Acabámos a noite a beber “carcadere” num boteco na praça central de Karima, preparado pela Samira, uma imigrante etíope com um sorriso generoso e rasgado. Foi a cereja no topo do bolo para um dia magnífico, o melhor que tivemos até agora no Sudão, este país que nos conquista a cada dia que passa e que se desvenda perante os nossos olhos.
Hoje ficamos a conhecer a história do império Kush, e a dinastia dos faraós negros que governaram o Egipto a partir da Núbia.
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JEBEL BARKAL
Logo depois do pequeno-almoço, saímos de casa e dirigimo-nos a pé até à montanha sagrada de Jebel Barkal. Começámos com uma breve visita ao pequeno museu, com artefactos de diferentes épocas, desde uma múmia pré-histórica até representações do deus Amon, com cabeça de carneiro.
Seguimos depois para o Templo de Amon, do qual restam apenas as fundações. Era um templo muito importante para os egípcios, fundado no século XV a.C., nos confins do império.
Logo ao lado, por baixo de um monólito que se destacou da montanha (e que alguns identificam como uma antiga estátua de um faraó ou de uma cobra), escavado dentro da montanha, encontra-se o templo de Mut, do século VII a.C., dedicado à Mãe divina e aos rituais de fertilidade. Lá dentro, pudemos ver algumas representações gravadas na pedra das paredes e tectos.
No mesmo complexo de Jebel Barkal, encontram-se também algumas pirâmides, uma central, rodeada de quatro pequenas, mas todas em muito mau estado, e um outro grupo, designado o cemitério real, em muito bom estado, presumivelmente as mais bem preservadas do Sudão.
Este conjunto de pirâmides de cerca de 20 m de altura é lindíssimo, e data do seculo III a.C., antes de os reis de Napata (a cidade ao lado de Jebel Barkal) se moverem mais para sul devido a exaustão dos solos e alterações climáticas que levaram a uma progressiva desertificação da região.
SOUQ DE KARIMA
Depois de extasiados pela beleza de Jebel Barkal fomos almoçar a Karima. No seio da cidade de Karima, o souq fervilha de gente, de sorrisos e de vida. Homens e mulheres, crianças e velhos, conversam, riem e convivem ao sabor do tempo. Em cada esquina um sorriso rasgado, um convite para tomar chá, um aperto de mão generoso, precedido por um toque no ombro, sinal de respeito.
Passear no souq de Karima não é uma viagem no tempo. É uma viagem à alma do Sudão. As bancas estão recheadas de legumes e frutos frescos, produzidos nas margens férteis do Nilo, as mesmas que após 50 metros do rio são estéreis e áridas. São a vida e a morte em apenas 100 metros de distância do Nilo.
Os homens vendem, as mulheres compram. São elas que preparam a casa. São elas que gerem a economia familiar. Eles são homens de negócios, responsáveis por fazer entrar em casa o dinheiro que elas terão para gerir no mês. Papeis muito bem definidos na sociedade sudanesa.
A linha de comboio corta o souq. De um lado os frescos, carne, legumes e frutas. Do outro lado os artigos manufacturados, a maioria provenientes da China.
WADIS
A caminho de El Kurru ainda houve tempo para uma paragem num wadi, um vale seco, à espera das chuvas escassas na região, para se inundar de água.
FLORESTA PETRIFICADA
Um pouco mais à frente, uma floresta petrificada no meio do deserto. Não é uma floresta, mas são bastantes árvores que caíram naquela zona, foram cobertas de sedimentos e a calcificação ao longo dos séculos deu origem a verdadeiras pedras com a forma de árvores tombadas. Um cenário surreal num país que nos surpreende ao virar de cada esquina.
EL KURRU
El Kurru é um cemitério real usado durante séculos, sendo que só uma pirâmide subsiste, mas em mau estado. No entanto, os túmulos subterrâneos, apesar de terem sido saqueados, apresentam ainda pinturas nas paredes e tectos em bom estado de conservação. Visitámos apenas um (os outros estavam em processo de recuperação), onde pudemos admirar um céu estrelado e representações de faraós e deuses na viagem para o Além.
AS MARGENS DO NILO
Atravessámos várias aldeias de adobe nas margens do Nilo. O rio serpenteia a paisagem e pinta de verde as suas margens, concedendo um tom castanho e estéril após alguns metros.
As casas antigas de adobe têm vindo a ser abandonadas, progressivamente. As populações procuram agora edifícios mais resistentes, construídos com tijolo.
No meio do nada, uma antiga mesquita de adobe abandonada nos seio dos campos cultivados, que lembra que a cidade de Karima já por ali esteve. Inundações centenárias do Nilo obrigaram a cidade a relocalizar-se, a uma cota ligeiramente superior e no meio do deserto.
NURI
Na outra margem do Nilo, encontra-se Nuri, o cemitério real usado pela famosa 25ª dinastia faraónica, aquela que governou a Núbia e o Egipto desde Napata e Jebel Barkal. Em linha de vista com o centro religioso e político, Nuri tem uma colecção ainda hoje fantástica de pirâmides, sendo a central do faraó Taharqa, o governante do século VIII a.C. cujo território se estendia até à Fenícia.
A maior parte encontra-se em mau estado, mas o conjunto é absolutamente fabuloso, dando razão a quem afirma que o Sudão tem mais pirâmides do que o Egipto.
As areias do deserto envolvem as pirâmides, e as pequenas pedras que se vão soltando dos depósitos que constituem os blocos vão enchendo o chão. O tempo continua a passar e estas pirâmides continuam a teimar em manter-se de pé.
Uma coisa é certa: se o Egipto tem as mais imponentes e melhor preservadas pirâmides do mundo, o Sudão tem definitivamente as mais exóticas e, melhor do que tudo, só para nós, pois não vemos vivalma, além dos zeladores do recintos.
PÔR-DO-SOL EM JEBEL BARKAL
Regressámos a Karima, e a Jebel Barkal. No dia anterior, tínhamos assistido ao pôr-do-sol do cimo da montanha sagrada. Era agora tempo de assistir aos tons vermelho-fogo que o sol poente empresta às pirâmides.
Ainda tivemos tempo de meter conversa com o zelador das pirâmides, que se queixou dos jovens sudaneses que sobem às pirâmides, pondo em risco um património de valor incalculável para a humanidade.
Acabámos o dia na praça de Karima bebendo um chá e conversando, mas as nossas mentes tinham sido transportadas naquele dia para uma outra época. Um tempo de Reis e faraós, pirâmides e túmulos, palácios e o rio Nilo. E tal como os egípcios acreditavam que o Deus Sol morria e renascia todos os dias, também nós sentimos que a cultura e religião egípcia e núbia renasce sempre que alguém assiste a um pôr-do-sol sentado aos pés de uma pirâmide.
Leia aqui as crónicas diárias da nossa aventura a viajar no Sudão:
- DIA 1 – Welcome to Sudan!
- DIA 2 – Rumo ao norte – De Cartum a Ed Debba
- DIA 3 – VELHA DONGOLA, KERMAN e TOMBOS, um périplo pela história longínqua do Sudão
- DIA 4 – NÚBIA, a região que é senhora do deserto
- DIA 5 – As pirâmides do Império KUSH em KARIMA (Jebel Barkal, El Kurru e Nuri)
- DIA 6 – O milagre da Vida e as PIRÂMIDES DE MEROÉ
- DIA 7 – O esplendor dos faraós em Naqa e Musarawwat es Sufra e os Derviches africanos de Cartum
- DIA 8 – Os segredos escondidos de CARTUM e OMDURMAN
Que relato interessante, o melhor do Sudão com certeza são as pessoas e o fato de poder visitar tudo com calma e sem muitas pessoas ao redor
Sim, Paula. É verdade. É um dos pontos altos de viajar no Sudão.
Que lindo relato e fotos, a Viviane se animou a conhecer. Interessante saber que essas pirâmides ficam sem grande proteção, podendo chegar bem perto.
As pirâmides do Sudão tem pouca vigilância mas devemos ser viajantes conscientes. É muito importante preservarmos o património e desfrutar dele. É muito lindo. É demais.
Tens razão, as pirâmides do Egipto são fantásticas, mas há sempre uma multidão a rodeá-las.
Gostaria muito de conhecer estas. Conhecem aquele provérbio árabe: “o tempo ri de todas as coisas, mas as pirâmides riem do tempo”?
Não conhecia. É lindo!
Fiquei apaixonado pelas fotos. Sou louco para ver uma pirâmide dessas de perto. Achei perfeito poder conhecer todos esses lugares em um único dia.
Obrigada, Leo. Visitar Karima e a área das ruínas e pirâmides foi demais mesmo.
Nossa que bacana e perfeito o seu post cheio de detalhes e fotos lindas. Você me apresentou um Sudão que eu não fazia idéia que existia.
Muito obrigada, Lu. Visitar o Sudão foi maravilhoso.
Obrigada Viajar entre Viagens pelo que nos dá a conhecer. Conheço mais agora (riso).
Obrigada 😀