Na cordilheira central da Papua Nova Guiné (PNG), as montanhas escondem centenas de culturas e línguas diferentes. Aldeias vizinhas são, muitas vezes, rivais e exibem orgulhosamente as suas diferenças. Na nossa viagem de Goroka para Mt Hagen, tivemos oportunidade de conhecer algumas dessas tribos e testemunhar uma tradição “do outro mundo”, os homens esqueleto de Chimbu, na aldeia de Mindima.
Highlands Highway
Inicialmente, o nosso plano era percorrer este troço da Highlands Highway da mesma forma que o tínhamos feito entre Madang e Goroka, isto é, em PMV, o transporte público usado pela população local. No entanto, sabíamos que se o fizéssemos não teríamos oportunidade de parar para ver lugares de interesse ou para visitar aldeias. Sendo assim, acabámos por decidir contratar os serviços de uma agência local de Goroka para o transporte até Mt Hagen, incluindo na viagem algumas paragens que nós considerávamos importantes, como os homens esqueleto de Chimbu. Ficava mais caro, mas, além de nos permitir optimizar a viagem, também poderíamos poupar dinheiro em Mt Hagen, pois já teríamos visto algumas das coisas que seriam feitas a partir de lá.
Saímos de Goroka e rapidamente estávamos numa estrada de terra batida, cheia de pó, levantado pelos camiões que circulavam à nossa frente. Rapidamente nos demos conta que a Highlands Highway estava em bastante pior estado a partir de Goroka do que até ali. Muitos buracos, piso muito irregular, muita poeira no ar e, claro, uma progressão muito lenta. O tempo estava bastante nublado, principalmente no topo das montanhas que vislumbrávamos da janela da pick up 4×4.
Jenny, uma mulher da PNG que tomou as rédeas do seu destino, é dona de uma agência local e foi com ela que no dia anterior tínhamos ido conhecer os homens-lama Asaro. Neste dia, Jenny ia com o filho para uma consulta no hospital de Kundiawa (ficámos a saber, o segundo melhor do país), e o seu motorista seguiria depois connosco, até Mt Hagen, passando pela aldeia de Mindima, para ver os famosos homens esqueleto de Chimbu.
Passo de Daulo
Depois de atravessarmos o rio Asaro, a estrada começou a lenta subida por entre as montanhas, muitas delas despidas de floresta e só com vegetação rasteira. A nossa primeira paragem do dia foi no passo de Daulo, a 2478m, o ponto mais alto da estrada naquela região. Aí, pudemos admirar a paisagem (embora as nuvens obscurecessem a vista até Goroka), mas também pudemos visitar uma aldeia onde, com a ajuda do nosso motorista, conversámos um pouco com as pessoas, e admirámos a arquitectura rural das cabanas, rodeadas de campos cultivados em patamares em terreno mais plano.
Nas montanhas da PNG, o animal mais valioso e cobiçado é o porco, de tal forma que em muitos casos estes animais dormem na mesma casa das famílias (dizem-nos que os porcos assim crescem mais depressa), e naquela aldeia andavam por todo o lado e alguns deles muito pequeninos. Junto à estrada, alguns aldeões vendiam batata e colares feitos de flores para ter mais algum rendimento.
Snake Village
Dali, a estrada segui descendo em direcção à província de Chimbu (ou Simbu), com a qual a província das Terras Altas Orientais (Eastern Highlands) faz fronteira um pouco à frente do Passo de Daulo. Ali, a cultura e as tribos já são diferentes, e nós aproveitámos para parar numa aldeia, designada por “Snake Village”, onde um homem desafia as convenções e tradições da PNG relativas a cobras e mantém, em sua casa, uma colecção de cobras, das quais vai tratando com carinho e as vai mostrando a quem assim o solicita. Explica-nos que as pessoas da PNG têm medo das cobras porque acreditam que são portadoras de espíritos malignos, mas que na realidade são animais inofensivos.
Bem, inofensivos, não serão completamente! A PNG tem muitas espécies de cobras, algumas muito venenosas (e cuja mordedura é fatal se não tratada com antídoto), e outras não-venenosas, mas imponentes pelo tamanho e aspecto intimidativo, como as pitões, que podem chegar aos 7m de comprimento. Também pudemos ver outra cobra, não venenosa, muito bonita, totalmente verde (quase passando despercebida na vegetação), e cujas crias nascem de cor amarela forte (passando a verde ao um ano de idade).
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Depois de passarmos na cidade de Chuave, chegámos a Kundiawa, capital da província de Chimbu, uma pequena cidade, mas com um centro movimentado, cheio de pessoas das aldeias vizinhas que descem à cidade para vender os seus produtos. Ali, parámos um pouco para comer qualquer coisa que tínhamos trazido de Goroka, e depois dissemos adeus a Jenny e ao seu filho. A partir dali, seguimos com o motorista e um guia e, passada cerca de meia-hora, chegávamos à principal paragem do dia, a aldeia de Mindima e os homens esqueleto de Chimbu.
A lenda dos homens esqueleto de Chimbu
Na aldeia de Mindima, à qual acedemos percorrendo uma estrada em terra batida a partir da Highway, encontrámos uma tribo que é conhecida em toda a PNG pela sua tradição dos homens (e mulheres!) esqueleto. A lenda conta que os antepassados desta tribo eram atormentados pela presença de um monstro numa gruta e que este fazia ataques sobre a tribo, levando consigo homens, mulheres e crianças.
Enchendo-se de coragem, alguns homens da tribo resolveram tratar do assunto, matando o monstro. Para tal, tinham de se conseguir aproximar do monstro para desferir os golpes fatais, e para o conseguir delinearam uma estratégia engenhosa. Como a gruta era escura e cheia de ossos de animais e humanos, os bravos guerreiros pintaram os seus corpos de negro, usando cinzas negras (ainda mais negras que a sua pele natural!) e desenharam os seus esqueletos sobre a pele, esboçando os contornos dos ossos da cara, peito e costas, braços e pernas, usando argila branca.
O resultado foi uma missão bem-sucedida, conseguindo livrar a tribo da acção do monstro, mas além disso a tradição manteve-se como elemento identificativo da tribo em relação às suas vizinhas rivais.
Com os homens esqueleto de Chimbu
Hoje, os homens esqueleto de Chimbu são uma das imagens mais fortes e exóticas presentes nos festivais que ocorrem nas principais cidades do país, mas o melhor sítio para testemunhar esta tradição é, in loco, na aldeia de Mindima.
Um grupo de homens, mulheres e crianças pintam-se a rigor e fazem uma recriação da história do monstro e de como a tribo Mindima conseguiu ultrapassar o problema. O efeito visual é marcante, com todos os elementos (incluindo as pequenas crianças) imbuídos de um espírito teatral e tribal. É uma tradição que, face ao desenvolvimento e à adopção de novos modos de vida, estaria provavelmente destinada ao esquecimento, mas que o turismo parece poder revitalizar e até fazer com que os mais novos se voltem a interessar por muitos aspectos da cultura milenar dos seus antepassados.
No fim, pudemos admirar alguns objectos feitos de forma tradicional, por exemplo colares feitos com dentes de porco, pedras pintadas, máscaras de madeira e, o objecto mais icónico (mas que já não é usado no dia-a-dia), as protecções de pénis, feitas de cabaças secas com uma forma (necessariamente) fálica e erecta, completada com um cinto e uma cabaça mais pequena para acondicionar o escroto. De outro mundo!
Chegada a Mt Hagen
De Mindima, prosseguimos viagem rumo a Mt Hagen, onde iríamos ficar nos próximos dias. A estrada continuava em más condições, e depois começou a chover torrencialmente, piorando a visibilidade e aumentando os buracos e as poças de água. Resultado: chegámos a Mt Hagen ao final do dia, já quase a escurecer. Despedimo-nos dos nossos companheiros de viagem, e fizemos o check-in no nosso hotel. Nos dias seguintes, íamos explorar mais a cultura das tribos das Terras Altas da PNG.
Este artigo foi realizado durante a nossa viagem de Volta ao Mundo em 2019/2020. Dia 148 – Os HOMENS ESQUELETO de Chimbu e Mindima | Papua Nova Guiné (Novembro 2019)
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