Narsarsuaq é a porta de entrada para quem quer explorar o sul da Gronelândia. Tem um aeroporto que recebe voos de Reykjavik e de Copenhaga, o que torna esta localidade bastante acessível. Narsarsuaq foi uma povoação que surgiu em 1941 quando os EUA decidiram criar aqui um aeroporto e uma base militar durante a II Guerra Mundial. Finda a guerra, a povoação definhou mas o aeroporto continuou em funcionamento e durante a Guerra da Coreia (54-58).
Em plena Guerra Fria, a base foi ampliada e o hospital militar chegou a ter mais de 1000 feridos. Depois do final da guerra da Coreia foi estabelecida aqui uma base de patrulha do gelo pelo que o aeroporto voltou a funcionar. Mais recentemente, com o crescimento do turismo, o aeroporto de Narsarsuaq continua a ser o centro da povoação e a vida dos seus habitantes gira em torno das horas dos voos. Os Inuits juntam-se na esplanada do aeroporto para ver chegar e partir os turistas. Até porque, numa povoação com 160 habitantes, não há muito mais para se fazer.
Chegamos a Narsarsuaq vindos do aeroporto doméstico de Reykjavik. Ainda faltava uma hora para chegarmos e o avião começava a sobrevoar os campos de gelo da Gronelândia, com centenas de glaciares a descer os vales e estenderem-se até ao oceano, onde se observavam milhares de icebergs.
A viagem entre Reykjavik e Narsarsuaq demora 3 horas mas a última hora é um deleite para os olhos. Há imensos glaciares de vale, vales glaciares cujo gelo já desapareceu, lagos glaciares cobertos de icebergs, planícies de outwash, etc. É uma visão dos deuses.
O avião que nos trouxe até Narsarsuaq vinha com mais de metade dos lugares vazios pelo que cada passageiro teve direito a uma janela. Quando o avião aterrou eram 14 h e a excitação era tanta que ninguém queria sair da pista. O controlador de pista tentava expulsar os turistas mas todos queriam eternizar o momento de ter chegado a uma das últimas fronteiras do planeta.
O John já estava no aeroporto de Narsarsuaq à nossa espera e levou-nos até ao hostel. O hostel é fantástico e parece um abrigo de montanha, com aquecimento central, cozinha super equipada e espaçosa, uma sala gigantesca, um alpendre sui generis (com bancos de autocarro), wi-fi (ainda que caro) e wc fantásticos. Saímos do hostel para tratar dos nossos treks e dos barcos para os próximos dias. Já tínhamos tudo marcado e pago desde Portugal mas era necessário confirmar as datas e os horários das ligações.
Depois de tudo tratado, inclusive gás comprado e comida, fomos dar uma volta por esta urbe com cerca de 160 habitantes. Parece pouco mas à escala da Gronelândia é bastante, especialmente comparada com as povoações que iríamos conhecer nos próximos dias.
Quando regressamos ao hostel tratamos logo de experimentar umas costeletas de cordeiro que tínhamos comprado no supermercado. Que maravilha!
Usamos Narsarsuaq como base inicial da nossa viagem de exploração do Árctico e fizemos vários treks à volta da povoação. Ao final do dia regressávamos ao hostel, tomávamos um bom banho, descansávamos, conversávamos com outros viajantes (especialmente dinamarqueses e espanhóis) e preparávamos deliciosos jantares à base de borrego, nomeadamente um rolo de borrego recheado que fez grande sucesso no hostel. O John ficou tão impressionado que acho que para o próximo ano temos um lugar para trabalhar nas férias de Verão!
A povoação de Narsarsuaq é um bom local para estar um ou dois dias e desfrutar de alguns treks nas proximidades. O Trekking em Narsarsuaq que são verdadeiros rumos ao paraíso. Nós fizemos 3 treks.
EXPLORAR E VISITAR A GRONELÂNDIA
1º Trekking em Narsarsuaq: Signal Hill
Este é um trek rápido, embora com um declive acentuado num curto espaço de tempo. Nós começamos o trek no “arboreum”, uma área protegida de floresta de taiga típica do sul da Gronelândia. Resta muito pouca floresta de taiga, um bioma árctico caracterizado por vegetação arbustiva e alguns pinheiros cónicos. A maioria das espécies sofre de nanismo devido à falta de radiação solar. Narsarsuaq orgulha-se desta sua área protegida.
Ao cruzar o “arboreum” vimos vários pinheiros nórdicos e muitas espécies de flores coloridas. O trilho cedo começa a subir até alcançar o Signal Hill, um local onde se tem uma vista panorâmica sobre a povoação de Narsarsuaq, o aeroporto, as montanhas e o fiorde de Erik. Descemos o monte por um trilho muito ingreme que termina de frente para o Blue Ice Café. O trek demora uma hora e meia a duas horas.
2º Trekking em Narsarsuaq: The Ridge (A Crista)
O trek da Crista é um trekking relativamente rápido que permite ver o glaciar de Narsarsuaq, ainda que de longe. Desde o hostel até ao miradouro da Crista, ida e volta, demora cerca de duas horas e meia a três horas.
O trilho é bem visível e para quem não tem tempo de fazer o trek mais comprido e que vai ao glaciar, esta pode ser uma boa opção. Para quem vai fazer o trek do glaciar Narsarsuaq, este trek é perfeitamente dispensável.
3º Trekking em Narsarsuaq: Glaciar Narsarsuaq
Este foi o melhor trek que fizemos em Narsarsuaq. Levantamo-nos bem cedo e apanhamos boleia do John (50 DKK) para o hospital do vale. Aí, começamos a caminhar e seguimos o trilho até chegar ao vale das flores, um vale encantador junto às margens do rio do degelo glaciar.
Este vale está cheio de flores rosas, lilases, azuis e até algodão. O trilho continua e a certa altura começa-se a subir uma vertente rochosa bastante inclinada e com rocha muito polida. Aí, há algumas cordas fixas na rocha para auxiliar a subida, paralela a um conjunto de pequenas quedas de água. No final da subida chega-se a um lago que se deve contornar e um pouco mais à frente há um excelente miradouro sobre o glaciar Narsarsuaq, ou melhor o glaciar Kiattuut, como lhe chamam os gronelandeses.
A maioria das pessoas que faz este trek fica por aqui, já que a subida é bastante extenuante. No entanto, é possível (e recomendável) descer ao glaciar. Para isso deve-se contar com mais uma hora e meia ou duas horas de trek. Nós não podíamos perder esta oportunidade por isso descemos ao glaciar, encontramos um local acessível para passar e caminhamos sobre ele. É magnífico e está completamente compacto, praticamente não tem fendas. Não há crevasses ou seracs.
Almoçamos no glaciar e depois voltamos a subir, desta vez desde o gelo até ao miradouro. Quando chegamos cá acima, decidimos subir a alguns pontos altos de forma a ver a frente do glaciar e a lagoa de icebergs. Quase tivemos que escalar algumas rochas mas lá encontramos um lugar com vista fabulosa.
Eram horas de regressar e o trilho para trás ainda era longo. A descida agora era bastante íngreme e, mais uma vez, a ajuda das cordas fixas é uma mais-valia, essencialmente quando a rocha é muito inclinada e perfeitamente polida.
Estávamos de volta ao vale das flores, ao hospital e desta vez também ao estradão que nos conduziu ao hostel. Foram 8 horas de trekking mas vínhamos satisfeitos. Este seria só um treino para os próximos dias de trekking na Gronelândia. A verdadeira aventura começaria no dia seguinte.
Visitar e compreender os glaciares no FIORDE GELADO DE QOOQQUT no sul da Gronelândia
Uma das actividades mais fantásticas que se pode fazer em Narsarsuaq é o passeio de barco ao fiorde Qooqqut (ou Qooqot). O passeio custa 76€/pessoa. O barco sai de Narsarsuaq às 9 h da manhã e percorre o fiorde de Erik, um fiorde gigantesco que vem desde Narsaq até Narsarsuaq. Neste troço há poucos icebergs pois os dois glaciares a montante (Kiattuut e Qingua) já não desaguam no fiorde. Ambos têm planícies de outwashe o gelo que se desprende do glaciar acaba por derreter à medida que vai percorrendo a lagoa e o rio antes de chegar ao fiorde.
O glaciar Qooqqut termina no fiorde pelo que a fracturação e queda de icebergs (aquilo que se chama de calving) é constante durante os meses de verão, libertando cerca de 200 mil toneladas de gelo por dia. Nesta altura do ano, o fiorde fica cheio de icebergs e é necessário um barco especial para entrar no fiorde. A progressão é lenta porque o barco tem que se ir desviando dos icebergs e quando estes começam a cobrir quase a totalidade do fiorde, a progressão deixa de ser possível.
Apesar da maioria das pessoas associarem esta perda de massa glaciar, através da libertação de icebergs, ao aquecimento global, a verdade é que este comportamento é completamente normal. Um glaciar ganha massa nos meses de Inverno através da acumulação de neve e gelo a montante. Como o glaciar se move, essa massa de gelo vai descendo em direcção ao fiorde e, nos meses de verão, o glaciar perde massa através do calving. Considera-se que um glaciar está em equilíbrio quando a quantidade de gelo e neve por ele acumulado é equivalente àquela por ele perdido. O que significa que um glaciar pode perder bastante gelo no Verão, desde que no inverno consiga ganhá-lo através da precipitação. Assim, é fácil de perceber que quando se vêem muitos icebergs nos fiordes isso pode não significar que o glaciar esteja a diminuir.
O glaciar só está em retrocesso quando perde mais gelo por ablação (neste caso o calving de icebergs no fiorde) do que aquele que recebe na área de acumulação, especialmente durante o Inverno.
A maioria dos glaciares do mundo estão efectivamente a perder massa mas, estranhamente, a temperatura média da Terra tem aumentado muito pouco até momento (cerca de 0,8ºC nos últimos 50 anos), o que, muito possivelmente significa que o retrocesso glaciar pode não se estar a dever apenas a um aumento da temperatura mas possivelmente também a uma diminuição da precipitação.
Teorias à parte, uma visita ao fiorde de Qooqqut é um investimento duplo: por um lado permite testemunhar o calving de um glaciar que ainda desagua num fiorde (ao contrário de tantos outros no sul da Gronelândia), por outro lado permite navegar num fiorde cheio de icebergs e observar os seus movimentos na água.
Estas são sensações extraordinárias especialmente porque estes “monumentos naturais” são extremamente frágeis e pequenas flutuações climáticas, quer ao nível da precipitação, quer ao nível da temperatura, podem alterar a sua dinâmica e levá-los a uma situação de desequilíbrio.
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