A contagem do tempo é uma das actividades inerentes à condição humana. Apesar da sensação psicológica que o tempo “flui” inexoravelmente sempre no mesmo sentido, como a água de um rio, a verdade é que na base da contagem do tempo está a escolha de uma série de eventos que se repetem de uma forma periódica, ou seja, um ciclo. E, nesse aspecto, a natureza é prolífera no que toca à variedade de fenómenos cíclicos que nos apresenta. Tudo aparenta oscilar e funcionar em ciclos, desde a respiração dos seres vivos, passando pela luz que nos permite olhar o mundo, até ao movimento das estrelas em torno do centro da sua galáxia. A ciência dos nossos dias reflecte isso mesmo. Actualmente, o segundo é definido como a duração de 9.192.631.770 períodos da radiação correspondente à transição entre dois níveis do átomo de césio-133 e uma das questões na vanguarda da física é descobrir até que ponto o próprio universo, como um todo, se rege por fenómenos periódicos. Sabe-se que teve um início e que está em expansão mas, apesar do senso comum nos dizer que “aquilo que tem um início também terá um fim”, a verdade é que a questão do destino final do universo mantém-se em aberto. A escolha entre as duas alternativas mais óbvias, ou seja, a expansão para sempre e a contracção a partir de determinada altura, até se chegar a um universo que volta ao seu “ponto inicial”, representam basicamente a escolha entre duas noções de tempo cósmico: a da linha recta, sem fim, ou a da circunferência que se fecha sobre si própria.
Claro que, para os nossos antepassados, terá sido o “movimento” da nossa estrela, o sol, que nasce, viaja através do céu e morre todos os dias, apenas para renascer novamente no dia seguinte, a ditar a noção predominante do tempo que passa diante dos nossos olhos. Este facto deverá ter parecido tão extraordinário para os nossos antepassados longínquos que não será de estranhar que as religiões mais antigas tenham todas elas um carácter solar, e que a contagem do tempo tenha o dia como unidade natural.
Uma observação mais atenta e prolongada do movimento solar, assim como das mudanças decorrentes do clima, torna inevitável a adopção de um outro ciclo temporal para uma contagem mais longa do tempo: o ano de 365 dias, período após o qual a natureza repete um ciclo de vida e morte, reflectido na ocorrência mais ou menos periódica de calor e frio, seca e chuva, crescimento e atrofiamento.
O calendário que hoje seguimos (o chamado calendário gregoriano) não é mais do que um calendário adoptado pelos romanos, baseado naquele que os antigos egípcios tinham adoptado desde tempos que a memória já tinha esquecido, tendo já dividido o ano em doze meses, distribuídos por três estações (inundação, crescimento e colheita).
A natureza do fim é sempre determinado pela escolha do momento inicial. Até a física moderna não escapa a esta questão, sendo a resposta o famoso instante do “big-bang”, que dita desde logo os termos em que se poderá discutir o fim do universo. Numa perspectiva mais terrestre, a escolha do ano zero foi sempre fulcral na construção de calendários, sendo reveladora dos acontecimentos que forjaram a história de um determinado povo, assim como dos valores que regiam a vida nessa sociedade.
E se os nossos livros e registos digitais não sobreviverem para contar essa história? O que pensarão os historiadores do futuro quanto à nossa escolha do ano zero? Terá sido feita por razões históricas, culturais ou astronómicas? É nesta posição que nos encontramos hoje quando estudamos os calendários de povos cuja história apenas sobreviveu baseada em poucos fragmentos desconexos. É pouco e insuficiente, mas é aquilo que nos chegou e é com isso que tentamos aprender algo dos nossos antepassados e, em última análise, algo sobre nós próprios.