Costumamos dizer, em tom de brincadeira, que África só começa a sul do Sahara. Embora geograficamente falando isto seja mentira, a verdade é que a África negra nada tem que ver com o Magrebe ou sequer com o nordeste africano. Chegar a esta África negra não foi difícil, mas entrar, teve claramente os seus momentos.

Quando o avião aterrou no aeroporto de Dakar pouco passava das 21 horas e a noite já estava bem cerrada. Entramos numa espécie de hangar onde centenas de estrangeiros, negros e brancos, esperavam por um carimbo no passaporte e um visto de entrada. Pusemos logo as mãos à cabeça e preparamo-nos para um autêntico combate de boxe. Eu esquecera-se do boletim de vacinas internacional (dahhhh) e os nossos vistos biométricos (tirados dias antes online) não tinham sido confirmados pela embaixada. Assim, a nossa entrada estava em aberto. Após uma hora de fila, em que descobrimos que os negros “papam” os brancos na arte de “dar o golpe”, chegamos ao primeiro guiché. Sem grandes problemas e depois de um sorriso rasgado para a webcam saiu um carimbo de entrada. Mas não se ficou por aqui. No segundo round, quase meia hora de fila depois, novo sorriso para outra webcam e sai um visto de entrada com fotografia personalizada. Lindo, a justificar os 50€ que pagamos pelo visto!

Mas, como qualquer combate de boxe que se preze, também nós fomos ao terceiro round. Num outro hangar, havia uma passadeira mecânica onde as bagagens se amontoavam e caíam. Todos os voos que chegaram nessa noite estavam a ser descarregados ao mesmo tempo e alguns funcionários tiravam as malas para o chão de forma a poderem colocar outras. Mais uma hora de volta das bagagens e eis que surgem as nossas mochilas, como que aparecidas de entre as brumas.
Munidos de tudo, saímos do aeroporto para nos encontrarmos com o rapaz do
hostel que nos ficou de apanhar aqui. Lá estava ele, super simpático no meio da multidão. Esperamos alguns minutos por uma rapariga italiana que trabalha numa ONG e que vai connosco para o hostel. Entre o levantar dinheiro no multibanco do aeroporto (que não funciona) e um cambio, a mochila do Rui “abriu-se” para África e presenteamos algum senegalês com um frontal da Petzl e um telemóvel e carregador comprado na Turquia. Pelo menos, o larápio foi bem servido.
A nossa passagem por Dakar foi bastante efémera. Chegamos ao
hostel na praia N’Gor já passava da meia-noite e saímos de manhã pelas 6.30h. Dakar ficaria para o final desta aventura. Queríamos começar por conhecer o resto do país, as aldeias, a vida fora das grandes cidades e as paisagens naturais.
Sendo assim, apanhamos um sept-place às 7h da manhã para Tambacounda, uma cidade a 500 km a sul de Dakar, e a nossa primeira paragem no Senegal. A viagem por si só já foi uma aventura. Durante 8 horas viajamos numa carrinha de 7 pessoas mas, efectivamente, éramos 10 lá dentro (mais algumas bagagens). Com apenas uma paragem para aliviar a bexiga (por sinal bastante higiénica, dentro dos padrões africanos, claro) a viagem foi bastante dura. Os músculos das pernas deixaram de se sentir, as costas (meu Deus, será que tenho costas?) pareciam flageladas pelos sacos atrás e os ombros não cabiam no espaço destinado. Tivemos a sorte (estou a ser cínica) de ficar sentados nos bancos traseiros (para duas pessoas, mas onde íamos quatro) e sempre que passávamos por um buraco saltávamos o dobro dos restantes ocupantes da viatura. A tal ponto que senti desenvolver na minha cabeça um hematoma e uma pequena ferida. Nada que o tempo não cure.

Eram 15.30h quando chegamos a Tambacounda. Sentir os pés a tocar a terra foi uma bênção. O formigueiro nas pernas era tal que foi como se voltasse a aprender a andar, perdendo as forças nos primeiros passos. Alojamo-nos num
hotel com algumas cubatas e saímos logo para explorar Tambacounda. Estava nublado e nós queríamos ainda visitar o mercado local de Tambacounda e tratar do
tour para o
parque Niokolo Koba, no dia seguinte.

Apesar do pouco tempo que passamos em Tamba (nome carinhoso que os habitantes locais atribuem a Tambacounda), gostamos bastante da cidade. Tambacounda é uma cidade com algum dinamismo porque fica na estrada que faz a ligação ao Mali e à Guiné Konacri. É por aqui que passa o comboio que liga Dakar a Bamako (embora não esteja a funcionar normalmente) e também é por aqui que entram e saem os camiões carregados de víveres para o Mali. Ao contrário da pequena experiência que tivemos em Dakar, sentimo-nos bastante seguros em Tambacounda, quer no mercado, quer nas ruas dos bairros residenciais e poeirentos da cidade ou nas avenidas mais largas. A população é afável e sorridente. Mas a sua principal característica é a beleza. Os senegaleses, quer homens quer mulheres, são belos e esculturais. Parecem desenhados numa forma e moldados por medida. Exibem um sorriso completamente branco e límpido que contrasta com a sua pela negra, extremamente escura, mas luzidia.

Só estávamos há 24 horas no Senegal, mas, quando fizemos o balanço do nosso primeiro dia em Tambacounda, concluímos que tinha sido um bom baptismo na África negra.