VIAJAR NA SOMÁLIA – Como foi visitar Mogadíscio

VIAJAR NA SOMÁLIA - Como foi visitar Mogadíscio

Viajar na Somália é tudo menos pacífico, quer em termos de decisão, como de movimentação no terreno. Estávamos no início de 2024 e uma janela de oportunidade parecia dar-nos a possibilidade de visitar Mogadíscio, na Somália, e assim entrar num dos países mais instáveis do mundo. Arriscamos. Embarcamos com destino à Somália e a Mogadíscio. Estas são as crónicas da nossa viagem na Somália.

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Se procura um guia em pdf, prático e sintético, para viajar para a Somália, Somalilândia e Djibouti, este é o melhor que vai encontrar em português para levar consigo na sua viagem. A Grande Somália é a maior região do Corno de África e é uma zona maravilhosa para quem procura África tradicional e a cultura somali, com aldeias típicas, ruínas misteriosas e um quotidiano nada tocado pelo turismo, mas também tem sol e mar, com algumas belas praias, e vai encontrar neste guia todas as dicas que necessita para aproveitar o melhor da região. Um guia de viagem com a qualidade do Viajar entre Viagens. Estas páginas vão dar-lhe condições para viajar da Somália de forma independente.

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BEM-VINDOS À SOMÁLIA  

Uma semana depois de regressar da Andaluzia, rumámos ao chamado Corno de África; o nosso destino era a Somália. Chegar à Somália não seria fácil, como também não foi lá estar. 

Decidimos visitar o Corno de África, região da África Oriental ocupada por Etiópia, Somália, e Djibouti. Não teríamos temos de ver todos estes países, por isso, focamos a nossa atenção nos últimos dois. Esta foi uma decisão de última hora e tivemos apenas três loucas semanas para preparar a viagem. Perdemos imenso tempo a tentar estabelecer comunicações e relações com empresas locais e só conseguimos no confirmar a viagem 6 dias antes da data de saída de Portugal. 

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Comprámos os voos à última da hora, tratámos de permissões de entrada, vistos e programas nos dias antes de voarmos. No dia da saída, descobrimos que a carta convite do Rui para entrar na Somália tinha um erro no número do passaporte e isso quase deitou por terra a nossa viagem. Conseguimos substituir uma hora antes de sair de casa. Estávamos prontos para embarcar. 

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Porém, o destino tinha outros planos. O nosso voo de saída do Porto rumo a Frankfurt atrasou uma hora e, com apenas uma hora e meia de escala em Frankfurt, vimos as nossas esperanças de chegar à Somália quase ruir. Mais uma vez! 

Conseguimos chegar a Frankfurt, correr entre terminais e embarcar no momento em que a porta do voo que nos levaria para Adis Abeba estava mesmo a fechar. Safou-nos o facto de viajarmos praticamente sem bagagem. Na Etiópia a escala foi pequena e 24 horas depois de sairmos de Portugal aterrávamos em Mogadiscio, a capital da Somália e que ostenta a fama de uma das cidades mais perigosas do mundo. 

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Infelizmente a Somália ainda está muito longe de ser um país seguro e a tensão sente-se a todo o instante. Porém, Mogadiscio tem assistido nos últimos anos, devido a um esforço conjunto de várias organizações, a um aumento de segurança cada vez maior. Nós sabemos que esta pausa de paz aparente pode ser temporária, por isso, decidimos embarcar nesta aventura, que muitos concordarão tem uma dose de loucura um tanto ou quanto superior às nossas anteriores.

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Quando aterrámos em Mogadiscio estávamos preparados para muita coisa, mas as coisas nunca são exactamente como nós pensamos ou prevemos, não é? 

O passaporte da Carla tinha apenas três páginas em branco e os oficiais não a queriam deixar entrar. O nosso contacto local teve de entrar e ajudar a resolver a situação. Mais uma pedra ultrapassada, entramos finalmente no país. 

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MOGADÍSCIO E O AL SHABAAB

Mogadíscio ficará para a história como uma das cidades mais perigosas do mundo. Foi ali que em 1991, 16 militares do exército norte americano foram capturados pelos rebeldes radicais, mortos e arrastados pelas ruas da cidade. As imagens correriam o mundo e Mogadíscio ainda vive no rescaldo desses acontecimentos. Muito aconteceu deste então. O governo da Somália caiu, o país foi assolado por uma guerra civil com dois grupos rivais, o país foi armado, e as populações degladiaram-se até à morte. O fundamentalismo islâmico viu uma oportunidade de entrar no país e um grupo Jihadista designado Al Shabab tomou conta de quase todo o país. Tentou implementar a lei Sharia, uma lei islâmica que interpreta à letra o Corão, extremamente repressiva e castradora das liberdades individuais e colectivas dos povos. 

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O Al Shabab controlou o país nos últimos anos e o governo da Somália não controla muito mais do que a capital, Mogadíscio. A Somália é um dos maiores Estados falhados do mundo, e viver ali é estar na linha da frente do perigo, como se a vida estivesse sempre ligada à máquina. 

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Visitar o país não é seguro, muito menos viajar entre diferentes cidades ou regiões, mas Mogadíscio tem assistido nos últimos anos a um recuperar lento mas, aparentemente, estável da sua segurança. As missões da ONU estão por todo o lado e aviões e helicópteros das Nações Unidas povoam o aeroporto em movimentos constantes.  

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Apesar do Al Shabab, grupo fundamentalista islâmico, não controlar a cidade de Mogadiscio, a sociedade somali é islâmica conservadora. O uso do hijab (lenço) é obrigatório e as mulheres devem vestir com muita descrição. 

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Depois de sair do aeroporto a primeira paragem foi o hotel, para mudar de roupa e usar o código de vestimenta imposto. Quando descemos, a Carla já completamente coberta, recebe um elogio rasgado do nosso guia “agora sim, está muito bonita”. 

Depois de um almoço, fomos explorar parte da cidade de Mogadíscio, visitando a catedral italiana da cidade, completamente destruída pela guerra, num bairro igualmente fustigado por trocas de tiros e bombardeamentos. 

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A tarde foi passada na praia do Lido, a mais popular de Mogadíscio, completamente cheia de pessoas pois era sexta feira. Milhares de homens de mulheres tomavam banho e relaxavam nas águas quentes do Índico, porém completamente vestidos. Cobrem os cabelos com areia e também a esfregam no corpo. A maioria não sabe nadar e usa coletes, deixando a praia num cenário alucinante que faz lembrar o desembarque de pessoas resgatados de um navio que naufragou no mar. 

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Mogadíscio recebeu-nos ainda com muitos sorrisos e muita curiosidade. As pessoas aproximam-se para nos verem, querem saber de onde vimos e porque estamos ali. No parque da cidade, ao final do dia, provamos os doces tradicionais e deliciamo-nos com os sorrisos e simplicidade da vida. Tudo ali parece simples e não tão diferente do “nosso mundo”. Mas é! Mogadíscio ainda vive uma paz aparente e o perigo espreita a qualquer instante. 

NOS BAIRROS TRADICIONAIS DE PESCADORES DE MOGADÍSCIO 

A capital da Somália é um dos territórios mais complexos do mundo, já que concentra um cem número de problemas, interesses e vontades. O nosso dia começou depois da hora da oração, e fomos em direcção a um dos bairros históricos da cidade. Vamos acompanhados por dois militares armados de kalashnikov que seguem os nossos passos, um atrás outro à frente. Em determinadas zonas do bairro levamos ainda um outro militar ou um agente dos serviços secretos. Um aparato que não nos deixa passar despercebidos, ainda que a nossa cor por si só também não permitiria. 

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Mogadíscio é uma cidade voltada para o mar e muitos dos homens deste bairro são pescadores. Saem de madrugada para navegarem para cerca de 15 km da costa, pescarem atum e tubarão, e regressarem ao porto. O farol construído pelos italianos que durante décadas foi a imagem de marca da cidade ruiu há três meses. Os pescadores regressam do mar pelas 10h da manhã, desfilando os atuns gigantescos desde os barcos até ao mercado do peixe. Há peixes que pesam mais de 50 kg, outros mais ainda. Os tubarões vêm sem cabeça, estas foram cortadas e atiradas fora do barco em alto mar. A sua carne destina-se a fazer samosas, já que é considerado peixe de pior qualidade. O atum, depois de leiloado, vai seguir para restaurantes, hotéis e supermercados da cidade. 

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Explorámos o interior do barro antigo, movendo-nos por entre ruelas estreitas, cheias de gente e de vida. O bairro está parcialmente destruído mas serve de casa a muitas populações. Quando chegámos à velha mesquita a madrassa (escola corânica) estava a funcionar. Entramos, para ver meninos e meninas a aprender usando o Corão. Contudo, alguém da Mesquita não gostou de ter não muçulmanos lá dentro e um grupo de homens veio arranjar confusão. Saímos, pedimos desculpa e continuamos. 

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Visitar Mogadíscio é mesmo assim, um conflito de interesses também em muitos locais. Se por um lado nós fazem sentir bem e são muito simpáticos, por outro gritam connosco e exaltam-se porque tiramos fotos ou fizemos algo de errado. Visitar Mogadiscio é como caminhar num campo minado, pois nunca sabemos quando vai explodir. 

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Não é fácil movermo-nos na cidade, nem tão pouco estabelecer relações com os locais. Sempre que somos rodeados por pessoas curiosas, o nosso guia aproxima-se e dispersa as pessoas e temos de seguir. Estar no meio de muitas pessoas é um risco acrescido e ele sabe que as coisas podem correr mal. Nós seguimos instruções. Não é fácil apreciar um lugar ou a cultura de um país assim. Mas é o possível. Infelizmente, a situação política da Somália ainda não permite mais do que isto e, por isso, foi assim que conseguimos aprender um bocadinho mais sobre este país do corno de África. 

DA SOMÁLIA AO FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO

Ontem terminámos o dia no mercado, comigo a comprar um hijab tradicional somali e o nosso guia a reforçar “agora estás ainda mais bonita”. Eu diria “agora” já nem as sobrancelhas quase se vêem! Felizmente, estas endomentárias para mim são provisórias, mas para a maioria destas mulheres são para a vida. Uma sensação estranha mesmo para mim que sei que o menor dos problemas destas mulheres é o hijab. 

O hijab é o símbolo que o mundo ocidental escolheu para combater a desigualdade de género no mundo árabe. Mas ironia da vida, o hijab é o menor dos problemas destas mulheres. Os problemas são tudo o resto, não no mundo islâmico em geral, mas no fundamentalismo islâmico em particular. Contudo, o mundo ocidental trata as suas gentes de forma cada vez mais básica e estereotipada e conseguiu canalizar para o hijab todos os males da discriminação da mulher. O fenómeno, infelizmente, é muito mais complexo. 

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O uso do hijab na esmagadora maioria dos países islâmicos é uma opção, da mulher e/ou da família, e não muito diferente da opção que a minha avó tinha de usar lenço negro na igreja ou de vestir negro para a vida, em Portugal, nas décadas de 50 e 60. Mas, em alguns países ou regiões, o islão é mais conservador, sendo praticamente obrigatório o uso do hijab. Senti  isso na pele nos desertos do Egipto ou aqui na Somália. Noutros, onde existe a lei sharia é mesmo obrigatório, como é o caso do Irão. 

Países como o Iraque, Síria, Paquistão ou Bangladesh, tantas vezes diabolisados na comunicação social do nosso “mundo” são muito menos conservadores, ou sequer islâmicos, do que a Somália. A Somália não tem diversidade religiosa. Ou se é muçulmano ou não… e o não, na realidade, não é opção. 

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Viajar no mundo islâmico é algo que, enquanto mulher, não me deixa desconfortável. Nunca me deixou. Não sinto desrespeito, nem, na maioria das vezes, discriminação. Mas viajar em territórios muito conservadores e fundamentalistas deixa-me desconfortável. São duas coisas diferentes, embora a maioria das pessoas pense que é a mesma. 

Percebo a tendência que o mundo tem para generalizar estas coisas, mas não são a mesma.  Os estereótipos que criamos do mundo islâmico é baseado nas sociedades conservadores e, muitas vezes, até nas fundamentalistas. Infelizmente a capacidade de análise dos povos ocidentais é cada vez menor e, isso é o preço a pagar pelo desinvestimento na educação e na cultura, assim como o redirecionar do turismo para destinos “amigáveis”. Estas realidades estão cada vez mais distantes e mais longe daquilo que sabemos. 

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É uma pena que nós europeus nos tenhamos distanciado tanto do resto do mundo, quer no que toca à valorização cultural como ao humanismo com que os olhamos. Em vez de olharmos para aquilo que temos em comum, o mundo está mais interessado em valorizar aquilo que nos distingue. Ainda não perceberam que somos todos o mesmo, independentemente da cor, do género ou da religião. 

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Carla Mota

Geógrafa com uma enorme paixão pelas viagens e pelo mundo. Desde muito cedo que as viagens de exploração fazem parte da sua vida. A busca do conhecimento do mundo leva-a em direcção a culturas perdidas e ameaçadas, tentando percebe-las. Hoje é também líder de viagens de aventura na Nomad.

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2 Comentários

  1. Rogério C S Almeida diz: Responder

    Fascinante este relato! Obrigado por compartilhá-lo. Sou do Brasil, já fui a alguns países da Europa, e se pudesse eu passaria anos a viajar por todos os continentes. Como não posso, resta-me ler relatos como o vosso.

  2. M. Céu Fialho diz: Responder

    Que fotos espectaculares!
    E que coragem, bravo!
    Abraço

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