Atravessávamos já há mais de duas horas território inóspito, rochoso e desértico. Tínhamos deixado para trás a cidade/base militar de Thumrait e a estrada 31, que liga Salalah a Muscate, atravessando todo Omã de norte a sul. Tínhamos visitado a cidade perdida de Ubar, perto da aldeia de Sishr, mas agora embrenhávamo-nos ainda mais em terreno quase vazio de ocupação humana. A estrada deixou de ser asfaltada, e a secura da paisagem intensificava-se a cada quilómetro que passava. O piso era cada vez menos terra batida, e mais areia solta. Ao longe, no horizonte, começavam a notar-se dunas amareladas. O fim da estrada estava próximo; o início de uma incursão num dos maiores desertos do mundo, Rub’al-Khali (Empty Quarter) estava prestes a começar.
O deserto arábico domina quase por completo a península arábica, estendendo-se desde a costa do Mar Vermelho até ao Golfo Pérsico, desde Omã até ao Kuwait. A morfologia do terreno, apesar de dominada pela areia, é bastante diversificada. Existem áreas dominadas por dunas que se estendem quase indefinidamente, mas também existem zonas planas, formações rochosas e canhões formados pela acção do vento, e até superfícies salgadas.
Mas dentro desta região desértica, há um deserto especial, uma região particularmente árida, especialmente adversa à vida e, por isso, «vazia». Os árabes chamam-lhe Rub’al-Khali, ou Empty Quarter, ou seja, ‘a quarta parte vazia’. Na realidade, são cerca de 500.000 km2 de extensão (cerca de 5,5 vezes maior do que Portugal), ocupando o sul da Arábia Saudita, o sudoeste de Omã, sudeste dos Emirados Árabes Unidos, e o nordeste do Iémen. Dizem que é a maior extensão contínua de areia do planeta, e as suas dunas, de tom amarelo alaranjado, podem atingir 250 m de altura. Era para lá que nos dirigíamos.
O último elemento humano, ali no sudoeste de Omã, é uma pequena aldeia, Al Hashman, onde a estrada acaba. O governo patrocina a presença de pessoas, oferecendo casa e salários mais altos. É uma tomada de posição; afirmar, pela presença de homens e mulheres, que aquela terra pertence a Omã. No entanto, a natureza que se prolonga depois de a estrada acabar não pertence, na realidade, a ninguém. Ela está lá, naquela forma, há milhares de anos; e continuará assim muito tempo depois de todos nós desaparecermos e, também nós, voltarmos ao pó e, quem sabe, sobreviver mesmo à passagem efémera da Humanidade como um todo.
Quando chegámos a Al Hashman, presenciámos dois milagres da natureza. À entrada da aldeia, fruto de um furo de prospecção de petróleo nos anos 50, brota água doce no deserto, continuamente desde essa altura, provinda de um aquífero subterrâneo. Parte dela é aproveitada para a agricultura, mas a maior parte perder-se-á na secura do ar, e na porosidade do solo. É fabuloso assistir ao nascimento de água no deserto. É como o nascimento de vida, que, curiosamente, assistiríamos logo a seguir. Ao lado da aldeia, um criador de camelos tratava dos seus animais. Camelos pretos, como nunca tínhamos visto. E um deles, uma delas, protegia a sua cria, um camelo recém-nascido, ainda com restos de placenta na pele, a tentar dar os primeiros passos.
É assim a vida no deserto do Empty Quarter. Parece um outro mundo; é mesmo um outro mundo. Mas não aparenta ser deste planeta; parece-nos como um extremo da civilização, o posto mais avançado da presença humana num planeta agreste e inóspito, numa galáxia muito, muito longe.
Deixámos tudo que é presença humana para trás e seguimos deserto dentro. Ali, não há estradas, e o nosso condutor tentava navegar à vista, por entre pequenas e grandes dunas, preferindo as planícies arenosas. Parámos para apanhar lenha para cozinhar. Alguns pequenos troncos pareciam estar esquecidos no meio das areias. Apanhámos também algumas rochas para a fogueira, e a Carla deliciou-se com pedras com formações cristalinas no seu interior. Pequenas pérolas do deserto!
Percorremos cerca de 15 km, e encontrámo-nos rodeados da imponência do deserto do Empty Quarter. Para além de nós e do nosso jipe, só o sol e areia. Uma duna enorme ia servir de pano de fundo à nossa noite passada ao relento. Enquanto o nosso guia preparava o jantar, subimos ao topo da duna e maravilhamo-nos com a extensão das dunas até ao horizonte, e a variedade de cores que elas assumem com o sol poente.
Descemos e sentámo-nos com o nosso guia, partilhando uma refeição tendo como tecto o céu que ia escurecendo e se ia enchendo de estrelas. Falámos dos nossos países, das nossas diferenças, mas também das nossas semelhanças. Mohammed é um muçulmano devoto, um homem do povo, que tenta viver a sua vida e tratar da sua família. Tentou estudar no estrangeiro, mas da Europa só conheceu o aeroporto de Kiev durante algumas horas. Apesar de ter visto de estudante, foi detido, interrogado, a entrada na Europa foi-lhe barrada e teve de voltar para o seu país. Era muçulmano, e era Outubro de 2001, menos de um mês após o 11 de Setembro. Só isso, sem explicações.
Estava na hora de irmos dormir. Os colchões estavam no chão. Um fino lençol protegia-nos da descida de temperatura durante a noite, dos mais de 40 0C de dia, para, ainda assim seguramente acima dos 30 0C, durante a noite. O céu estava magnífico, cheio de estrelas, e a Via Láctea dominava o firmamento. Um espectáculo difícil de igualar. Por trás das dunas começou a aparecer uma claridade, e a luz das estrelas começou a diminuir. A Lua fazia a sua aparição e acompanhar-nos-ia ao longo da noite, como que um farol que iluminava a escuridão e o «vazio» do Empty Quarter.
Sem paredes, sem tecto, sem cama; uma noite dormida sem qualquer tipo de acessório, nem conforto. No entanto, a beleza e a simplicidade daquilo que nos rodeava confortava-nos o coração e alma. É por isso que o deserto é especial, onde quer que seja, qualquer que seja o seu tamanho, a altura das suas dunas, a cor das suas areias, ou a temperatura do ar. É um regresso ao âmago do ser humano.
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