Saímos de Kerman no comboio de manhã a caminho de Mashhad. Eram os nosso últimos dias no Irão. A estação está cheia de gente e lá fora o calor está insuportável. Percorremos a plataforma em direcção ao vagão número 5, lugares 10 e 11. Está tanto calor lá fora que resolvemos comprar uns gelados para comer no comboio. Como é Ramadão só podemos comer em lugares privados. Sendo assim, mal nos sentamos na cabine atirámo-nos aos gelados.
Entretanto chega um casal iraniano que vai dividir connosco a cabine. São jovens e ela é extremamente bonita e muito bem arranjada. Os seus lábios pintados de rosa, assim como a sombra dos olhos lembram as modelos das revistas iranianas. Aida é professora de inglês num instituto em Kerman e o marido é engenheiro civil. O facto de estarmos a dividir a cabine com alguém que fala bem inglês dá-nos instrumentos para conversar ainda mais do que o habitual. Aida é bastante preocupada com a situação económica e política do Irão. Partilha connosco os seus desencantos com a política iraniana e espera um dia conseguir emigrar. O casal vai para Mashhad em peregrinação. O marido de Aida, que não fala inglês mas que está sempre a conversar através das traduções de Aida, concorreu a empregos na Europa. Aguardam uma resposta das companhias para poder emigrar, talvez para a Alemanha. Apesar de pertencerem a uma classe média iraniana relativamente confortável, a vida por cá não é assim tão fácil. Aspiram a um futuro melhor. Os salários que recebem são baixos quando comparados com os padrões da Europa Central mas não muito diferentes dos que usufruímos em Portugal. Queixam-se da corrupção no governo e no acesso aos empregos e às universidades.
O marido de Aida pertence a uma família de produtores de pistacho de Kerman. Foi pena não nos termos conhecido antes. Convidam-nos para ficarmos alojados com eles da próxima vez que viermos a Kerman. A situação económica das famílias permitiu que ambos tirassem um curso superior que, como Aida faz questão de dizer, lhes deixou sem dormir durante muitas noites. Mas, agora, até isso está a mudar. Aida confessa, com tristeza e ironia, que as escolas e as universidades estão a converter-se a um regime facilitista e hoje “até os preguiçosos conseguem tirar um curso”.
De repente, todas as queixas que Aida e o marido têm do seu Irão podiam ser aplicadas ao nosso país. Este belo e jovem casal iraniano não se queixa das regras religiosas, não se queixam da hijab, a lei islâmica que impõe a utilização do véu e a prática dos bons costumes. Este jovem casal queixa-se de algo muito mais transversal às sociedades. Eles querem uma vida melhor. Querem salários justos para o seu trabalho. Querem um bom nível de vida. Querem uma sociedade justa e livre. Procuram na Europa um futuro melhor.
Num impulso pensei em mim, nos meus amigos e na minha família. Pensei neles todos porque todos nós, independente do país onde nascemos também procuramos o mesmo: um país mais justo, mais igualitário, com salários justos e que possa oferecer um futuro aos seus habitantes. De repente, o Irão e Portugal pareceram-me países irmãos. Estamos longe do ponto de vista religioso mas tenho muitas dúvidas no que se refere à questão política.
Quando desço em Mashhad, no Irão, despeço-me de Aida e do marido. Desejo-lhes boa sorte e um futuro brilhante. Espero que, tanto eles como nós consigamos aquilo que desejamos. Afinal, não é assim tão diferente.
Irão, nomeadamente Shiraz, pessoas maravilhosas e cheias de bondade. Senti-me muito segura e bem recebida. Aconselho vivamente!
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