Digo muitas vezes em tom sério que a Gronelândia já não é deste planeta. Geralmente as pessoas não me levam a sério, mas quem viaja para a Gronelândia rapidamente percebe o que isso significa. A Gronelândia é um mundo que é de outro planeta.
Dia 13
Depois de testemunhar o fiorde gelado de Ilulissat visto do mar era hora de pegar nas botas de montanha, nos bastões de caminhada e na máquina fotográfica e ir ver o fiorde gelado por terra. O trilho Azul, com cerca de 7 km, é o melhor para apreciar a beleza deste fiorde.
A aproximação ao trilho também é feita a pé, aliás, como tudo na Gronelândia. E até aproveitamos para parar no Posto dos Correios e pedir para nos carimbarem o passaporte, já que a visita à Gronelândia não tem registo nenhum nos nossos documentos.
Antes de entrarmos nos trilhos ainda passamos por alguns dos cães do Árctico. Fizemos o trilho azul tranquilamente, aproveitando para parar e contemplar a natureza no seu melhor. Podem já ter feito muitos trilhos na vida mas, levam por garantido que, este é um dos melhores e mais belos do mundo.
O fiorde gelado de Ilulissat foi declarado Património Mundial da Humanidade em 2004 e, desde essa altura, que a cidade de Ilulissat recebe cada vez mais turistas. Um quarto de hotel básico custa 300€/noite e esse é o preço a pagar para estar num dos lugares mais belos do mundo.
O trilho azul foi transformado parcialmente num passadiço permitindo desta forma que todos aqueles que queiram conhecer esta maravilha o consigam fazer. Por isso, hoje, novos e velhos, em forma ou sedentários, conseguem aceder ao fiorde gelado de Ilulissat.
De cada vez que visito este local dou comigo a pensar no significado da vida. Aqui sinto-me tão pequena. Tão insignificante. Tenho sempre esta sensação quando aqui venho. E adoro-a! Adoro quando a natureza me reduz à insignificância. Significa que estou no lugar certo. Penso que poderia passar aqui horas a contemplar o fiorde, a ouvir o gelo rachar, a sentir o vento gelado e o ar gélido que sopra dos icebergs.
O trilho continua depois por um vale que leva a pequenas lagoas glaciares e mais à frente uma garganta de origem tectónica, terminando no local onde os gronelandeses têm os seus cães do Árctico.
Os cães do Árctico são uma espécie protegida e é proibido trazê-los para baixo do Círculo Polar Árctico ou levar outros cães para cima. Esta situação permite preservar as suas características evitando os cruzamentos.
Mas os cães do Árctico estão ameaçados. Exímios corredores e caçadores, os cães há muito que se adaptaram à vida Inuit. Puxam trenós de cães no Inverno, sendo os principais aliados dos povos inuits desde há séculos. As famílias tinham em média 20 a 40 cães, treinados para serem ágeis e velozes no Inverno, levando os caçadores para os fiordes gelados e para o interior dos manto de gelo. Ajudavam a detectar as presas e a caça-las e ficavam radiantes quando corriam as extensas distâncias sobre as noites perpétuas. Mas hoje tudo mudou…
Os fiordes gelados já não congelam muitos meses de Inverno. Agora, apenas três meses, ao contrário dos seis habituais. As motas de neve são muito mais baratas, não precisando de ser alimentadas todos os dias e consumindo apenas aquilo que gastam. As populações dos cães do Árctico têm sido reduzidas para números nunca antes vistos. Um declínio alarmante e preocupante. Os donos muitas vezes abandonam os cães pois não conseguem mais mantê-los, transformando-se estes em animais selvagens. Foi até criada a figura do “Caçador de Cães”, o homem responsável por abater os cães selvagens que atacam os lixos e povoações para sobreviver. Até aos 5 meses os cachorros podem andar livres mas depois dessa idade, se não estiverem presos, terão que ser abatidos. Esta é a face mais visível das Alterações Climáticas na Gronelândia. Este é mesmo um mundo que é de outro planeta.
Depois de tanta beleza, a noite foi passada à espera do sol da meia noite na Baía de Disco, num belo miradouro, em Ilulissat. Aqui, longe de tudo e de todos, a vida parece tão mais bela e simples. Aqui, perante a simplicidade da natureza, a Gronelândia é mesmo um mundo de outro planeta.
Dia 14
Este foi o nosso último dia em Ilulissat (e na Gronelândia) e era preciso aproveitá-lo muito bem. Da parte da manhã um grupo foi fazer o passeio de avioneta sobre o fiorde gelado e o manto de gelo (caro mas obrigatório). O resto do grupo desbravou comigo a cidade de Ilulissat, visitando o Museu Knud Rasmussen (que este ano tinha uma exposição fabulosa sobre os cães do Árctico) e o Museu de Arte. Demos uma voltinha pela cidade e juntámo-nos ao resto do grupo para almoçar.
Da parte da tarde, voltámos aos trilhos no fiorde gelado de Ilulissat, desta vez o trilho amarelo. Ainda mal tínhamos chegado à boca do fiorde e começamos a ouvir baleias na água. Corremos todos em direcção a um ponto de observação para testemunhar um show de natureza ao vivo e a cores! Duas baleias nadavam entre os icebergs, aparentemente alimentando-se do crill que ali existe.
Não sei quanto tempo ali ficamos. Acho que ninguém queria ir embora. Ver este espectáculo da natureza é uma bênção que temos que saber aproveitar.
Seguimos depois para o trilho Azul, para mais uma visão dos deuses e para nos despedirmos desta maravilha da natureza. Ainda fizemos um desvio para subir a um nunataq de onde se tem uma vista apaixonante sobre os icebergs e o fiorde gelado.
Depois, seguimos para o trilho vermelho, regressando a Ilulissat por um dos lugares onde estão guardados alguns cães do Árctico.
Para terminar estas duas semanas incríveis, resolvemos fazer um picnic do grupo no miradouro da Baía de Disco. Despedimo-nos dos icebergs, do sol da meia noite, do Árctico e da Gronelândia. Não nos despedimos uns dos outros porque pensávamos que nos íamos todos reencontrar na hora de almoço do dia seguinte, em Kangerlusuaq. Mas afinal não…
Dia 15
Era 5h da manhã quando o relógio despertou. Era preciso arranjar tudo para partir. Havia três voos a sair de Ilulissat para Kangerlusuaq de manhã, onde nos juntaríamos para embarcar no voo internacional para Copenhaga. Mas apenas o voo das 7h da manhã saiu, comigo e com outra das viajantes a bordo. O resto do grupo ficou “preso” em Ilulissat devido ao nevoeiro. Só conseguiram viajar da parte da tarde e não a tempo de apanhar o voo para Copenhaga. As despedidas ficaram por fazer. É o Árctico. É um mundo que é de outro planeta!
Já era noite cerrada quando cheguei a Copenhaga. O voo atrasou. Já não via noite há mais de uma semana, nem tanta gente nas ruas. Confesso que até o barulho me incomodou. Infelizmente, não consegui arranjar nenhum lugar para jantar, terminando a noite a comer noodles que tinha trazido do Árctico e a preparar a mochila para os meses seguintes. A Gronelândia é um mundo que é de outro planeta! Mas uma nova aventura estava prestes a começar!
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Este artigo foi realizado durante a nossa viagem de Volta ao Mundo em 2019/2020. Dia 13 a 15 – Ilulissat, um mundo que é de outro planeta | Gronelândia (Julho 2019)
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Olá, gostei muito de ler o vosso artigo sobre a Gronelandia, é uma viagem que eu gostaria de fazer, em que mês a fizeram ? Já fui ao Alasca, fascinante a natureza em gelo. Obrigada