéssemos quase 15 minutos a discutir o preço com um rapaz de cerca de 10 anos.
3. Museu Nacional do Sudão
O nosso plano era visitar o Museu Nacional do Sudão logo pela manhã. Percorremos a marginal de Cartum, ao longo da margem do Nilo Azul, e depressa chegámos ao museu. No piso térreo pode encontrar-se objectos relacionados com o período pré-histórico e o período de ocupação egípcia e do império de Kush.
Ali se podem admirar estátuas de faraós e um enorme sarcófago, cheio de inscrições, por dentro e por fora. É verdade que estes objectos teriam muito mais impacto se estivessem nos locais onde foram encontrados, mas também é verdade que, nesse caso, a sua sobrevivência estaria muito mais em risco.
O segundo andar do museu exibe frescos de igrejas cristãs na cidade antiga de Faras, salvos do avanço das águas do lago Nasser, causado pela construção da barragem do Assuão, no Egipto. Embora muito deles estejam bastante danificados, outros demonstram um fulgor artístico notável, passados mais de mil anos.
Salvar estas obras de arte foi verdadeiramente foi um serviço ao património histórico e cultural da humanidade.
À volta do edifício do museu estão também três recintos onde se encontra o que se salvou de três templos que existiam ao longo do Nilo e que também seriam cobertos pelas águas. O mais impressionante deles é o templo de Buhmen, localizado na fronteira entre Egipto e Sudão, que ainda contém representações coloridas de faraós e deuses, que continuam a impressionar tanto quem os vê hoje quanto aqueles que os admiraram no passado.
Para além deste, existem os templos de Aksha, de Kumma e de Semna.
4. Nilo Street – A Marginal de Cartum
Do museu, seguimos para a beira rio, a marginal de Cartum, onde a vida acontece, embora de forma tímida, talvez por ser sábado de manhã ou apenas porque a população prefere viver em Ondurman, do outro lado do Nilo. O Hotel Corinthia, imponente, domina a cidade.
5. Confluência dos rios Nilo Azul e Branco
Negociámos o preço de um barco que nos levasse pelo Nilo Azul até à confluência com o Nilo Branco (350 libras sudanesas), e depois até Omdurman, na outra margem do Nilo.
A confluência do Nilo Branco e do Nilo Azul é um marco geográfico e é muito curioso observar as águas de cores diferentes a juntarem-se: a água esverdeada do Nilo Azul com a água acastanhada do Nilo Branco (sim, as cores não são bem correspondentes às dos respectivos nomes).
Chegados à margem de Omdurman, fomos para a rua mandar parar táxis ou pedir boleia. Ao fim de algumas tentativas falhadas, negociámos com um taxista, um velhote simpático que arranhava o inglês, a ida para o Mercado Al-Moheli, o mercado de gado e de camelos de Cartum.
6. Mercado da Líbia
Sabíamos que o mercado era no extremo oeste de Omdurman, por isso seria uma viagem que demoraria um pouco, mas a realidade ultrapassou as expectativas. Depressa ficamos enredados no tráfego intenso e caótico da cidade e lentamente fomo-nos dirigindo para oeste.
Pelo caminho passámos pelo ‘Lybia Souk’, onde os vendedores ocupavam a quase totalidade da rua (deixando apenas uma via para os carros como o nosso táxi) numas boas centenas de metros. A profusão de cores, principalmente das roupas das mulheres, e o caos de barulho e movimento são uma marca registada de África.
Mas o nosso taxista não parecia muito satisfeito e resmungava do trânsito e dos imigrantes do Chade, Somália e Eritreia que, segundo ele, estavam a transformar o Sudão numa confusão! Sinais dos tempos…
7. Al Moheli
Depois de passado o souk, o tráfego abrandou mas estávamos já longe do centro de Omdurman e nada de sinais que estivéssemos a chegar ao mercado de Al Moheli. O nosso taxista começou a dar sinais que também não sabia muito bem onde era. Parava frequentemente e perguntava onde era esse tal mercado. A dada altura, o homem a quem perguntou começou a explicar, mas depois achou melhor entrar dentro do carro e seguir connosco algumas centenas de metros. Ainda passámos por uma zona onde se via gado e até vimos alguns camelos a atravessar a estrada, mas todos a quem perguntávamos diziam para seguir mais para a frente.
A malha urbana de Omdurman ia ficando menos densa e o deserto ia marcando a sua posição conforme nos afastávamos cada vez mais. De repente, a estrada asfaltada acabava. Em frente, só terra batida e os bairros mais pobres da capital. Muitos miúdos andavam pelas ruas e o nosso taxista continuava a perguntar sobre o nosso destino.
Vimos um grupo de camelos a vir na nossa direcção e pensámos que já estávamos lá… Falso alarme!
Estávamos já fora da cidade e quase nenhum edifício se via. Um miúdo disse para seguirmos em frente e o terreno começava a ficar muito arenoso. O nosso táxi não era 4×4, por isso estávamos também apreensivos se o carro não ficaria atolado. Estávamos quase a desistir quando começámos a ver a silhueta de dezenas de camelos no horizonte. Tínhamos com o nosso objectivo a vista!
8. Mercado de gado de Al Moheli
Quando finalmente chegámos, o cenário era de outro mundo. De um lado e de outro da ‘estrada’, até onde a vista alcançava, encontravam-se centenas, talvez milhares, de cabeças de gado e muitas dezenas de homens vestidos de branco que pareciam guardar o gado.
De um lado, o gado bovino. Enormes vacas e bois com cornos pontiagudos passeavam-se e os homens gritavam uns para os outros, no que a nós nos pareceu a negociação de preços.
Eu ia falando com os homens para quebrar o gelo (serão muito poucos os brancos que costumam passar por ali, um lugar que mesmo a maior parte dos habitantes de Omdurman não conhece) e a Carla ia tirando fotografias.
Do outro lado, estavam os camelos. A mesma organização (ou falta dela!) e a mesma estratégia para os locais não estranharem a presença de estranhos no local.
Um dos homens chegou mesmo a perguntar a Carla “mas porquê tantas fotos neste local ?”. Ele não compreendia, mas para nós este local foi um mergulho na África profunda, um vislumbre de como as coisas se passam no continente, da mesma forma há centenas, talvez milhares de anos. Uma experiência única, num lugar único.
O nosso taxista ia desesperando. Combinámos um novo preço para esperar por nós e levar-nos de volta a Cartum. Mas quando acabámos e o procuramos, não o vimos.
Percorremos ainda uma boa distância, mas nada de taxista. Voltámos ao ponto onde nos tinha deixado e estávamos quase a desistir, e vir pedir boleia para a estrada, quando o vimos a bater uma soneca no carro!
Voltámos para Cartum por outra estrada (esta toda asfaltada) e tivemos noção que o mercado era ainda maior do que aquilo que tínhamos presenciado de perto, com também gado caprino e cavalar dentro de cercas.
No regresso apanhámos muito menos trânsito, mas o nosso taxista só descansou quando se viu em terreno conhecido… Até suspirou! Tão cedo não vai esquecer estes dois estrangeiros esquisitos que o fizeram aventurar-se em terrenos nunca dantes explorados…
9. Túmulo de Muhammad Ahmad (Madhi)
Ainda tivemos tempo para passar por Omdurman e visitar o túmulo de Mahdi, um herói nacional que lutou contra o domínio inglês. No exterior uma pequena cerimónia. Em frente está a Casa e Museu de Califa. Não visitámos porque já estava fechada.
10. Cerimónia Derviche no Túmulo de Sheikh Hamad-al Nil
Neste dia não fomos ao túmulo de Sheikh Hamad-al Nil, onde se faz a cerimónia derviche sufi, em Omdurmam, porque estas só ocorrem às sextas-feiras no cemitério de Alshikh Hamad Al Neel. Já a tínhamos visto ontem. Quem visita Cartum deve, obrigatoriamente, incluir este local no seu itinerário.
Para saber tudo sobre a cerimónia Derviche Sufi de Omdurman, veja este artigo.
De volta a Cartum e a despedida
Atravessámos uma das pontes que cruza o rio Nilo Branco e estávamos de volta a Khartoum e ao nosso hotel. Ainda tivemos tempo de tomar um banho e jantar para depois nos dirigirmos ao aeroporto. O dia em Cartum tinha sido cheio de peripécias e o Sudão cheio de surpresas, mas estava na hora de voltar. Claro que um pais tão grande tem ainda muita coisa a mostrar, em particular as regiões do Darfur, Kordofan e Mar Vermelho, mas isso terá de ficar para uma outra oportunidade. Insha’Allah!
Leia aqui as crónicas diárias da nossa aventura a viajar no Sudão:
- DIA 1 – Welcome to Sudan!
- DIA 2 – Rumo ao norte – De Cartum a Ed Debba
- DIA 3 – VELHA DONGOLA, KERMAN e TOMBOS, um périplo pela história longínqua do Sudão
- DIA 4 – NÚBIA, a região que é senhora do deserto
- DIA 5 – As pirâmides do Império KUSH em KARIMA (Jebel Barkal, El Kurru e Nuri)
- DIA 6 – O milagre da Vida e as PIRÂMIDES DE MEROÉ
- DIA 7 – O esplendor dos faraós em Naqa e Musarawwat es Sufra e os Derviches africanos de Cartum
- DIA 8 – Os segredos escondidos de CARTUM e OMDURMAN