Depois dos dias passados no sul da Gronelândia, estava na altura de passarmos à fase seguinte da nossa “expedição”, ou seja, viajarmos no Sarfaq Ittuk em direcção a norte, percorrendo mais de 1000 km ao longo da costa oeste, desde Narsaq até Aasiaat. A Arctic Umiaq Line opera um ferry semanal que faz a ligação entre Qaqortoq (um pouco a sul de Narsaq) e Ilulissat (um pouco a norte de Aasiaat, na baía de Disko) desde Maio a Dezembro, servindo essencialmente os habitantes locais, uma vez que na Gronelândia não existem estradas que liguem localidades, ou seja, a via marítima é a essencial, por vezes única, na ligação entre cidades, uma vez que só as maiores têm aeroporto ou heliporto.
Durante o verão, o ferry Sarfaq Ittuk também serve como cruzeiro para os turistas que querem fazer a ligação sul-norte (ou vice-versa) e que, como nós, põem de parte a ligação aérea.
1º dia: Narsaq – Qaqortoq
Quando nos dirigimos ao porto de Narsaq, um pouco antes da hora de chegada do Sarfaq Ittuk, éramos quase só nós e um casal suíço. Mas quando se começou a vislumbrar o barco ao fundo do fiorde, o porto depressa se encheu com pessoas que recebiam os seus que chegavam, e outras que esperavam embarcar. Como iríamos descobrir ao longo da viagem, a chegada/partida do ferry é um grande acontecimento em terras pequenas.
Embarcamos às 21.30h e fomos encaminhados para os nossos aposentos, duas camas em beliche num dormitório parecido com aqueles em que costumamos dormir em viagens de comboio. As condições de acomodação são bastantes boas, mas devo confessar que me senti um pouco como o Di Caprio no Titanic: as classes da sociedade estavam divididas verticalmente no barco e também nós estávamos no último andar do fundo do barco!
Dois andares acima, situam-se as áreas comuns do navio, nomeadamente o café-restaurante, a sala de convívio (com janelas panorâmicas na parte de trás do navio) e a sala de cinema. Tudo em ponto pequeno, uma vez que o barco não é muito grande (tem capacidade para 250 passageiros), mas com qualidade e conforto para uma viagem de vários dias.
Partimos às 22.00h e duas horas depois atracamos em Qaqortoq, o porto mais a sul do ferry, e aqui passamos a noite.
2º dia: Qaqortoq – Paamiut
Acordamos cedo pois queríamos ver Qaqortoq, nem que fosse apenas a partir do barco, antes que ele partisse (às 8.00h). A cidade é a maior do sul da Gronelândia, e tem uma bonita localização, com as casas encavalitadas em montes de vertentes inclinadas. Um pouco ao largo está um enorme barco de cruzeiro com o qual nos iríamos cruzar várias vezes durante a viagem.
Depois de partirmos, o Sarfaq Ittuk segue pelas águas calmas dos fiordes e cruzamo-nos ocasionalmente com um icebergue. A ponta sul da Gronelândia forma uma reentrância na costa, por isso o barco demora toda a manhã a chegar à costa oeste, dirigindo-se então a norte.
Cerca das 16.15h, atracamos na nossa 2ª paragem, a pequena cidade de Arsuk, localizada numa região com picos montanhosos de grande dimensão, a maioria exibindo as marcas da passagem do gelo por estas bandas em épocas passadas. Actualmente, só se vê o manto de gelo de vez em quando, a espreitar no horizonte. O porto de Arsuk é de baixa profundidade, por isso o Sarfaq Ittuk pára a uma certa distância e um pequeno barco é lançado à água para fazer o transporte de passageiros de/para o porto. Este movimento é seguido com atenção pelos passageiros do barco, locais e turistas, assim como pelas pessoas no cais de embarque e por algumas que se aventuram em pequenos barcos que se aproximam do nosso.
Deixando Arsuk para trás, entramos em mar aberto, em direcção à cidade de Paamiut. O tempo continua bom, e o mar corresponde, com pequena ondulação que quase não se sente. De um lado podemos admirar sempre o recortado da costa e do outro a expansão sem fim à vista do estreito de Davis, entre a Gronelândia e o Canadá.
Resolvemos experimentar o jantar no Sarfaq Ittuk, mas fomos enganados por um menu apenas em dinamarquês, e acabamos por pagar 325 DKK, aproximadamente 45 €! Nos próximos dias, vamos ter de poupar…
Chegamos a Paamiut às 23.00h e só estamos atracados meia hora. Não dá para apreciar uma vista da cidade, e o porto é muito parecido com o de Narsaq ou Qaqortoq, com o mesmo tipo de movimento. Regressamos aos nossos aposentos, pois amanhã o dia a bordo do Sarfaq Ittuk começará cedo.
A bordo do SARFAQ ITTUK (de Nuuk a Sisimiut e Aasiaat) pela costa oeste da Gronelândia a bordo – Parte II
3º dia: Qeqertarsuatsiaat – Nuuk
Atracamos às 7.00h em Qeqertarsuatsiaat, uma pequena vila piscatória. Queríamos dar uma vista de olhos, ainda que rápida, pois só tínhamos meia hora. O problema é que tudo estava sob um manto espesso de nevoeiro, ninguém andava na rua (com excepção de pessoas que se dirigiam para o Sarfaq Ittuk) e não se via nada em direcção do mar. Regressamos a correr pois fizemos um percurso circular e com o nevoeiro receamos enganarmo-nos no caminho e ficar ali abandonados uma semana!
Voltamos às nossas camas e dormimos mais um pouco. Ao almoço comemos umas sandes e às 15.00h atracamos em Nuuk, a capital e de longa a maior cidade do país, com cerca de 17000 habitantes. A sua dimensão, o facto de estar bastante espalhada e os números prédios de apartamentos tornam a cidade muito pouco característica, mas por outro lado, e para variar um pouco, permite-nos fazer um circuito urbano e visitar o Museu Nacional da Gronelândia e a parte histórica da cidade, mas também um centro comercial e jantar pizza num restaurante italiano.
O tempo estava bastante nublado, com algum vento, e estava bastante frio. Afinal estamos a andar a passos largos para norte…
Percorrendo boa parte da cidade a pé, retornamos ao porto onde ainda admiramos os barcos de pesca à baleia, assim como o barco da Marinha dinamarquesa com o príncipe a bordo, e depois regressamos ao barco. Aqui é possível aceder à internet (por satélite) mas a ligação é lenta e cara, mas ainda assim tentamos actualizar sempre que possível o Viajar entre Viagens, quer no facebook, quer no próprio blogue.
4º dia: Maniitsoq – Sisimiut
De manhã cedo (7.00h) atracamos em Maniitsoq, mas como o tempo continuava nublado, resolvemos não descer e continuar a dormir. Durante a manhã, e de acordo com o que lemos, passamos por paisagem montanhosa de fiorde, mas a verdade é que o nevoeiro só deixava ver um vislumbre das montanhas na costa.
Chegamos às 11.30h a Kangaamiut, outra localidade em que o barco mais pequeno voltou a entrar em acção, fazendo a ligação entre o Sarfaq Ittuk e o porto.
Durante a tarde o tempo continuava negro e o mar começava a estar bastante agitado. Cruzamos o Círculo Polar Árctico (66o, 33’ N) cerca das 17.00h, sendo esta zona caracterizada por centros de baixas pressões permanentes, que se traduzem em mau tempo, com chuva, vento e mar alterado. O dito cujo não ficou atrás da sua reputação, sendo que o céu negro e o balançar do barco proporcionavam boas oportunidades de passeio no convés, nem que fosse para arejar ou para fazer um pequeno filme.
Às 18.30h, atracamos em Sisimiut, a 2ª maior cidade do país, e aquela mais a norte cujo porto se mantém livre de gelo o ano inteiro. Como ameaçava chover (e como veio a acontecer um pouco depois!) e só tínhamos 2 horas e meia, ficamos pela zona junto ao porto, onde visitamos a parte histórica da cidade, referente ao 1º povoamento europeu, e onde aproveitamos para jantar uns hot-dogs. Quando regressamos ao Sarfaq Ittuk, já chovia com bastante intensidade, e fomos para o café.
Saímos de Sisimiut às 21.00h e durante o pouco tempo que o barco se deslocou ao abrigo dos fiordes, o mar manteve-se com uma ondulação aceitável. Mas quando entramos em mar aberto e o barco começou a virar para norte, começamos a embater em ondas com uma dimensão considerável e o barco balançava violentamente. Estávamos no café-restaurante e as cadeiras presas ao chão e a cobertura antiderrapante no tampo das mesas não chegavam para a encomenda.
O barco balançava de lado, inclinando-se de tal modo que, de um lado as ondas batiam nas janelas, e do outro se conseguia ver ao fundo quase na vertical. E quando se apanhavam as ondas de frente, o barco subia, parava por uns instantes e depois parecia cair em queda livre no ventre da onda. A Carla recolheu ao quarto e eu tentei acabar de passar um post para o computador. Mas não estava fácil… Pouco depois decidi juntar-me a ela. Ao sair do café, não consegui agarrar-me e fui empurrado violentamente por 2 vezes contra as paredes. Desci a custo as escadas e fui encontrar a Carla muito mal disposta. Já tinha vomitado após ter sido empurrada para fora da cama!
Depois de ajudar a Carla, fui ao convés para tomar um pouco de ar. Pareceu-me que as ondas já não eram tão grandes, mas o Sarfaq Ittuk ainda balançava bastante. Quando desci, a Carla já tinha vomitado novamente! Mas como a situação parecia acalmar, ainda tive coragem de ir tomar um duche (com alguma ginástica!) antes de me ir deitar.
5º dia: Aasiaat
A noite foi bastante agitada até cerca das 4.00h, por isso o descanso foi pouco. Chegaríamos ao nosso destino às 8.00h, por isso levantamo-nos cedo para organizar as mochilas e estar prontos para sair. O Sarfaq Ittuk continuava para Ilulissat, onde chegaria às 13.00h, mas nós queríamos explorar com um pouco mais de pormenor a baía de Disko e parar em terras mais pequenas antes de nos dirigirmos à cidade grande da baía.
Ao sair do Sarfaq Ittuk, a cidade de Aasiaat recebeu-nos com uma neblina que gelava até aos ossos… Afinal estávamos a mais de 68o N! Tínhamos chegado ao fim de 5 dias ao fim da nossa viagem rumo a norte. Aqui, quase a 300 km acima do Círculo Polar Árctico, começava uma nova fase da nossa viagem.
No dia anterior tinha-me informado acerca das previsões meteorológicas para a baía e esperava-se céu limpo ou pouco nublado a partir do meio da manhã e em todo o dia a seguir. A partir daí, o mau tempo regressaria. Se assim fosse, tínhamos de aproveitar os próximos dois dias ao máximo. Vamos lá então!
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