Uma das maravilhas naturais da Namíbia, Spitzkoppe é um maciço rochoso que se ergue a 1700 m de altitude, imponente e isolado no terreno plano e desértico, na província de Damaraland.
Para além de ser uma atracção turística, esta zona é também uma atracção arqueológica, pois os nossos antepassados já vagueavam por aqui há milhares de anos. Testemunho disso, podemos ainda hoje observar gravuras pintadas no declive abrigado dos elementos de rochas como o “Bushman Paradise“, onde nos deleitamos com as figuras de homens e animais. No entanto, Spitzkoppe é também uma pérola geológica, testemunho de um passado distante e instrumento da ciência para a compreensão da génese e dinâmica do nosso Planeta
Quando olhamos para um mapa-mundo, ou para um globo, é com muita dificuldade que conseguimos imaginar o nosso planeta com uma distribuição de massa terrestre completamente diferente, mas hoje sabemos que em tempos não muito longínquos (em termos de escala geológica!), os continentes que hoje habitamos, e cuja forma reconhecemos automaticamente nos mapas, simplesmente não existiam.
Tempos houve, há cerca de 540 milhões de anos, em que grande parte das actuais massas continentais da América do Sul, África, Austrália e Antárctida, assim como a Índia e Madagáscar, formavam uma vasta superfície terrestre, chamado o continente de Gondwana. Lembro-me de, em criança, reparar como o recorte das costas atlânticas da América do Sul e de África pareciam encaixar uma na outra tal como peças de um puzzle, e de me questionar porquê.
Outra das dificuldades com que a mente se depara é perceber que isto não é só passado, mas também a base do futuro. Mesmo hoje, os nossos continentes assentam em placas tectónicas permanentemente em movimento, já que estão apoiadas em material fluido do interior da Terra. Algumas placas afastam-se, criando vales de rift, outras aproximam-se, dando origem a zonas de subducção, com intensa actividade vulcânica e sísmica. Continentes inteiros desaparecerão, e novos oceanos nascerão. O nosso planeta está em permanente dinâmica, mesmo que não seja perceptível à escala temporal humana, não só de uma vida humana, mas também da inteira existência da raça humana!
Mas que tem esta dança de continentes a ver com a Namíbia e Spitzkoppe? É que há cerca de 130 milhões de anos iniciou-se um dos mais espectaculares eventos que já terá ocorrido no nosso planeta. E o território da actual Namíbia estava bem no meio da acção… A parte ocidental do continente de Gondwana estava a desmembrar-se, e o oceano atlântico iria nascer, separando África da América do Sul.
Mas este processo era lento, claro. Durante cerca de 1 ou 2 milhões de anos, a crosta terrestre começou a adelgaçar, de tal forma que áreas da superfície terrestre foram separadas por grandes quantidades de magma que ascenderam à superfície. A violência dos processos na base da desintegração de Gondwana foi de tal grandeza que se formou um manto de lava continental, aproximadamente da área de Portugal, com mais de 2 km de espessura. A zona costeira norte da Namíbia engloba o Plateau de Etendeka, que se estende desde Cape Cross, até Cape Fria, perto da fronteira com Angola, e é um testemunho desses tempos violentos, podendo encontrar-se rochas da mesma natureza e da mesma idade na agora distante província de Paraná, na costa atlântica do Brasil.
Spitzkoppe faz parte de um complexo de blocos graníticos que foram “expulsos” do manto profundo até perto da superfície durante a intensa actividade tectónica que desmembrava Gondwana, movimentos magmáticos esses alimentados por um hot spot (fonte de magma sobre o qual deslizam as placas tectónicas) que hoje se situa sob a placa oceânica atlântica perto da ilha vulcânica de Tristão da Cunha. A superfície terrestre na realidade não tinha nada a ver com o que é hoje, estando cerca de 1000 m acima do terreno actual. Como então nasceram os picos montanhosos que admiramos hoje? Por erosão!
As montanhas que vemos hoje erguerem-se centenas de metros acima do solo desértico começaram por nem chegar a ver a luz do dia. Solidificando a alguns quilómetros da superfície, os blocos graníticos foram sendo descobertos pela acção dos elementos erosivos, ou seja, após 130 milhões de anos de erosão estas montanhas cresceram pelo desgaste do material menos resistente que as rodeava. Isto um exemplo paradigmático do imenso poder dos processos erosivos, um poder para além da compreensão humana, capaz de criar montanhas e desenhar o relevo no qual hoje caminhamos.
E a erosão continua… Vento, precipitação, amplitudes térmicas, tudo contribui para o permanente redesenhar desta paisagem, algo bem patente nas estranhas e retorcidas formações rochosas que povoam o relevo. E tal como nas pessoas, as rugas e cicatrizes contam a história de cada um, o nosso planeta também tem as suas e Spitzkoppe é um local privilegiado para admirar algumas dessas marcas de expressão, que nos mostram que a Terra, que nos dá a vida e tudo o que temos, está ela também viva e activa. Que assim continue por muito tempo, e que a humanidade cá continue a ser deslumbrada!
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