ROTEIRO NA ILHA DO PRÍNCIPE – Entre roças e praias

ROTEIRO NA ILHA DO PRÍNCIPE - Entre roças e praias

A ilha do Príncipe é uma espécie de pérola em bruto no oceano Atlântico. Com uma população de cerca de 7 mil habitantes, esta é uma das regiões menos povoadas de África. Para quem visita a ilha do Príncipe, fica a sensação que nem parece África, pois o contacto com a população local é reduzido e a falta de pressão demográfica na ilha é notória. Se por um lado isso se traduz numa menor carga cultural na ilha do Príncipe, a vantagem é que as praias estão quase desertas, viajar é fácil e a simpatia das suas gentes deixa-nos maravilhados. A ilha do Príncipe tem praias maravilhosas, daquelas de encher o olho, mas antes de viajar para o Príncipe, informe-se bem sobre a ilha e tente fazer um turismo sustentável e responsável.

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COMO CHEGAR À ILHA DO PRÍNCIPE 

Depois de passar o dia anterior na ilha de São Tomé, entre roças e cascatas, completamente encharcados pelas chuvas da parte central da ilha, chegava o dia de voar para o Príncipe

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O nosso voo para a ilha do Príncipe devia sair de manhã bem cedo mas uma tempestade equatorial abateu-se sobre as ilhas, tanto do Príncipe como de São Tomé. A chuva à hora do voo para a ilha do Príncipe era tanta que parecia um dilúvio. O voo para a ilha do Príncipe foi adiado sem data ou hora prevista. Estava dependente da melhoria do tempo nas duas ilhas. Ficamos sentados toda a manhã no chão do aeroporto, aproveitando para pôr trabalho em dia, mas por volta das 14h tivemos avalo para voar.

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Quando chegamos ao Príncipe já era final da tarde, alojamo-nos numa guesthouse local no centro da cidade principal. O dono era um doce, a empregada quase nos matava com o olhar. Seríamos os únicos brancos ali nos dias seguintes. Os outros brancos deviam estar todos nos resorts internacionais da ilha.

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Depois de almoçar num boteco local, apanhámos duas moto-taxis para ver o pôr do sol num dos miradouros da ilha do Príncipe. O sol estava muito envergonhado mas ainda assim as vistas eram fantásticas. 

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Para terminar o dia em beleza, um dos miradouros onde fomos partiu quando lá estávamos e caímos os dois, um ou dois metros no chão abaixo. Na altura não nos sentimos feridos mas nessa noite descobrimos que as nódoas negras que temos não são de todo normais. No dia seguinte, quando fomos à farmácia local, a menina deve ter pensado que nos agredíamos mutuamente porque disse ela: “essas marcas parecem recorrentes”! 

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A nossa introdução à ilha do Príncipe foi assim, cheia de glamour, com um tempo radioso e um resort de 5 estrelas. Claro que os três anteriores são pura ficção. A realidade foi muito melhor. Chegamos à ilha e sentimo-lo como ele é, sem glamour, cru, e cheio de gente dura mas maravilhosa, como só África consegue ter. Venha lá o Príncipe! 

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ENCANTADOS COM AS PRAIAS DO PRÍNCIPE

São praias, Senhor! E são todas para nós! É assim a ilha do Príncipe. 

A ilha do Príncipe é um pequeno reduto no Atlântico, uma espécie de jangada de pedra, como Saramago idealizou a península Ibérica. Uma ilha que parece que parou no tempo, para o bem e para o mal. 

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O tempo parou na ilha do Príncipe. A ilha tem pouco mais de 7 mil habitantes e os poucos visitantes que chegam à ilha pouco se notam. A maioria fica alojado nos dois resorts da ilha (de estrangeiros que praticamente controlam a economia local), onde uma noite pode custar mais de mil euros. Vêm para ver e usufruir das belas praias da ilha do Príncipe. 

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E as praias da ilha do Príncipe são realmente belas. As praias do Príncipe figurarão, certamente, entre as mais belas do Atlântico. Mas, é possível usufruir das praias do Príncipe sem ter de sacrificar o turismo responsável e sustentável. 

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As praias do Príncipe são, na esmagadora maioria, públicas. Mas serão até quando? Hoje, é possível alugar um barco aos pescadores e percorrer as mais belas praias da ilha do Príncipe, exceptuando duas que já pertencem aos resorts. Todas as outras são dos santomenses e de todos os que amam e respeitam a natureza. 

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As praias do Príncipe são uma jóia em bruto. Praias de areia dourada, numa ilha negra vulcânica e coberta de uma vegetação exuberante. A cor da areia resulta dos recifes de coral ao largo, criando uma ilha verdadeiramente mágica e única. 

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Na ilha do Príncipe, a vegetação estende-se desde o topo dos picos até à praia, como que cobrindo de verde uma ilha à deriva no Atlântico. É aí que aparecem as praias do Príncipe. São as varadas desta ilha do Príncipe. As varandas do Príncipe viradas para o Atlântico. 

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ENTRE AS ROÇAS E PRAIAS DA ILHA DO PRÍNCIPE

O dia de hoje foi dedicado a conhecer a história da ilha do Príncipe, uma ilha tão pequena que a história quase se confunde com a de São Tomé. Povoada por escravos africanos que viviam nas sanzalas, o Príncipe pouco mudou desde esses tempos. A escravatura acabou mas o modelo de trabalho continua semelhante na ilha. As populações passaram de escravos a servos, e continuaram a viver nas sanzalas. Deixaram de trabalhar de graça, mas passaram a trabalhar para pagar a renda da sanzala e o prato da comida…

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A escravatura terminou há mais de 100 anos, mas os descendentes dos escravos continuam a viver nas mesmas sanzalas, com as mesmas dificuldades, limitações e ausência de liberdades. 

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A pobreza é uma armadilha. Perpetua um sistema de servidão, salários baixos, ausência de direitos e muita iliteracia. Sem educação não há elevador social e a pobreza limita o acesso a essa educação. Os pais precisam das crianças a trabalhar muito novas, o que as afasta das escolas. Quanto mais braços de trabalho, mais dinheiro entra em casa. 

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Sem o trabalho das crianças, o dinheiro não chega. Com o trabalho delas, os salários dos adultos jamais subirão. A pobreza alimenta uma armadilha. A armadilha do subdesenvolvimento. 

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É assim desde o tempo que estes povos deixaram terras de África e entraram num barco de comércio negreiro de escravos. A subordinação, subserviência e a dependência de ajuda tem séculos nestas terras da ilha. Cortar as amarras de ferro da escravatura é muito difícil. Leva décadas, talvez séculos. 

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A nossa visita às roças da ilha do Príncipe divide-se com a visita a três edifícios emblemáticos nestas grandes plantações, a casa do patrão, as sanzalas e os hospitais. 

A maioria das casas dos patrões estão decrépidas, em ruínas. Vão ruindo… Ninguém ousa sequer sair da sanzala para viver na casa dos patrões, agora abandonadas. A escravatura sente-se ainda na forma de pensar. O patrão já não existe na ilha do Príncipe, mas a sua autoridade moral habita a roça. 

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Os hospitais da ilha do Príncipe, esses são para inglês ver! Construídos pelos portugueses para mostrar aos ingleses que os trabalhadores das roças tinham condições e não eram escravos, e assim continuar a abastecer o mercado inglês de cacau e café. Enganaram, na época, os ingleses e os portugueses da metrópole. Ainda enganam alguns dos visitantes mais distraídos na ilha do Príncipe. 

Os hospitais quase nunca funcionaram, não tinham sequer equipamento ou funcionários. Era tudo para “inglês ver”! 

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Tal como outrora, restam vivas as sanzalas na ilha. As mesmas que albergavam os escravos, os servos e, agora em teoria, os homens livres. O que aqui choca tanto, é que hoje estes povos não são mais escravos de papel passado, mas vivem na ilha do Príncipe como se fossem. Podem correr livremente pela ilha do Príncipe, em teoria até sair, mas não são capazes. Não há estradas, a maioria não sabe sequer ler ou escrever, e não há dinheiro para partir… 

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E mesmo numa ilha repleta de praias idílicas, algumas delas albergam as ruínas dos edifícios que determinaram o que esta ilha é hoje. Maria Correia, um nome que todos na ilha do Príncipe conhecem. Foi a mulher que negociou o seu povo, que comprou e vendeu a sua gente, num edifício que hoje jaz em ruínas numa praia na ilha. 

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O Príncipe é assim. É o resultado de uma história que determina ainda hoje a forma como se sobrevive numa ilha esquecida por todos, e que parou no tempo…

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DE MOTA PELA ILHA

A ilha do Príncipe deixou-nos um misto de sentimentos. Se nos conseguirmos abstrair da forma como vivem as suas populações, e da nossa responsabilidade nisso, é um pedaço de paraíso. Se não conseguirmos, é mais difícil ver o tal paraíso no Príncipe. Nós não conseguimos. 

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As praias do Príncipe são incríveis, lindas e desertas. Mas nenhuma delas tem um único santomense a usufruir da sua ilha. E isso chocou-nos. Para entrar nas roças convertidas ao turismo é preciso ter a cor da pele certa e ser turista, já que é preciso fazer um registo de entrada e ter autorização. 

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No último dia na ilha do Príncipe andamos com dois rapazes de mota e eles levaram-nos às roças mais remotas da ilha. Fomos ver as paisagens idílicas, as histórias esquecidas, a pobreza envergonhada, a simpatia e hospitalidade das suas gentes. Fomos ver e ser vistos na ilha. Ver um Príncipe ainda mais esquecido.

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Privamos com pescadores, brincamos com crianças nas sanzalas, dividimos frutos desconhecidos com estranhos, rimos com mulheres e crianças na ilha do Príncipe. 

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Se para muitos o Príncipe é o paraíso, nós não o conseguimos ver assim. O Príncipe é muito mais do que belas praias. O Príncipe é uma história de sobrevivência a ser travada nos dias de hoje. Uma história dura e difícil. A ilha do Príncipe é um grito de esperança que ecoa no Atlântico mas que não é escutado. 

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O Príncipe foi um misto de emoções. Ainda estamos a digerir, mas não conseguimos chamar de paraíso ao conjunto de tudo o que vimos e vivemos ali. O paraíso não é assim. No paraíso já justiça social, ali, na ilha do Príncipe, não há. Mas há praias verdadeiramente fabulosas e completamente desertas.

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Carla Mota

Geógrafa com uma enorme paixão pelas viagens e pelo mundo. Desde muito cedo que as viagens de exploração fazem parte da sua vida. A busca do conhecimento do mundo leva-a em direcção a culturas perdidas e ameaçadas, tentando percebe-las. Hoje é também líder de viagens de aventura na Nomad.

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