Uma das coisas que eu e o Rui temos em comum é que ambos éramos fãs acérrimos dos filmes do “Regresso ao Futuro” dos anos 80. Depois de revermos (várias vezes) juntos a trilogia são muitas as frases dos filmes que usamos nas nossas “private jokes”. Esta foi mais uma dessas ocasiões. Fomos visitar o GLACIAR INYLCHEK!
A personagem principal desta nossa epopeia chama-se Kalashnikova, e é a “chefa” russa do Campo Base de Karkara, no vale fronteiriço entre o Cazaquistão e o Quirguistão. Esta localização exigiu que tirássemos uma permissão especial. Levantamo-nos às 2.45h da manhã para o que viria a ser um dos pontos altos da nossa viagem pelo Quirguistão: sobrevoar de helicóptero o glaciar Inylchek.
Depois de mais de 3 horas de viagem, no campo base de Karkara, a 2600 m de altitude, aguardamos a chegada dos primeiros alpinistas que desciam a montanha. Há 4 dias que os alpinistas estão isolados nos campos de altitude devido ao mau tempo. Hoje é o primeiro voo que o helicóptero faz nesta semana. Primeiro chegam cerca de 20 alpinistas do Campo Base do Inylchek Norte. Conversamos com um casal austríaco e um rapaz polaco. Estiveram 3 semanas para tentar alcançar o cume do Khan Tengri (7010 m) mas o vento e a neve não deram tréguas. Chegaram apenas aos 6400 m e estão no campo base há uma semana sem conseguir sair porque têm neve pela cintura.
O verão este ano tem sido bastante atípico no Quirguistão. As temperaturas estão muito mais baixas do que é normal e em Karakol, em pleno mês de Agosto, as temperaturas máximas raramente ultrapassam os 18ºC. Para a montanha, o tempo tem estado mau e são muitos os alpinistas que deixam o Quirguistão com os seus planos de cume logrados. Hoje, no entanto, o dia está muito bonito. O sol brilha no céu azul marcado pontualmente por nuvens brancas.
Com estas limitações, também nós sabíamos que o nosso voo para sobrevoar o glaciar estava condicionado. O segundo voo traz mais de uma dezena de alpinistas de outro campo base, assim como todo o material de expedição: tendas, alimentos, equipamento de comunicação, etc.
Eram 11.30h da manhã quando embarcamos no helicóptero russo a caminho do glaciar Inylchek. A dificuldade de comunicação, aliada às condicionantes atmosféricas dos dias anteriores, não nos permitia saber muito bem quanto tempo teríamos disponível no glaciar nem onde iríamos concretamente.
O voo segue pelo vale glaciar do Inylchek, um vale em U (de origem glaciar) cheio de moreias (formas de depósitos glaciares), planícies cobertas de ribeiros do degelo, blocos erráticos, formas glaciares de pormenor que tantas vezes estudei mas que nos Andes são tão difíceis de observar. Aqui, e visto do céu, esta paisagem é ainda mais admirável. De repente, termina o vale sem gelo e começa o glaciar Inylchek. É um glaciar coberto de detritos. É exactamente igual ao Horcones Inferior (aquele que eu estudo na Argentina) mas de maior dimensão. Visto do céu é ainda mais magnífico e magistral. Os adjectivos que poderia usar para descrever aquilo que vi seriam minimalistas, assim como as fotografias. A verdade é que eu me encontrava a sobrevoar um glaciar. Não queria acreditar.
Para além do gigantesco glaciar Inylchek há dezenas de glaciares de gelo, cobertos e rochosos que confluem com o glaciar principal. É uma vista dos deuses e, tal como no filme Regresso ao Futuro, não precisamos de estradas para cá chegar. O helicóptero pára no Campo Base de Inylchek Sul e a Elena Kalashnikova dá-nos uma hora para explorar o local.
O campo está cheio de neve e as tendas, que deveriam estar montadas sobre o gelo glaciar, estão montadas sobre a neve e com cerca de 30 centímetros de neve a toda à volta. No campo há dezenas de alpinistas. Todos parecem esperar o momento ideal para chegar ao cume do Khan Tengri (7010 m) ou do Poveda (7439 m).
Enterrada na neve vou-me deslocando e explorando aquilo que o tempo me permite. Paro frequentemente para tirar centenas de fotografias e conversar com alpinistas, essencialmente polacos e russos.
De regresso ao helicóptero descubro que agora vamos para o Campo Base do lago Merzbacher, instalado numa moreia brutal. Aí permanecemos durante duas horas. Foi tempo suficiente para subir e descer algumas moreias, procurar vistas fantásticas sobre os glaciares e os vales e até almoçar virados para o glaciar. Se há lugares abençoados pela natureza, as montanhas glaciadas são um deles. Mais uma vez, infelizmente, não há fotografias ou palavras que possam descrever tamanha beleza.
Para terminar a visita, o helicóptero faz um voo de cerca de uma hora de regresso sobre o vale do Inylkhek e de Karkara até chegar ao Campo Base de onde partimos esta manhã.
A subida até aos 4000 metros de helicóptero foi muito rápida e eu tenho sempre problemas em adaptar-me a estas subidas bruscas. A pé, faço sempre uma boa aclimatação e nunca tive problemas, mas de carro ou de helicóptero (neste caso) não é assim. Desta vez, desenvolvi um edema facial, algo que até ao momento só conhecia dos livros. A minha cara inchou e ficou completamente deformada. Durante 3 dias andei com as marcas da minha visita ao Inylchek. São marcas de viagem, são marcas de conquistas, são marcas de aventura. São marcas que me deixam sensações, todas elas positivas e alegres. Ainda que cheia de mazelas, esta foi uma das melhores experiências que já tive em viagem.
No Campo Base de Karkara despeço-me de Kalashnikova e agradeço-lhe a experiência. Agora é hora de voltar a Karakol e desta vez, “Where we’re going we do need roads.”
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