Sim, nas viagens também há dias de merda. A ideia romântica das viagens é verdadeira e, no nosso caso, corresponde à maioria dos dias, mas, numa viagem como o Rally Mongol, com muitos quilómetros para fazer, há dias difíceis de digerir para um viajante. Hoje foi um desses dias.
Os últimos dias do Rally Mongol no Cazaquistão já não tinham sido fáceis. Muita estrada, aliás praticamente só estrada, sem tempo para parar, para tirar fotografias, para apreciar, para sentir e acima de tudo para conhecer. Hoje foi mais um desses dias.
Para um viajante, especialmente para mim, viajar é muito diferente de “mover-se” e numa viagem com mais de 20 mil km é difícil arranjar um equilíbrio entre as duas coisas. Estamos dentro da Burra todo o dia, de manhã à noite, às vezes 12 horas. Somos todos adultos e percebemos claramente o quanto a dinâmica do grupo é importante para mantermos a sanidade mental. Fazemos jogos, perguntas pessoais, inventamos inclusive uma versão do Trivial Pursuit, debatemos temas de geopolítica, opinamos sobre literatura, cinema, música, etc. Mas mesmo assim, custa.
O grupo do Rally Mongol tem funcionado bem, embora sejamos todos muito diferentes. No início da viagem resolvemos inspirar-nos na séria “Casa de Papel” e atribuir o nome de uma cidade a cada um de nós. Cidades que tivessem a ver com a nossa personalidade e que definissem um pouco o que somos. O nome foi atribuído por outro dos elementos dos Carapaus. O resultado foi este:
– Ushuaia (talvez porque sou capaz de ir até ao fim do mundo e voltar) – Carla
– Varsóvia (alguém que tem dificuldade em ser percebido e em perceber-se, sendo que a sua história não é fácil) – Rui
– Amesterdão (o nosso party boy, embora até ao momento só tenha fama) – Agostinho
– Oslo (o conciliador da equipa, capaz de ter sangue frio mesmo quando todos os outros já se estão a espumar) – José
– Baghdad (aquele que explode com bastante frequência, ferve em pouca água e é mais pirotécnico) – Eduardo
Apesar dos dias no Rally Mongol serem passados na Burrinha, ela é o sexto elemento desta equipa, até aqui tínhamos quase sempre tempo para parar, tirar fotos ou visitar algo. Mas nos últimos dias isso quase não tem acontecido. Isso torna o acto de viajar, pelo menos para mim, inexistente. Sinto-me percorrer quilómetros, andar no espaço, mas ao mesmo tempo não sair do sítio. Atravessei o Cazaquistão e não o senti. Não senti que tivesse estado lá. É estranho.
Hoje, saímos de Rubtsovsk, na Rússia, de manhã. Perdemos imenso tempo na cidade para conseguir trocar dinheiro cazaque por rublos. Isso atrasou-nos. Para conseguirmos manter a planificação fomos obrigados a conduzir o resto do dia, praticamente sem parar. Para me deitar ainda mais a baixo, parámos para almoçar num shopping em Barnaul. Detesto shoppings e comidas fastfood. São a forma perfeita de me atirar para tudo o que para mim simboliza o oposto de viajar. Pizzas, hamburguers, batatas fritas, refrigerantes… deprimem os meus dias de viajante. Gastar o meu dinheiro em cadeias multinacionais é tudo menos sustentável. Faço questão de dinamizar a economia local e ter um impacto positivo com as minhas viagens. Hoje isso não aconteceu. Tentei manter-me animada mas a verdade é que não consegui.
Seguimos viagem da parte da tarde. Nem uma paragem, nem uma fotografia, nem um contacto humano com um habitante local. Sinto-me dentro de uma bolha. Uma bolha que me acolhe tão bem como o feto de uma mãe, mas uma bolha super-protectora que me isola do resto do mundo. Um mundo que vejo desfilar lá fora. Um mundo que espreita pela janela da Burra mas que não consegue entrar, nem para onde eu consigo sair. Um mundo tão belo que decidi há muito que o iria conhecer. Esse mundo desfila lá fora e eu, cá dentro, não o consigo “ver”. Sinto-me muito frustrada.
Já estava a escurecer quando entrámos no Altai, a parte das montanhas russas. Arranjámos um hotel na margem do rio, onde fomos recebidos por uma russa dura e austera. O dia estava mesmo a correr bem!
Saímos para jantar no café por baixo do hotel. Outra russa, que nos distratou em russo, com muita rudeza e agressividade quando perguntámos o que havia para comer. Decidimos sair imediatamente, mesmo o Oslo, que costuma manter a calma. Felizmente, logo ao lado havia um mini-mercado, onde comprámos massas chinesas, vodka e vinho. Regressámos ao hotel, juntámo-nos à volta de uma mesa e comemos e bebemos. Sim, o dia tinha sido uma merda, mas a cama do hotel era maravilhosa, o duche fantástico e a vodka alegrou a malta. Amanhã é outro dia e, esperemos, melhores dias virão.
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Estou curioso sobre a nova versão do Trivial Pursuit…
ehehhehe 😀