Chegamos a Maputo, em Moçambique, no rescaldos das eleições presidenciais. Entramos no país a 10 de outubro, as eleições de Moçambique tinham sido no dia anterior. Os moçambicanos ainda tinham os dedos pintados de comparecer nas mesas de votos.
CONTEÚDOS DO ARTIGO
A nossa passagem por Maputo em Moçambique
Na primeira semana em Moçambique exploramos a cidade de Maputo, fizemos um Safari no Kruger e rumamos por uns dias até à ilha de Inhaca.
Visitar a ilha de Inhaca
Inhaca é um pequeno reduto a duas horas de Maputo. Ali o tempo parou e a vida passa devagarinho.
O mar traz o peixe que alimenta as gentes. O barco tudo o resto que falta na ilha. Até o mecânico que vem arranjar um jipe teve de vir de barco de Maputo e passar ali uns dias. Chama-se Luis e do alto dos seus 50 anos conversa connosco e desabafa as agruras dos Moçambicanos.
- Veja aqui o nosso artigo sobre Maputo e Inhaca em Moçambique.
Não transparece tristeza ou rancor, apenas esperança num futuro melhor para Moçambique. Vive em Matola, uma cidade dentro da capital de Moçambique, onde vivem milhões de trabalhadores pobres e empobrecidos neste país.
A ilha de Inhaca contrasta com Matola. Ali há muito poucos habitantes e, embora as populações vivam sem quase nada, o mar dá muito peixe e a terra legumes e frutos. E onde há comida há vida.
As crianças correm e brincam nas ruas. Mas nesta parte de Moçambique, ao contrário da maioria dos países africanos, não se vêem muitas crianças. Talvez a natalidade aqui seja manifestamente menor do que na África mais central e ocidental.
Depois de uma semana entre a terra e o mar, era hora de seguir viagem em direcção a norte, à província de Inhambane.
Nas águas de Inhambane
8 horas de autocarro. 30 minutos de barco. Uma hora a pé pela cidade de Inhambane. E uma hora de chapa. Esta é a distância que nos separa de Maputo e Tofo, em Moçambique. O dia foi longo, e as emoções também.
Quando chegamos a Tofo a rapariga do nosso alojamento diz-nos “chegaram cedo, normalmente que vem de autocarro só chega cá à noite”. Para ela eram 14h, para nós já tinham passados 12h desde que nos tínhamos levantado. Estávamos completamente partidos. Só queríamos comer e descansar. E foi isso que fizemos ali em Moçambique.
Nos dias que passamos no Tofo, em Moçambique, exploramos a baía de Inhambane e embarcamos em várias aventuras. Navegamos num barco tradicional à vela em busca de lugares onde nadam cavalos marinhos, onde vivem seres marinhos incríveis e onde as populações habitam de forma tradicional.
- Veja aqui o nosso artigo sobre Tofo e Inhambane, em Moçambique.
Descobrimos escolas sem professores, onde as crianças reluziam os olhos com as histórias que lhes liamos. Um lugar onde o chefe da aldeia foi sapateiro em São João da Madeira, na década de 60, e hoje tem duas mulheres e mais de 10 filhos. Um lugar onde as crianças tocam música em chapas de lata, dançam debaixo da sobra das palmeiras e riem. Isto é Moçambique.
Um lugar onde as mulheres extraem do mar bivalves que nunca tínhamos visto mas que lhe chamam mateo e parecem bicos de pato. Comemos e gostamos.
O Tofo é um destino de surf e kitesurf em Moçambique mas o que nos trouxe aqui não foram esses desportos. Foram as baleias e os tubarões baleia.
Apesar de não termos conseguido nadar com nenhum deles, o Tofo mostrou-nos que nem sempre encontramos aquilo que procuramos, mas podemos muitas vezes encontrar algo muito maior do que esperávamos.
E a nossa viagem por Moçambique prosseguiu em direcção a Bazaruto.
O paraíso em Moçambique chama-se Bazaruto
Bazaruto é um dos arquipélagos mais belos ao largo de Moçambique. É morada de deuses, com certeza. Quando lá chegamos era já noite e, apesar da nossa cabana ser em frente à praia só conseguíamos ouvir o mar mas nem a lua cheia podia exibir o esplendor das suas águas. Seria a manhã seguinte que nos revelaria que tínhamos morada no paraíso.
- Veja aqui o nosso artigo sobre Bazaruto em Moçambique.
Éramos para ter ficado ali três dias mas acabamos por ficar quatro. No rescaldo das eleições em Moçambique uma greve geral e manifestações pararam o país. Ficamos presos no paraíso. Menos mal! Conhecemos portugueses a viver neste pedaço de céu. Chegamos como desconhecidos a Bazaruto e saímos como novos amigos em Moçambique.
Durante aqueles dias exploramos várias ilhas do arquipélago de Bazaruto. Babamos com a beleza das dunas gigantes numa das ilhas, como se estivéssemos no deserto do Sahara no meio do oceano. Uma paisagem digna de figurar na lista de um dos lugares mais bonitos do mundo. Exploramos os recifes de coral e encontramos polvos, raias, moreias gigantes, tartarugas e milhares de peixes.
Vimos dudongs, um dos mamíferos marinhos mais ameaçados do mundo e difíceis de observar em estado selvagem. Exibiu-se bem à nossa frente, como se de uma baleia se trata-se e mostrando a causa em mergulho.
Pisamos areias brancas de coral, mar azul turquesa e completamente límpido e aproveitamos a magia dos bancos de areia e desta paisagem idílica na diferença das marés. Pisamos ilhas desabitadas e desertas, onde jazem edifícios abandonados que descansam de tempos e glórias passadas.
Em Bazaruto as praias têm cor, a cor das capulanas das mulheres, que entram e saem dos barcos que as transportam para as ilhas. Bazaruto é mesmo um lugar muito especial.
Foi ali que aprendemos a apanhar amêijoa com os pés, ensinados pelas crianças da aldeia, que em dia de protestos nacionais ajudam os pais na economia familiar com o seu trabalho. Bazaruto é tão cru que metade destas crianças trabalham nuas, vestindo apenas a “roupa da natureza”, como dizia a minha avó.
Bazaruto foi um dos pontos altos da nossa viagem em Moçambique. É terra de deuses, gente simples e humilde, e muito calor natural e humano.
DA PAZ DO GORONGOSA AOS PROTESTOS EM MOÇAMBIQUE
Sem transportes públicos a operar em Moçambique durante os dias de protestos, a nossa viagem por terra em Moçambique estava cada vez mais condicionada.
A nossa reserva para visitar o Gorongosa, em Moçambique, tinha tudo para não ter acontecido. Não havia tempo útil para chegar a Gorongosa de autocarro por isso decidimos investir grande parte do nosso orçamento num transfer entre Bazaruto – Gorongosa – Beira, de forma a conseguir usar os dois únicos dias dessa semana sem protestos para conseguirmos mover-nos no país.
Pagamos muito mais em transporte só para conseguir chegar e sair do Gorongosa. Mas, vão-se os anéis ficam os dedos! Em condições normais teríamos gasto 10 vezes menos ali em Moçambique.
Infelizmente o nosso esforço e resistência não foi recompensado em vida selvagem em Moçambique. O Gorongosa está ainda num processo de recuperação e o avistamento de animais é muito difícil. Ainda assim, nos safaris que fizemos vimos hipopótamos e crocodilos em verdadeiras cenas de caça.
Chegamos à cidade da Beira na véspera de dia de novos protestos em Moçambique. Autocarros novamente cancelados e estradas barricadas. Sentados no chão desenhamos um novo plano para evitar ficarmos presos na Beira por mais três dias.
Vimos a cidade que viu a mãe do Rui crescer apenas numa tarde. Procurámos histórias e lugares dos portugueses e o seu legado mais de 50 depois. Encontramos novas histórias, novas vidas, com desafios novos e velhos. E encontramos a casa onde a diáspora portuguesa trouxe a mãe do Rui na década 60.
No dia seguinte, voamos para Maputo, na esperança de conseguir chegar ao Norte de Moçambique em tempo útil para explorar a região. Pagamos mais dois voos que nos levariam para a boca do lobo, a capital de Maputo, onde os protestos do dia de divulgação dos resultados eleitorais estavam ao rubro.
A nossa passagem por Maputo foi tranquila, apenas na noite de apanhar o voo para Nampula cruzamos uma estrada cheia de pedras, vidros partidos e sinais de violência, mesmo no acesso ao aeroporto.
O voo para Nampula atrasou e, face aos eventos destes dias, juntaram dois voos num, um voo da Beira e outro de Nampula, transformando uma viagem de avião quase numa viagem de autocarro em Moçambique. Não havia lugares marcados ou lugar para colocar bagagem.
Quando chegamos a Nampula já era tarde mas o nosso designo era chegar à ilha de Moçambique. Porém, ainda faltavam 200 km em mais um dia de protestos e greves nacionais. Conseguimos um carro de um senhor da ilha que nos deixou na ilha de Moçambique antes da hora do almoço. Viajar em Moçambique nestes dias não era fácil, mas com perseverança, dinheiro e prudência, era possível.
A ILHA QUE DEU NOME A MOÇAMBIQUE
Aqui nasceu Moçambique! Atravessamos 3 km de ponte para chegar à ilha onde viveu Mussa Bin Biki, um líder árabe que habitaria aquela zona e que deu origem ao nome do país.
- Veja aqui o nosso artigo sobre a Ilha de Moçambique.
A ilha de Moçambique é um pequeno reduto onde a alma lusa ficou preservada de forma incrível. Esta foi a primeira capital de Moçambique, no tempo em que este território era uma colónia portuguesa, e a ilha parece um museu a céu aberto.
Alojamo-nos numa casa colonial onde hoje vive uma família moçambicana que nos adoptou logo no primeiro dia. Estamos mesmo no centro da cidade de pedra e cal, como lhe chamam, em oposição à cidade de makuti, a parte da cidade com habitações cobertas de palha onde vive uma população mais muçulmana.
A cidade de pedra e cal é dominada pelos edifícios religiosos e militares. Assistimos à missa de domingo na única igreja ainda em funcionamento na ilha de Moçambique. As fortalezas e fortins espalhados pela ilha relembram a história de Portugal e os feitos dos portugueses.
Foi levado pelas mãos de um grupo de crianças que conhecemos a ilha de Moçambique, “a casa de” Vasco da Gama ou de Camões. No final da visita guiada saem duas bolas de futebol para as delícias da criançada que já não se lembra da última vez que foi à escola.
Mas a ilha de Moçambique é rodeada por ilhas e praias maravilhosas, que exploramos de barco, navegando de forma tradicional ao sabor do vento. Ali descobrimos uma das praias mais belas de Moçambique, numa ilha esquecida de tudo e de todos, que faria frente às Maldivas neste vasto oceano Índico.
Exploramos toda a região em redor da ilha de Moçambique, encontrando o legado colonial português voltado ao abandono, ou na mão de estrangeiros que hoje compram estes edifícios ao desbarato.
Até a igreja mais antiga de África, erigida pelos portugueses que ali chegaram com Vasco da Gama, está abandonada e serve de abrigo ao tola da ilha, um homem que as crianças temem. Ainda assim, estas crianças nos levaram a ver a igreja, nos protegeram do “louco” e nos mostraram o local onde se sentam as sereias e as ninfas.
Outrora uma ilha islâmica, depois da chegada do cristianismo a ilha de Moçambique mudou. Mas quis a história que também esse fosse embora, voltando as mesquitas a substituir as igrejas. Contudo, até um templo hindu persiste, apenas com um guardião, o único hindu da ilha. Esta região durante o tempo dos portugueses esteve sobre a administração de Goa e as crianças daqui só faziam a escola primária na ilha, a secundária era feita em Goa, na Índia.
O que encontramos na ilha de Moçambique foi muito mais do que esperamos. Esta ilha é um tesouro, uma jóia em bruto, que não fosse estar esquecida algures no norte de Moçambique e seria um dos lugares mais turísticos do mundo. Ali e agora, era toda só para nós. Todos ali sabem que há dois turistas portugueses na ilha. Há semanas que não vem ninguém, e mais semanas se seguirão até que os próximos apareçam.
VISITAR AS ILHAS QUIRIMBAS
ADEUS MOÇAMBIQUE
Depois de quase um mês em Moçambique estava na hora de dizer adeus ao país e seguir viagem. Despedimo-nos de Moçambique na cidade de Pemba.
Decidimos mimar-nos no nosso último dia em Moçambique e rebentar o orçamento para terminar a nossa viagem com uma paz que precisávamos depois de uma viagem bastante dura em termos físicos e psicológicos.
Escolhemos alojar-nos num local fabuloso em Pemba, em Moçambique, com piscina, de frente para o mar, na melhor praia da região, com boa gente e muito boa comida. Seria perfeito para nos despedirmos do país com as mais belas praias de África. Precisávamos de nos preparar para o que viria a seguir.
Viajar em Moçambique não foi fácil, não porque o país seja difícil ou perigoso, mas porque viemos numa altura conturbada e em que o país atravessa vários desafios e, provavelmente, mudanças.
Moçambique é um dos países africanos onde nos sentimos mais seguros a viajar, talvez porque a língua facilita, ou porque simplesmente está cheio de gente boa. Em circunstâncias normais, teríamos conseguido explorar mais o país, mas mesmo assim, conseguimos ver quase tudo o que queríamos.
Viajar nesta altura em Moçambique também foi muito positivo, na medida em que os moçambicanos estavam ávidos de mudança e partilhavam muito as suas amarguras, receios e esperanças para o futuro. Era fácil conversar, às vezes até desabafar.
Entramos de corpo e cabeça nesta política moçambicana, pois todos os dias éramos atropelados por ela, que à semelhança de outros países do continente, vive armadilha entre ganâncias pessoais, interesses mundiais e prisioneira de muitos recursos naturais.
Descobrimos que no país com mais rubis e diamantes do mundo, 80% da população é desnutrida ou passa fome.
Descobrimos que quanto mais recursos naturais existem, menores são as chances de paz em Moçambique. Vimos o rosto cansado dos pais e o sorriso dos filhos desta terra, que perderam tudo, com excepção da vida. Vivem entre jogos de poder, nas mãos de crianças que foram armadas e aliciadas a combater, ou reféns de uma ajuda humanitária de milhões que semeia graus de arroz de tempos em tempos.
“Moçambique é rico demais para ter paz”, disseram-nos um pouco por todo o território, mais ainda em direcção a norte. Moçambique, à semelhança de outros países africanos, caiu na armadilha do desenvolvimento. O seu povo paga a factura todos os dias, com uma inflação galopante, salários miseráveis e uma população que vive quase toda de uma economia de subsistência.
A educação em Moçambique podia salvar as novas gerações, mas até aí o desinvestimento tem sido gigantesco. Há muitos professores que pouco sabem e as crianças saem da escola sem saber ler nem escrever.
Quo Vadis, Moçambique? Não sei a resposta, nem sabem os moçambicanos. Mas eles sabem que merecem mais, muito mais, e isso é o início de tudo!
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