VIAJAR NO SUDÃO DO SUL

O Sudão do Sul é como se fosse a última fronteira. Depois de viajar por mais de 120 países, viajar no Sudão do Sul, a par com a Papua Nova Guiné, foi a experiência mais extrema que já tivemos. O Sudão do Sul não é um destino para principiantes mas é um excelente destino de viagem, especialmente para quem procura culturas e tribos ainda bem preservadas.

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Uma publicação partilhada por Carla Mota e Rui Pinto ✈︎ Viajantes (@viajar_entre_viagens)

Se vai viajar para o Sudão do Sul veja estes nossos artigos

• VIAJAR NO SUDÃO DO SUL – Um artigo com a nossa reflexão e experiência a viajar no Sudão do Sul.
• GUIA DE VIAGEM DO SUDÃO DO SUL – Um guia de viagem prático, cheio de dicas, para viajar no Sudão do Sul, com contactos locais, questões de segurança, vistos, alojamentos, transportes, locais a visitar, como se deslocar, etc.
• TRIBO MUNDARI – A nossa experiência a visitar as tribos mundari.
• TRIBO DINKA – A nossa experiência a visitar as tribos Dinka.
• WRESTLING DO SUDÃO DO SUL – A nossa experiência num wrestling.
• TRIBO LOTUKU – A nossa experiência a visitar as tribos Lotukui.
• TRIBO BOYA – A nossa experiência a visitar as tribos Boya.
• TRIBO TOPPOSSA – A nossa experiência a visitar as tribos Toppossa.

GUIA DE VIAGEM DO SUDÃO DO SUL

A CAMINHO DO SUDÃO DO SUL

Enquanto as crianças abrem os presentes na manhã de 25 de Dezembro, nós estamos no aeroporto à espera de apanhar um voo para a nossa última viagem do ano velho e primeira do ano novo que se adivinha, o Sudão do Sul. São assim os nossos natais há mais de 15 anos. 

Geralmente não passamos o Natal juntos. Fazemos uma consoada a 23 de dezembro, em casa da família da Carla e, a 24 de Dezembro, cada um passa com a sua família. Voltamos a juntar-nos a 25, a caminho do aeroporto para passar o nosso Natal entre voos e escalas, geralmente em Istambul. 

A Turkish Airlines é das poucas companhias que voa em pleno em dia de Natal e, como tal, não é de estranhar que a nossa ceia de Natal já tenha sido tantas vezes no aeroporto de Istambul. Levamos rabanadas e bolinhos e montamos a nossa ceia numa mesa improvisada. Este é o nosso típico Natal. Atípico foi o que tivemos em 2019 ou 2023, quando estávamos em viagem e passámos esta data juntos e longe das nossas famílias. 

O Natal é um dos momentos em que nos presenteamos com o mundo. Em que nos oferecemos a oportunidade de visitar lugares diferentes, socialmente chocantes e, ao mesmo tempo, tão enriquecedores. Estas nossas viagens são as nossas prendas de Natal. 

Era dia de nos presentearmos com o mundo outra vez. O voo vai-nos levar a caminho do Sudão do Sul, onde chegámos de manhã bem cedo, cheios de sede de mundo e vontade de nos alimentarmos dele enquanto o tempo nos permitir. 

SOBREVIVEMOS AO SUDÃO DO SUL MAS HÁ FERIDAS QUE VÃO TER DE SARAR

Quando aterrámos na capital do Sudão do Sul, Juba, já sabíamos que a viagem não iria ser fácil. Tivemos certeza disso quando 10 minutos depois de aterrar estávamos no gabinete dos oficiais governamentais por causa das máquinas fotográficas que transportávamos. 

Viajar no Sudão do Sul é difícil, um desafio constante e muito caro. A corrupção neste país é endémica, tal como os conflitos tribais e a malária. Grande parte do dinheiro que pagamos para viajar no Sudão do Sul vai para alimentar esta corrupção, uma teia que permite a nossa entrada neste que é o país menos desenvolvido do mundo. 

Não somos inocentes. Sabemos disso e estamos cientes que sem isso nunca poderíamos ver o que aqui se passa. Temos a esperança que a nossa presença no Sudão do Sul, e de outros visitantes como nós, possa contribuir para o crescimento da indústria do turismo, num país que não faz a mínima ideia que essa pode ser uma fonte de rendimento. Até agora, somos considerados forasteiros e olhados com desconfiança por todos, excepto as crianças. 

O Sudão do Sul baseia a sua economia na venda de petróleo à China, que em troca tem vindo a criar algumas estradas no país. Contudo, ainda só cerca de 60 km de estradas são asfaltadas, num país sete vezes maior do que Portugal. O turismo não está na mira dos governantes e, a extorsão de dinheiro aos brancos não é por eles serem turistas, é por serem vistos como homens de negócios. Homens que aqui só vêm fazer uma de duas coisas (na sua cabeça), saquear os recursos naturais ou dar apoio humanitário. África é assim, crua e dura. E quem aqui viaja sente-o na pele todos os dias. 

A fila no aeroporto, para entrar no país, é maior na linha dos embaixadores e membros de organizações governamentais do que na dos não residentes. Somos sempre confundidos com um dos dois, o que nos levanta sempre problemas. Ou não nos querem ali, porque pensam que os vamos roubar, ou nos querem pedir dinheiro porque acham que ali estamos em missões humanitárias para os ajudar. 

O Sudão do Sul não é a preto e branco, é multicolorido. É complexo, esquizofrénico e violento. E ao mesmo tempo que assim é, é assim que desfila pelas ruas, tantas vezes pintado de negro profundo e outras tantas de tons alegres e vivos. 

Juba é a capital do Sudão do Sul mas à parte dos hotéis de 5 estrelas e do palácio presidencial não há quase mais nenhum edifício de cimento. Juba é uma favela gigantesca no Sudão do Sul, muito pior do que as do Rio de Janeiro ou da Índia. A capital do país mais jovem do mundo compete em crueldade humana com as cidades mais pobres que já vimos na Índia ou no Bangladesh. 

Mas é neste mesmo país, longe da capital, que habitam algumas das tribos mais bem preservadas e remotas do mundo. Longe do caos urbano de uma cidade sem lei nem regras no Sudão do Sul. 

Foi por isso que passamos tão pouco tempo em Juba no primeiro dia. A capital não tinha nada para nos mostrar. Não há um museu, um monumento ou uma estátua. Tirar fotografias é proibido. Viver ali é quase desumano. Mas é assim que ali vivem 600 mil pessoas, que diariamente aprenderam a lei do mais forte, a linguagem da corrupção e as ferramentas de sobrevivência. 

O Sudão do Sul, depois da Papua Nova Guiné, seria o local mais remoto, inóspito e difícil onde iríamos viajar. Não sabíamos muito bem disso no início, mas iríamos aprender à medida que nos íamos embrenhando no Sudão do Sul. 

OS DIAS NO SUDÃO DO SUL

Nos dias que passamos no Sudão do Sul exploramos várias tribos em manifestações culturais. Podem ver mais aqui:

• TRIBO MUNDARI – A nossa experiência a visitar as tribos mundari.
• TRIBO DINKA – A nossa experiência a visitar as tribos Dinka.
• WRESTLING DO SUDÃO DO SUL – A nossa experiência num wrestling.
• TRIBO LOTUKU – A nossa experiência a visitar as tribos Lotukui.
• TRIBO BOYA – A nossa experiência a visitar as tribos Boya.
• TRIBO TOPPOSSA – A nossa experiência a visitar as tribos Toppossa.

UM DOS MOMENTOS MAIS TENSOS EM VIAGEM 

O Sudão do Sul não é um país fácil. Durante todo o século XXI tem estado assolado por guerra. Primeiro uma guerra com o Sudão pela independência até 2011, e depois uma guerra civil que se estendeu até há cerca de 4 anos atrás. Só nos últimos tempos, o Sudão do Sul tem tido uma situação de paz, muitas vezes aparente e com conflitos que podem emergir a qualquer momento. 

Durante a guerra, o Sudão do Sul foi abastecido por armas pela Etiópia que viu no país uma oportunidade para derrubar os árabes e muçulmanos do Sudão e assim ter uma posição geopolítica cimeira no corno de África. O Sudão do Sul é um país de maioria cristã.

As armas etíopes estão espalhadas por todo o país e até as crianças as transportam e usam diariamente. Desarmar o Sudão do Sul há de ser uma das prioridades da ONU, se objectivo for atingir a paz. 

A par com a forte presença de kalashnikov no território do Sudão do Sul, que deve ser uma das maiores per capita do mundo, aliada a uma corrupção endémica e a uma tensão latente entre tribos, clãs e etnias, são a receita perfeita para tudo descambar a qualquer momento. Foi isso que testemunhamos na última manhã no Sudão do Sul. 

Era o nosso último dia no Sudão do Sul e pedimos ao nosso guia que nos levasse ao mercado de gado da cidade, bem cedo, para fazermos um último vídeo. Quando lá chegámos ficamos no carro e ele foi tratar de reunir condições para podermos entrar. Pagámos a uns homens para nos deixarem filmar e, quando estávamos a fazer o vídeo, um deles começou a armar confusão e a expulsar-nos dali. Quando tentamos sair, tinham-nos fechado com um cadeado no recinto dos animais e não conseguíamos sair. 

Apareceram outros homens que nos abriram a porta e começaram a gritar, alegadamente acusando-nos de estar a violar as leis do Sudão do Sul e a gravar na cidade. O nosso guia começou a discutir com eles e os homens pegaram nele e colocaram-no fechado no exterior. Ficamos com o guia etíope que nos acompanhou toda a viagem. Ele tentava explicar, amenizar a situação, mas os homens gritavam e estavam empenhados em criar-nos um problema. O nosso voo saia de Juba para a Etiópia dentro de duas horas e nós estávamos fechados no mercado de gado por, alegadamente, membros de segurança governamentais que queriam dinheiro para nos deixar sair. Tivemos de pagar, claro, para podermos sair, não sem antes perceber a teia da corrupção e assédio endémico no funcionamento do Sudão do Sul. 

Não foi a melhor forma de nos despedirmos do Sudão do Sul mas foi a possível, a crua e a real. No aeroporto testemunhamos o caos que se vive, desde a entrada à saída, especialmente na selva urbana de Juba. Mas o Sudão do Sul é muito mais do que isso. São as suas gentes, as suas tradições e os seus modos de vida ancestrais. 

O país mais pobre e jovem do mundo ainda está a crescer, a cometer muitos erros. São as dores do crescimento, que em África deixam feridas mais profundas e duras, mas que um dia, esperamos, deem os frutos que esta gente do Sudão do Sul merece. Porque um país só poderá realmente crescer de forma sustentável se tiver paz, o único ingrediente indispensável à vida. 

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