A guerra do Iraque é um conflito que durou desde 2003 a 2011 e que moldou a história recente do país. Saddam Hussein tinha governado o Iraque com mão de ferro desde 1979, tinha conduzido o país à Guerra do Iraque e Irão, à ocupação do Kuwait e à guerra do Golfo, e tinha sobrevivido a tudo isso com base na repressão violenta de todos os movimentos políticos e religiosos que lhe pudessem fazer frente internamente. Ainda assim, foram muitos aqueles que, em 2003, não festejaram a chegada das tropas americanas a Bagdad e que dariam uma nova guerra do Iraque. E com razão, pois seguir-se-iam oito longos anos da Guerra do Iraque, com o fim do regime de Saddam Hussein, mas também uma longa resistência armada (insurgência) à ocupação americana e o aparecimento de grupos terroristas no Iraque, algo inédito até então, mergulhando o país em violência e caos e dando continuidade a mais “guerra no Iraque”.
Chegada ao fim a Guerra do Iraque, e após a saída das tropas americanas, o país cairia ainda numa outra “Guerra do Iraque” (que será o tema do nosso próximo artigo), na realidade uma guerra civil, mas hoje parece que o Iraque quer virar uma nova página da história, rumo a um futuro melhor. Surpreendentemente, o turismo no Iraque pode ter também a sua quota parte na normalização da situação e na construção de um país melhor finda a Guerra do Iraque.
Visitar o Iraque para além do legado da Guerra do Iraque
O território do Iraque corresponde à antiga Mesopotâmia e são inúmeros os locais arqueológicos relacionados com as civilizações da Suméria, Assíria e Babilónia, já para não falar na rica história e cultura islâmica do país. O Iraque é assim um país com um potencial turístico enorme e visitar e conhecer o Iraque pode ser uma maneira de contribuir para um futuro melhor para as suas gentes, tão necessitadas de paz e desenvolvimento após décadas de guerra no Iraque.
Os interesses geopolíticos no Iraque
Mas os interesses económicos de grandes potências, como os EUA, Rússia e China, são muito poderosos no Iraque, o quinto país com maiores reservas de petróleo do mundo, e as rivalidades políticas e religiosas de diferentes facções iraquianas estão muito entranhadas na sociedade, por isso o futuro do Iraque é incerto. Mas para se compreender o Iraque actual, e a influência da Guerra do Iraque, é necessário conhecer um pouco da sua conturbada história recente.
O 11 de Setembro e a Guerra do Iraque
Na realidade, a guerra do Iraque começou um ano e meio antes de começar. A 11 de Setembro de 2001, os ataques às Torres Gémeas do World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, que mudaram a face do mundo e iriam transformar a vida de milhões de pessoas, tinham em si as sementes da Guerra do Iraque. Inicialmente atribuídos a Bin Laden e à Al-Qaeda, um grupo terrorista com fortes ligações ao então regime talibã do Afeganistão, estes ataques desencadeariam uma guerra global dos EUA contra o terrorismo, em primeira instância, à guerra do Afeganistão, e de seguida à Guerra do Iraque. Iniciada em Outubro de 2001, a Guerra do Afeganistão tornar-se-ia no conflito mais longo travado pelos EUA na sua história e só terminaria 20 anos mais tarde, e quase 200.000 mortos depois, com a partida das tropas americanas do terreno e, ironicamente, o regresso dos talibã ao poder em Cabul.
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Apesar de os mentores e executores dos ataques de 11 de Setembro não terem nenhuma ligação com o regime de Saddam Hussein (ao contrário de outros países como a Arábia Saudita), as lideranças militares e políticas americanas de então começaram imediatamente a planear a Guerra do Iraque e a pensar em justificações para tal acto. A Guerra do Iraque teria início a 20 de Março de 2003, mergulhando o país num caos político e militar, que destruiria grande parte das infraestruturas do país e faria dezenas de milhares de mortos, e do qual o Iraque está a conseguir sair, a muito custo, apenas agora. Mas para se compreender a Guerra do Iraque, temos de recuar um pouco mais no tempo.
A independência do Iraque, o partido Ba’ath e Saddam Hussein
As fronteiras actuais do Iraque foram delineadas em 1920 pela Sociedade das Nações, aquando do desmembramento do Império Otomano. O Iraque era então um protectorado britânico, com uma monarquia colocada no poder pelos ingleses, e dos quais obteria a independência após uma década de conflitos no terreno, envolvendo bombardeamentos e ataques químicos à população iraquiana por parte dos ingleses. No entanto, o poder da monarquia era frágil face à potência colonial e, com o eclodir da Segunda Guerra Mundial, os ingleses voltaram a ocupar o Iraque, tendo sido este uma base logística importante para as forças aliadas no Médio Oriente. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as pretensões independentistas do Iraque voltaram em força e, finalmente, em 1958, a monarquia seria derrubada numa revolução liderada por Abd al-Karim Qasim, sendo criada a República do Iraque.
Em Bagdad, o monumento mais querido pela população continua a ser o Monumento à Liberdade, construído em 1961, na Praça Tahrir (Libertação), uma enorme placa que deve ser lida como no árabe, da direita para a esquerda, com 25 figuras de bronze que retratam a história do Iraque até à sua independência, exaltando os valores artísticos dos reinos da Babilónia, Assíria e Árabe, assim como os valores da liberdade e auto-determinação. A verdade é que, com a República do Iraque, veio uma nova onda de desenvolvimento, uma nova Constituição, a nacionalização de terrenos e recursos que estavam nas mãos dos ingleses, a criação de um Estado Social e a defesa da pluralidade política e do papel da mulher na sociedade (por exemplo, com a primeira mulher ministra de um governo no Médio Oriente).
Em 1959, Qasim sobreviveria a uma tentativa de assassinato, orquestrada pelo partido Ba’ath, de ideologia política mistura de nacionalismo e socialismo árabe, com a participação de um jovem Saddam Hussein, e, em 1960, Qasim exigiu que a companhia inglesa Iraq Petroleum Company fosse nacionalizada, tendo apadrinhado a criação, em Bagdad, da OPEP, a Organização de Países Exportadores de Petróleo. Esta posição desafiadora perante as potências ocidentais, a influência crescente do Partido Comunista Iraquiano, e as lutas internas pelo poder tornavam a queda de Qasim inevitável. Em 1963, deu-se a revolução Ramadan, liderada pelo partido Ba’ath, e Qasim seria preso e mais tarde executado. Os seus seguidores mais próximos seriam perseguidos e mortos e o partido Ba’ath, embora tenha sido afastado pouco tempo depois, voltaria definitivamente ao poder em 1968.
Na rua Al-Rasheed, em Baghdad, local da tentativa de assassinato de 1959, pode admirar-se hoje uma estátua de Abd al-Karim Qasim, figura recordada com saudade e tristeza, especialmente pelas gerações mais novas, pois continua a ser um símbolo da pluralidade de opiniões e do quanto o Iraque pode ser diferente e melhor. Uma figura que tantos anos depois ainda faz eco no país mesmo depois da Guerra do Iraque.
Os jogos de xadrez económico no Iraque
O general Ahmed Hassan al-Bakr liderava então o regime iraquiano, mas era o seu vice, Saddam Hussein, que tinha as rédeas do poder, criando forças de segurança que esmagavam revoltas no Curdistão e ocupando as posições do poder com sunitas, uma minoria no Iraque. Em 1972, o regime iraquiano anunciava a nacionalização completa da Iraq Petroleum Company, e era assinado um tratado de cooperação com a URSS, e os EUA começavam a apoiar movimentos contra o regime, nomeadamente o movimento independentista curdo. Os lucros do petróleo, cujo preço atingia recordes na crise de 1973, levaram ao desenvolvimento das infraestruturas do Iraque e ao fortalecimento do poder do partido Ba’ath. Finalmente, em 1979, Saddam Hussein assumia o controlo total do país. Estava virada uma nova página da história do Iraque e iniciava-se a longa marcha em direcção à Guerra do Iraque.
Outro lugar especial em Bagdad para se sentir a história da identidade nacional é o Café Shahbandar, na rua Al-Mutanabi, em pleno bairro dos livros de Bagdad. Um autêntico museu, está repleto de fotografias de época e tem um ambiente verdadeiramente singular. Há mais de 100 anos que os intelectuais, poetas e professores de Bagdad se juntam ali para tomar um chá, fumar um narguilé e discutir a situação política. Em 2007, um atentado à bomba na rua Al-Mutanabi atingiu o café e matou quatro filhos do dono, mas os iraquianos são resilientes e ainda hoje o senhor Mohammad al-Khashali recebe com um sorriso os clientes no Café Shabandar. A Guerra do Iraque não se esqueceu ali, apenas se ultrapassou e espera-se um futuro melhor.
A guerra do Iraque e Irão (1980-1988)
1979 foi o ano da subida ao poder de Saddam Hussein, mas foi também o ano do acontecimento mais importante pós-segunda guerra mundial no Médio Oriente, a revolução islâmica no Irão. Deposto o regime apoiado pelos EUA (resultante de um golpe de estado apoiado pela CIA nos anos 50), o Irão tornava-se uma república islâmica, do ramo xiita, liderada pelo Ayatollah Khomeini. Israel e EUA, preocupados com o perigo de uma expansão da influência iraniana, assim como os estados sunitas do Golfo, receosos do movimento xiita, decidiram que era essencial travar o rumo político e religioso do Irão. No Iraque, a população xiita é uma maioria, mas desde que o partido Ba’ath subiu ao poder que os xiitas eram discriminados, e a repressão intensificou-se com a revolução iraniana.
Tomado por uma ânsia de tornar o Iraque na principal potência do Médio Oriente, e receio pela influência da revolução iraniana nos movimentos xiitas e curdos no seu próprio país, Saddam Hussein usou disputas fronteiriças como pretexto para ordenar uma invasão do Irão, dando início à Guerra do Iraque e Irão em Setembro de 1980. Após um avanço rápido das tropas de Saddam, as forças iranianas conseguiram travar o avanço iraquiano e contra-atacar, inclusive entrando dentro de território iraquiano. O conflito acabaria por se arrastar durante quase oito anos, fruto do apoio financeiro e militar de ambos os lados, EUA, Reino Unido, URSS e estados árabes do Golfo, do lado do Iraque, e Síria, Líbia, China, Paquistão e Iémen, do lado do Irão. O regime de Saddam chegaria a usar agentes químicos sobre populações iranianas e curdas, armas de destruição maciça que se sabe hoje fornecidas a Saddam por EUA e Alemanha (ironias das guerras do Iraque).
Vencedores na Guerra do Iraque e Irão
Em 1988, após centenas de milhares de mortos em ambos os lados do conflito, a Guerra do Iraque e Irão chegava ao fim com um mais que evidente empate, sem alterações de território, mas com ambos os lados a reclamar vitória. Do lado iraquiano a economia dava sinais de enfraquecimento, com uma dívida enorme aos estados que o tinham financiado durante a longa guerra, nomeadamente Arábia Saudita e Kuwait, e o custo humano tinha sido devastador. Ao mesmo tempo, durante a década de oitenta, Saddam Hussein mandava construir três obras megalómanas em Bagdad para engrandecer a sua figura como grande estadista e celebrar a vitória na Guerra do Iraque e Irão, o Monumento ao Soldado Desconhecido (1982), o Monumento aos Mártires (1983) e o Arco da Vitória (1989).
O Monumento aos Mártires (Al-Shaheed) é uma bela e imponente obra de arte, e um dos monumentos mais icónicos do Iraque. Inicialmente dedicado aos soldados iraquianos mortos na guerra do Iraque e Irão, é constituído por duas semi-cúpulas, no meio das quais arde uma chama eterna, e um espaço subterrâneo com exposições. Após a queda de Saddam Hussein, chegou a ter o destino traçado para demolição, mas hoje é um monumento a todos os mártires da história do Iraque, incluindo as vítimas do regime de Saddam e, mais recentemente, do Estado Islâmico. Lá dentro, as centenas de fotografias de pessoas mortas em diferentes épocas dão uma face ao impacto humano dos vários conflitos que dilaceraram o Iraque nas últimas décadas.
A invasão do Kuwait e o mote para uma nova Guerra do Iraque
Com o fim da Guerra do Iraque com o Irão, Saddam viu-se a braços com com uma dívida externa enorme e problemas internos com facções que tinham tomado o partido do Irão, nomeadamente forças curdas. A questão do Kuwait, a quem o Iraque devia biliões de dólares, era particularmente importante, e os níveis altos de produção de petróleo mantinham os preços num patamar que não beneficiava o regime iraquiano. O Kuwait, apesar de pequeno, tem imensas reservas de petróleo, e alguns dos principais campos iraquianos de petróleo encontram-se no sul do país, em redor da cidade de Bassorá e junto à fronteira com o Kuwait. Aliás, as disputas territoriais junto da fronteira, com acusações de ambas as partes, eram frequentes.
Juntando a reivindicação do território do Kuwait para o Iraque, que era antiga, Saddam aproveitou a conjuntura internacional e doméstica para dar um passo radical, ordenando a invasão do Kuwait a 2 de Agosto de 1990, anexando-o rapidamente como mais uma província do Iraque. Saddam talvez estivesse convencido que os seus aliados não reagiriam, mas a reacção da comunidade internacional foi rápida e incisiva. A ONU emitiu uma resolução a condenar a invasão do Kuwait e a estabelecer um prazo limite para o abandono do território por parte das forças iraquianas. A recusa de Saddam em recuar levaria à primeira intervenção dos EUA e aliados no Iraque, abrindo o caminho para a futura Guerra do Iraque.
A Guerra do Golfo no Iraque
Com o apoio financeiro da Arábia Saudita e do regime do Kuwait no exílio, o presidente dos EUA, George Bush (pai), e a Primeira-Ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher, ordenaram o envio de tropas para a fronteira com o Kuwait e, com o apoio de mais de 30 países, iniciaram a intervenção militar a 16 de Janeiro de 1991, denominada “Tempestade do Deserto”, com uma campanha aérea que durou mais de 40 dias, culminando na invasão terrestre do Kuwait a 24 de Fevereiro. As forças iraquianas, com o seu poder aéreo completamente destruído e com o poder bélico muito enfraquecido, recuaram rapidamente, incendiando centenas de poços de petróleo do Kuwait, numa demonstração brutal da política de “terra queimada” nesta Guerra do Iraque.
O regime iraquiano lançou ainda algumas dezenas de mísseis Scud com destino a Israel e bases americanas na Arábia Saudita, mas as consequências foram de pouca monta para o desfecho do conflito. Poucos dias depois de iniciada a campanha terrestre, a Guerra do Golfo tinha chegado ao fim, a primeira guerra televisionada por diversas cadeias noticiosas e marcada pelas imagens dos bombardeamentos aéreos “cirúrgicos”. As tropas americanas chegariam a entrar em território iraquiano, mas foi dada ordem para regressarem ao Kuwait. O regime de Saddam viveria para contar mais uma história na Guerra do Iraque.
Uma das zonas mais atingidas pela Guerra do Iraque e Irão e pela Guerra do Golfo, em território iraquiano, foi a cidade de Bassorá, que chegou a sofrer um cerco por parte das forças iranianas e que foi alvo de bombardeamentos intensos na campanha aérea da Guerra do Golfo. Hoje ainda se podem observar navios encalhados no rio Shat Al-Arab, que banha a cidade, vítimas de bombardeamentos da “Tempestade do Deserto”. São as marcas da Guerra do Iraque.
Os antecedentes da Guerra do Iraque
Durante a década de noventa, a repressão do regime de Saddam Hussein intensificou-se. Os movimentos xiitas no sul do país, e a rebelião curda, no norte, privadas na altura do apoio directo dos EUA, foram violentamente esmagadas, incluindo o uso de armas químicas, como gás sarin, em bombardeamentos em Najaf, Karbala e Bassorá. Uma nova Guerra do Iraque parecia começar.
Najaf e Karbala são as duas cidades mais sagrados para os xiitas no Iraque; em Najaf encontra-se o mausoléu de Ali ibn Abi Talib, o primeiro Imam do islão xiita, e em Karbala encontra-se o mausoléu de Husayn ibn Ali, filho de Ali e neto do Profeta Maomé, ambos assassinados. Estes dois locais são livres de ser visitados por seguidores de todas as fés religiosas, e constituem lugares de visita obrigatória no Iraque pela sua importância religiosa e cultural.
No sul do Iraque, a região dos pântanos, Chibayesh, foi particularmente atingida pela repressão do regime de Saddam Hussein, que ordenou a drenagem dos pântanos e a relocalização da população xiita, sendo que, antes da invasão dos EUA em 2003, estimava-se que 90% dos pântanos tivesse desaparecido. Os pântanos da Mesopotâmia, no Iraque, dividem-se em três zonas, os pântanos centrais, irrigados por afluentes do rio Tigre, os pântanos Hawizeh, a leste do rio Tigre e junto à fronteira com o Irão, e os pântanos Hammar, alimentados pelo rio Eufrates, e constituem um ecossistema único, classificado como património da UNESCO. Felizmente, actualmente os pântanos estão a recuperar a sua biodiversidade e o nível das águas, mesmo que não tenham regressado aos valores do passado, fruto também do desvio de água a nascente, permitindo de novo a fixação de populações que ainda vivem de forma tradicional, pescando e criando búfalos de água, e vivendo em pequenas ilhas no meio dos pântanos.
Nós tivemos o privilégio de ficar a conhecer os pântanos centrais e ficar a dormir uma noite com uma família, partilhando o seu modo de vida, as dificuldades e a sua simplicidade. Os “Árabes dos pântanos” formam uma etnia cuja cultura tem as suas origens há milhares de anos, sendo por vezes tidos como descendentes dos antigos sumérios, e a região onde vivem é muito provavelmente o “Jardim do Éden” bíblico. Estima-se que, na década de 50, atingissem cerca de meio milhão de pessoas, mas esse número encolheu até cerca de 20.000, fruto da emigração forçada por Saddam Hussein e pela Guerra do Iraque. No entanto, actualmente, os árabes dos pântanos estão a regressar à sua terra. As canoas tradicionais, mashoof, cruzam novamente os pântanos, os búfalos de água nadam nos canais, os homens pescam, as mulheres tratam da casa e dos filhos, e a generosidade e hospitalidade continuam a receber os visitantes nas casas tradicionais, mudhif, construídas de junco.
A ONU e o programa “Petróleo por alimentos” na Guerra do Iraque
No rescaldo da Guerra do Golfo e das rebeliões internas nas guerras do Iraque, foram estabelecidas zonas de exclusão área no norte e sul do Iraque, de forma a limitar a capacidade do regime e a proteger populações indefesas, e o país foi sujeito a sanções internacionais que danificaram fortemente a economia e a capacidade do Iraque em recuperar de anos de guerra. Em 1996, tinha início o programa de “Petróleo por Alimentos” das Nações Unidas, em que era permitido ao Iraque exportar petróleo em troca de ajuda humanitária. Ao mesmo tempo, as acusações de violação das zonas de exclusão aérea, ou de esforços em manter armas de destruição maciça, foram usadas como justificação para várias missões de bombardeamentos aéreos, com o objectivo de enfraquecer o regime e permitir uma mudança de regime por forças internas. Mas nada disso resultou, e Saddam Hussein agarrava-se cada vez mais ao poder, rumando inevitavelmente à Guerra do Iraque.
Acusações internacionais levam a uma nova Guerra do Iraque
No entanto, a 11 de Setembro de 2001, tudo mudaria. Nesse mesmo dia, Donald Rumsfeld, que nos anos oitenta tinha sido enviado dos EUA ao Iraque e tinha apertado a mão a Saddam, e que era então o Secretário de Defesa de George Bush (filho), delineava já o objectivo de derrubar o regime de Saddam Hussein e pedia informações sobre como justificar a Guerra do Iraque no contexto da guerra global ao terrorismo. No seu discurso do “Estado da União”, a 29 de Janeiro de 2002, George Bush introduzia a designação de “Eixo do Mal“, referindo-se ao Irão, Iraque, Síria e Coreia do Norte.
O tema do desarmamento do regime iraquiano no que tocava a “armas de destruição maciça” voltou à ribalta, apesar de ser conhecida a destruição do potencial bélico do Iraque e o desmembramento de muitas das suas forças terrestres no seguimento da Guerra do Golfo. Inspectores da ONU foram mandados para o terreno e não encontraram provas da existência dessas armas, mas a máquina de guerra dos EUA estava já em movimento, sendo que a Guerra do Iraque estava já em cima da mesa mediática quando Bush se dirigiu às Nações Unidas a 12 de Setembro de 2002. A 5 de Fevereiro, o Secretário de Estado Colin Powell fez uma apresentação às Nações Unidas com simulações de laboratórios de armas biológicas móveis que supostamente existiriam no Iraque (anos mais tarde saberia-se que estas informações tinham sido inventadas por um iraquiano em exílio na Alemanha). Finalmente, mesmo sem a autorização das Nações Unidas, a Guerra do Iraque foi formalmente anunciada na tristemente célebre “Cimeira das Lajes“, com Durão Barroso a servir de anfitrião a Bush, Blair (primeiro-ministro do Reino Unido) e Aznar (primeiro-ministro de Espanha), tendo sido feito um ultimato de 48 h a Saddam Hussein e seus filhos para abandonarem o Iraque. A 19 de Março de 2003, começava a Guerra do Iraque, com o nome de “Operação Liberdade Iraquiana”, com base numa coligação de apenas quatro países (EUA, Reino Unido, Austrália e Polónia), sendo que a grande maioria das forças terrestres e aéreas eram norte-americanas.
A Guerra do Iraque – A invasão dos EUA em 2003
Fruto da má preparação e desmoralização das tropas iraquianas, muitas delas indisponíveis para defender um regime decadente (incluindo altas patentes que aceitaram pagamentos para se renderem), e da superioridade tecnológica e material da coligação, o derrube do regime de Saddam Hussein na Guerra do Iraque foi relativamente rápido. Depois de assegurados os campos de petróleo junto a Bassorá, o grosso das tropas invasoras seguiu para norte, em direcção a Bagdad, tendo havido algumas batalhas mais acesas, como em Nassíria, Najaf, Karbala e Fallujah, no entanto nada que atrasasse muito o avanço das tropas e tanques da coligação na Guerra do Iraque. A norte, a Turquia não tinha permitido o uso do seu território para as tropas americanas entrarem na Guerra do Iraque, por isso o esforço da batalha ficava com os curdos, apoiados por tropas especiais aerotransportadas dos EUA. Saddam Hussein e os seus filhos deixavam a capital, e Bagdad cairia a 9 de Abril. A 1 de Maio, a bordo do porta-aviões USS Abraham Lincoln, George Bush declarou o fim das operações de combate e a vitória da coligação na Guerra do Iraque.
O momento mais simbólico (e encenado) da invasão na Guerra do Iraque acabou por ser o derrube da estátua de Saddam Hussein na Praça Firdos, erigida em 2002 aquando do 67º aniversário de Saddam Hussein. Uma unidade americana e populares iraquianos derrubaram a estátua, tudo seguido de perto por repórteres que estavam no Palestine Hotel. Hoje, já sem estátua, a Praça Firdos continua a ser uma das praças mais bonitas e simbólicas de Bagdad, com a Mesquita 17 Ramadan como pano de fundo e a lembrar a Guerra do Iraque, nomeadamente os hotéis que recebiam os enviados especiais na altura da Guerra do Iraque.
Nos meses seguintes ao início da Guerra do Iraque, tudo parecia correr bem para a coligação. A 22 de Julho, os filhos de Saddam Hussein eram localizados (fruto de uma denúncia e recompensa de 30 milhões USD!) e mortos em Mossul. Apesar de a operação de captura se ter transformado numa batalha de fogo cruzado entre 4 homens (Uday, Qusay, um filho de Qusay com 14 anos e um guarda-costas) e 200 militares americanos ajudados por helicópteros, só resolvida com o bombardeamento da casa com mísseis, a verdade é que duas das principais figuras do regime tinham caído nesta Hussein. E a 13 de Dezembro, Saddam Hussein era finalmente capturado nos arredores de Tikrit, a sua cidade natal, sem oferecer resistência, e acabaria por ser julgado e executado em 2006. Parecia ser o fim da Guerra do Iraque.
Os palácios de Saddam Hussein, construídos na década de 90 um pouco por todo o Iraque, foram talvez o alvo mais simbólico da ira dos populares. O palácio de Saddam Hussein na Babilónia, construído junto ao sítio arqueológico, ocupado pelas tropas da coligação entre 2003 e 2011, foi de tal forma vandalizado que só sobraram quase as paredes. Hoje atrai visitantes, sendo uma espécie de fantasma do passado e da Guerra do Iraque.
O pós Guerra do Iraque
Mas a Guerra do Iraque estava longe de estar definitivamente ganha. Por todo o país, após a queda de Bagdad, sucederam-se actos de vandalismo e violência sectária, acrescentando ao caos e destruição da invasão da Guerra do Iraque. Os estragos às infraestruturas do Iraque e ao seu património arqueológico foram devastadores durante a Guerra do Iraque, alguns feitos pelos próprios soldados da coligação. Ainda hoje não se conhece o verdadeiro estrago feito, por exemplo, na colecção do Museu do Iraque, sendo que milhares de peças terão desaparecido, permanecendo o museu ainda hoje fechado. Era então necessário governar politicamente o Iraque, tarefa para a qual a coligação não estava tão bem preparada quanto para as operações de combate da Guerra do Iraque.
Outro edifício que visitámos no Iraque foi a “Panorama Tower“, mandada construir por Saddam Hussein de frente para o “Arco de Ctesiphon”, a antigal capital da Pérsia, a poucos quilómetros de Bagdad, para glorificar a vitória dos árabes sobre os persas. Entrar nesse edifício esventrado provocou-nos uma sensação parecida aquando tínhamos visitado os prédios abandonados e vandalizados de Prypiat, em Chernobyl, na Ucrânia. Há poucas coisas que ultrapassem a capacidade humana de destruir…
Consulte o nosso artigo com todas as dicas sobre visitar Chernobyl.
A Guerra do Iraque – A insurgência iraquiana
Os mais optimistas poderiam ter pensado que, com a captura de Saddam Hussein, a resistência iraquiana à presença americana iria gradualmente desvanecer-se e a Guerra do Iraque rapidamente terminaria. Mas esta visão não tinha em conta a complexidade da situação política, social e religiosa do Iraque, especialmente em contexto pós-invasão da Guerra do Iraque.

A coligação dos 4 países passou a governar de facto o país após a Guerra do Iraque, estabelecendo uma “Autoridade Provisória da Coligação”, um governo de transição que administraria o país entre 21 de Abril de 2003 e 28 de Junho de 2004, data em que foi substituída pelo primeiro governo interino iraquiano, que supervisionou as eleições para a Assembleia Nacional, sendo substituído por sua vez por um governo de transição, a redacção de uma nova Constituição e o primeiro governo iraquiano, sufragado nas eleições de Dezembro de 2005, liderado pelo partido político islamista Dawa, com ligações ao Irão.
O centro administrativo americano no Iraque foi estabelecido na chamada “Green Zone“, uma zona muralhada no centro de Bagdad que já tinha sido o centro administrativo do partido Ba’ath e que foi ocupada pelos americanos em 2003, aquando do início da Guerra do Iraque. Ainda hoje é o centro da presença internacional em Bagdad, e onde se situa a maior embaixada americana do mundo. Quando visitámos Bagdad, não era (novamente) possível ter acesso a essa zona sem permissão e por isso ficámo-nos por uma visão da outra margem do rio Tigre ao pôr-do-sol.
A resistência à presença americana no Iraque
Mas apesar dos avanços políticos, a situação no terreno degradava-se. A decisão de dissolução do exército iraquiano, a eleição de uma maioria xiita, e subsequente afastamento dos sunitas, e as práticas de tortura em prisões americanas (sendo a mais tristemente famosa a prisão de Abu-Ghraib) foram factores relevantes no crescimento de um sentimento anti-americano e no surgimento de grupos terroristas no Iraque, tal como a Al-Qaeda, Al-Nusra e o Estado Islâmico.
A insurgência na Guerra do Iraque teve como centro o chamado “Triângulo Sunita”, e a cidade de Fallujah está mesmo no meio desse território. Aí, a 31 de Março de 2004, um grupo de insurgentes fizeram uma emboscada e capturaram 4 funcionários da companhia privada “Blackwater” que trabalhava para as forças armadas dos EUA. Os corpos mutilados e queimados dos 4 homens foram arrastados pela cidade e pendurados da ponte sobre o rio Eufrates, em imagens que correriam mundo. Hoje, a cidade continua em tensão, devido à presença recente do Estado Islâmico, mas a beleza da ponte sobre o rio Eufrates não deixa transparecer nada dos horrores que por ali se passaram. A operação de contra-insurgência em Fallujah levaria à Batalha de Fallujah (Novembro-Dezembro de 2004), que é considerada a batalha urbana mais sangrenta envolvendo tropas americanas desde a Guerra do Vietname.
Para além do inimigo externo, muitas das diferentes facções políticas e religiosas iraquianas viam os seus adversários como inimigos mortais. A partir de 2004, intensificou-se então a resistência à ocupação americana provocada pela Guerra do Iraque, assumindo contornos de verdadeira guerra urbana em alguns casos, mas também a violência sectária, com numerosos atentados à bomba em núcleos populacionais e religiosos. As baixas foram avultadas, tanto na população iraquiana, sendo que se estima que, entre 2003 e 2007, tenham morrido cerca de 600.000 pessoas, e do lado americano, cerca 4500 soldados mortos e quase 32.000 feridos em combate, durante toda a Guerra do Iraque.
Samarra é uma das cidades sagradas para os xiitas no Iraque, uma vez que ali se encontram os mausoléus dos 10º e 11º imams xiitas, Imam Ali al-Hadi o Imam Hassan Al-Askari, assim como o túmulo da mãe do Imam Al-Mahdi, o messias do islão xiita. Em 2006 e 2007, este local foi palco de grande violência entre sunitas e xiitas, sendo que dois grandes atentados bombistas (reivindicados pelo Estado Islâmico no Iraque) destruíram o domo e ambos os minaretes da mesquita. Esta reabriu em 2009, mas a reconstrução continua e o mausoléu continua a ser um local de culto xiita no meio de uma cidade de maioria sunita. A tensão ainda hoje é visível, como pudemos constatar, e os arredores do mausoléu continuam fechados ao comércio.
Uma nova ameaça no Iraque
Em 2007, o esforço americano na Guerra do Iraque foi relançado e o número de tropas no terreno aumentado em muito, e consequentemente a violência começou a diminuir. Mas com a eleição nos EUA, em fins de 2008, de Barack Obama, a estratégia e mentalidade americana começaram a mudar. A 1 de Janeiro de 2009, a “Green Zone” passa a ser administrada pelo governo iraquiano e Barack Obama começava a preparar a saída das tropas do Iraque. Isso viria a acontecer, por fim, em Dezembro de 2011, terminando oficialmente a Guerra do Iraque. Mas a instabilidade e violência iriam preencher o vazio criado pela saída dos americanos e novos e antigos inimigos juntariam forças para lançar o Iraque numa verdadeira guerra civil, uma nova Guerra do Iraque.
A Guerra do Iraque tinha cumprido com sucesso o seu primeiro objectivo, a queda do regime de Saddam Hussein, mas a estabilização política, social e religiosa do Iraque era algo muito mais difícil de concretizar. Enquanto os americanos abandonavam Bagdad, novos senhores da guerra perfilavam-se para uma nova Guerra do Iraque. O crescimento de movimentos radicais islâmicos, sobre a forma de diversos grupos armados, iriam arrastar o Iraque para anos terríveis de conflitos, crimes e privações. O Estado Islâmico do Iraque e do Levante surgia como que renascido das cinzas de uma velha guerra do Iraque mas preparava um novo capítulo. Uma nova Guerra do Iraque estava a nascer.
- ESTADO ISLÂMICO NO IRAQUE E NA SÍRIA – Um artigo obrigatório para perceber o contexto do aparecimento do Estado Islâmico no Iraque.
Se estiver interessado em visitar ou conhecer melhor os lugares históricos a não perder no Iraque, consulte os nossos seguintes artigos:
- VIAJAR NO IRAQUE – Tudo o que precisa de saber para começar a planear a sua viagem no Iraque, a Antiga Mesopotâmia, está neste artigo.
- GUIA DE VIAGEM NO IRAQUE – Da nossa viagem ao Iraque fizemos um Guia de Viagem com informação útil e actualizada, contactos no terreno, dicas práticas de transporte e alojamento, para poder viajar de forma independente ou em tour no Iraque. Pode adquirir o nosso guia de viagem no link que inclui a zona da Mesopotâmia.
- GUERRA DO IRAQUE – A história contemporânea do Iraque, importante para quem vai visitar o país e pretende perceber exactamente aquilo que vai ver no terreno e que dificuldades vai enfrentar. É importante perceber a guerra do Iraque antes de viajar.
- VIAJAR NA MESOPOTÂMIA – Se vai viajar para o Iraque este é um artigo que lhe pode interessar, já que contextualiza a importância do país e o seu legado desde os tempos da Mesopotâmia.
- VIAJAR NA SUMÉRIA – Conheça a história da Suméria e as cidades históricas de Uruque e Ur, duas das mais antigas e principais cidades da antiga Mesopotâmia.
- VISITAR A ASSÍRIA – Conheça a história da Assíria e a cidade histórica de Nínive, uma das mais antigas e principais cidades da antiga Mesopotâmia.
- VISITAR A BABILÓNIA – Conheça a cidade histórica da Babilónia, uma das mais antigas e principais cidades da antiga Mesopotâmia, e a história do grande império competidor da Assíria, assim como outros lugares ligados à Babilónia, como Dur-kurigalzu e Borsippa.
- PÉRSIA NO IRAQUE – Conheça a história da Pérsia na Mesopotâmia e as cidades históricas de Ctesiphon e Hatra, verdadeiros tesouros arquitectónicos e arqueológicos do Iraque e da A Mesopotâmia.
- LUGARES SAGRADOS DO ISLÃO NO IRAQUE – Conheça as cidades sagradas do Islão no Iraque, Najaf, Karbala e Samarra e outras, e outros lugares de interesse religioso e histórico.
- ESTADO ISLÂMICO NO IRAQUE E NA SÍRIA – Um artigo obrigatório para perceber o contexto do aparecimento do Estado Islâmico na guerra do Iraque.