Viajar na Gronelândia leva tempo, muito tempo. Descobrir um país que não tem estradas requer energia e paciência. E quem quer mesmo conhecer a Gronelândia, sentir o pulso ao país, perceber como funciona, o que une estes povos e como conseguem sobreviver as longos meses de Inverno isolados tem que embarcar a bordo do Sarfaq Ittuk.
O Sarfaq Ittuk é um barco de passageiros que liga o sul da Gronelândia ao centro-norte da ilha. Liga, uma vez por semana, no sentido norte-sul e depois sul-norte, as cidades de Ilulissat e Qaqortoq. Só embarcando nesta viagem se consegue perceber o isolamento dos povoados gronelandeses e a luta diária das suas gentes para sobreviver num dos lugares mais inóspitos do mundo.
O Sarfaq Ittuk sai de Narsaq às 4ª feiras à noite, dias em que a cidade fervilha de gente e animação. E foi nessa noite que embarcamos a bordo deste navio que só circula entre Maio e Dezembro, quando os fiordes estão livres de gelo.
Veja aqui as crónicas da nossa aventura no sul da Gronelândia (dias 2 a 8)
Dia 9 – A bordo do Sarfaq Ittuk
A noite a bordo foi agitada mas nada que se comparasse com o dia que ainda estava para vir!
Passei quase todo o dia deitada a bordo do barco. Enjoo imenso a andar de barco e embora isso não limite as minhas viagens, a verdade é que estes enjoos me limitam a mim. Não consigo apreciar a viagem, desfrutando dos fiordes e das paisagens. Viajo com comprimidos contra o enjoo mas nunca os chego a tomar. Parecem-me sempre um desperdício já que imagino que os vou vomitar logo de seguida. Assim, como já conheço o meu organismo sei que a única forma de não enjoar é deitada. Assim, quando o barco começa a balançar demais, recolho à minha cama e deito-me. Foi assim que passei quase todo o dia. Deitada.
Só nos momentos de paragem do Sarfaq Ittuk conseguia levantar-me e vir ao deck exterior apreciar.
O Sarfaq Ittuk neste dia faz apenas pequenas paragens, a primeira de manhã bem cedo em Asurk, um povoado tão pequeno que o barco nem consegue atracar no porto. É necessário descer um bote que fará a ligação entre a povoação. São poucas as pessoas que aqui desembarcam. É só população local.
De seguida, já ao final da tarde, chegamos a Paamiut. O barco vem atrasado e para recuperar tempo a paragem é bastante curta. Cerca de 15 minutos apenas. Voltam a entrar e sair pessoas, e apenas algumas pessoas se juntam a uma jovem guia gronelandesa para um breve passeio pela povoação. Eu aproveito o barco parado para tomar banho.
Felizmente foi apenas um dia de viagem com o mar revolto e, apesar da segunda noite também ter sido agitada, o dia seguinte amanheceu bem melhor.
Dia 10 – Em Nuuk, a capital da Gronelândia
E ao décimo dia chegamos a Nuuk, a capital da Gronelândia! Uma capital com 16 mil habitantes, trânsito, semáforos e até uma escada rolante. Uma capital de um território que não é país mas que tem pretensões de o ser. Uma capital com vida cultural que inveja muitas outras de dezenas de habitantes. Aqui tudo é mais intimista e real.
Em Nuuk visitámos o Museu Nacional da Gronelândia, subimos e descemos montes e vales em busca da fotografia perfeita e até assistimos a um casamento Inuit e a um concerto na sala de espectáculos local.
Uma só capital e tão pequena reservava-nos tantas emoções. Jantámos com glamour num restaurante da capital e aproveitámos tudo o que uma escala de 14 horas permite.
À noite, agora já quase sem noite, recolhemos ao barco para embarcar de novo na nossa aventura navegante, desta vez com mar tranquilo e céu completamente limpo para rumar aos domínios do Árctico.
Dia 11 – A bordo do Sarfaq Ittuk
Acordei com um raio de sol a bater-me na minha cara. Chamava-me para olhar pela janela. Espreitei. Do outro lado, um glaciar estendia-se pelo vale em direcção ao fiorde. Vesti-me a correr, nem lavei os dentes, calcei as botas e subi para o deck exterior do barco. Estávamos a atravessar os canais estreitos dos fiordes e o manto de gelo espreitava do nosso lado direito. Do lado esquerdo, ilhas montanhosas e com tons coloridos escondem mitos e lendas inuits.
Uma Gronelândia cheia de mitos vive nestas montanhas e fiordes. Contos e sagas que lembram história de bravura, amor e devoção. A vida dos habitantes da Gronelândia também se compreende nos seus mitos. Mitos como o da “Mãe do Mar”, um dos mais belos.
A Mãe do Mar é a mais venerada “deusa” Iniut que reuniu todos os animais que os Inuit costumavam caçar nos seus cabelos. Mas um dia soltou-os no mar e tudo ganhou vida. Ursos, raposas, focas, morsas, narvais e todo tipo de pássaros voltaram ao mar e a alimentar o povo. A moral da história é que as pessoas não devem ser gananciosas e devem respeitar os costumes da sociedade e a palavra do Xamã.
Da parte da tarde entrámos oficialmente no domínio do Árctico, cruzando o Circulo Polar Árctico – 66º33′ N. A partir de ali o sol deixará de se pôr nesta altura do ano. Estamos nas terras dos dias com 24 horas de luz solar.
Mas o dia ainda nos reservou outra surpresa. Chegámos ao final da tarde a Sisimiut, a segunda maior cidade da Gronelândia com mais de 5 mil habitantes.
Aproveitámos para comer hambúrgueres deliciosos num boteco de pecadores, isto depois de dar uma volta pela cidade. Não sei se é da fome ou da vida a bordo de um barco mas, a verdade é que estes são, para mim, os hambúrgueres mais saborosos que já comi na mundo.
De regresso ao barco, seguimos em direcção a norte mas desta vez sempre com o sol por companhia. O frio apertava mas mesmo assim ainda viemos assistir ao nosso primeiro sol da meia noite no deck exterior. Mais um momento inesquecível e extraordinário.
Dia 12 – A bordo do Sarfaq Ittuk e a chegada a Ilulissat
Outro raio de sol acordou-me! Pensei “o que me reserva esta janela hoje”? Olhei. Um iceberg gigantesco atravessava-a no horizonte. Voltei a correr escadas acima, desta vez em tshirt e de calças finas. Custou um bocado mas valeu a pena! Estávamos a entrar no fiorde gelado de Ilulissat e aquilo que ia acontecer mais ninguém esquece.
O fiorde gelado de Ilulissat é um dos lugares mais extraordinários do mundo. O vale talhado pelo glaciar durante as últimas glaciações foi posteriormente inundado pela subida do nível médio das águas do mar que aconteceu no final da Era Fria. Este vale passou a designar-se por fiorde.
No entanto, na entrada do fiorde existe uma moreia submarina (forma de depósito de origem glaciar) que reduz a profundidade do fiorde. O fiorde atinge mais de 1000 metros de profundidade e na zona da moreia tem apenas 250 metros. Esta situação provoca o acumular de icebegrs na entrada do fiorde que ali permanecem durante anos. Como os icebegs têm 90% da área submersa, estes ficam encalhados na moreia, aguardando derreterem para um tamanho suficientemente pequeno para conseguirem passar. Entretanto parecem prédios de gelo, compactados e encalhados entre as vertentes do vale. Esta paisagem já não é deste mundo. E é um prazer testemunhá-la.
Chegar a Ilulissat a bordo do Sarfaq Ittuk é testemunhar a entrada dos icebergs no fiorde gelado. É a experiência de uma vida.
Uma vez em Ilulissat, aproveitámos a tarde para preparar as aventuras dos próximos dias mas também para conhecer um pouco da terceira cidade Gronelandesa e que graças ao turismo vê a sua população crescer. Mas sobre esta maravilha da natureza vou-vos contar nos próximos dias.
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Este artigo foi realizado durante a nossa viagem de Volta ao Mundo em 2019/2020. Dia 9 a 12 – Viajar nos fiordes da Gronelândia no Sarfaq Ittuk | Gronelândia (Julho 2019)
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