Além dos desertos, o principal obstáculo a ultrapassar na antiga Rota da Seda era atravessar as cordilheiras que separam a Ásia Central do subcontinente indiano e da imensa extensão plana do deserto de Taklamakan (na actual China). Entre elas contam-se as cordilheiras de Tian Shan, Pamir, Hindu Kush e Karakorum, todas elas com picos acima dos 7000 m. Para o conseguir, os antigos viajantes usavam passos de montanha (isto é, zonas de colo entre montanhas, ligando vales adjacentes) para evitar as zonas mais altas, com as suas temperaturas negativas, neve abundante e terreno traiçoeiro e difícil. Era hora de atravessar o PASSO DE TORUGART!
Ainda hoje estes passos têm uma aura quase mística entre os locais e os aventureiros, continuando a ser essenciais no fluxo de mercadorias e pessoas entre países desta zona. Quem já não ouviu falar no passo de Khyber, entre o Afeganistão e o Paquistão? Na verdade, as estradas que hoje atravessam os passos foram, na sua maioria, construídas seguindo o traçado das antigas rotas de caravanas.
São 3 os passos mais importantes que ligam a China aos seus vizinhos: os de Torugart e Irkeshtam (com o Quirguistão) e o de Khunjerab (com o Paquistão). O nosso percurso delineado no Quirguistão apontava como melhor opção o passo de Torugart, que sabíamos caro e moroso, mas a alternativa implicava percorrer de volta a oeste quase todo o Quirguistão.
Sendo assim, tratamos dos pormenores (por mail) com o CBT de Naryn que, por sua vez, arranjou o transporte do lado chinês com uma agência chinesa. A fronteira do passo de Torugart é oficialmente apenas aberta a tráfego local, logo os turistas têm de pagar (e bem!) para a atravessar, não o podendo fazer por conta própria (por exemplo, apanhando um autocarro de Naryn para Kashgar). Contas feitas, permissões de fronteira, transporte e guias, 100 USD para o lado do Quirguistão e 300 USD para o lado chinês!
Partimos de manhã bem cedo de Tash Rabat para os últimos 150 km que nos separavam da fronteira. A estrada asfaltada rapidamente se transforma numa em construção a decorrer, com camiões e máquinas em vias alternativas. O tempo estava nublado mas no horizonte viam-se as montanhas que o passo de Torugart nos permitia ultrapassar. Mais perto da cordilheira, a estrada inflecte e segue na mesma direcção das montanhas, como que tentando descobrir um ponto por onde passar, sem ter de subir a cumes com mais de 5000 m.
Por esta altura, surge do lado esquerdo o lago Chatyr-Kol, com as suas águas azuis, e a paisagem torna-se ainda mais bonita. Conforme progredimos, as montanhas vão perdendo imponência e, quando a estrada começa a subir, a paisagem já não é tão impressionante. Na fronteira do lado quirguiz, as formalidades são rápidas e seguimos pela “terra de ninguém” até chegar ao ponto mais alto da estrada (3752 m) e onde se entra em território chinês. Aqui, a paisagem não é nada de especial e restava-nos esperar o transporte do lado chinês, combinado para as 11.00h.
Após quase 4 horas de espera em Torugart (preenchidas pela azáfama da passagem de camiões vazios para a China e o descarregar/carregar de camiões cheios vindos da China), o nosso transporte lá apareceu. “Nosso” é uma forma de dizer, pois não era um veículo todo-o-terreno, como combinado, mas sim um pequeno autocarro que tinha trazido para cima um grupo de turistas alpinistas. Mas o motorista tinha um papel com os nossos nomes, logo…
Despedimo-nos do nosso motorista quirguiz e um outro chinês mal-encarado (o nosso “guia”?) aponta-nos o autocarro. Pensei “Isto deve ser só o transporte até aos serviços de fronteira chineses, onde o nosso transporte estará à nossa espera.” Às vezes, sou tão ingénuo… Fomos sempre nesse autocarro, às vezes acompanhados por militares, mas quase sempre sozinhos, percorrendo uma longa e sinuosa estrada que acompanha o leito seco de um rio, numa paisagem seca e inóspita.
A dada altura, o nosso simpático “guia” pergunta num inglês indecifrável, pelo “paper” (“O papel? Qual papel?”). Ainda me assustei, pois a última cópia das nossas permissões de fronteira tinha ficado com o motorista quirguiz. De repente, o militar mais graduado manda para o autocarro, sai e faz paragem a um camião que vinha em sentido contrário. (“Queres ver que nos vão mandar de volta?”) O motorista do camião dá-lhe uns lenços de papel e ele dirige-se às pedras ao lado. Só aí se fez luz… Ah, esse papel (toilet paper)!
Atravessamos a alfândega chinesa (a 100 km do passo) sem problemas e o nosso motorista e “guia” ainda tiveram tempo para almoçar, enquanto nós esperávamos no autocarro… Finalmente, chegados a Kashgar, o “guia” saiu mais cedo com um “bye” e o motorista levou-nos a um hotel onde se encontrava o escritório da agência, onde desembolsamos os dólares pelo excelente serviço prestado!
Mas o que importava era que tínhamos atravessado as montanhas e o passo de Torugart, estávamos em território chinês e chegáramos a Kashgar, a cidade famosa pela encruzilhada de culturas chinesa e centro-asiática. O resto é papel!
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