Na nossa viagem pelo Sul da Gronelândia, estivemos a fazer um trilho de seis dias em autonomia desde Narsasuaq até Sarsaq, passando por Igaliku, Qassiarsuk, Tasiusaq, Itilleq, Sillisit e Nunataq. São esses trilhos no sul da Gronelândia, ao longo de um trekking de 6 dias, que vamos partilhar neste artigo.
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1º dia de trek: Narsarsuaq – Itilleq – Igaliku
Com as mochilas grandes guardadas no Blue Ice Café, tivemos que nos restringir a duas mochilas que levam tudo aquilo que iremos precisar para 6 dias de trek em autonomia. Essa tarefa seria simples não fossem os sacos-cama snow-leopard da TheNorth Face, com isolamento Climashield, ocuparem mais de metade de cada mochila. Assim, com tenda, tachos, gás e apenas uma muda de roupa para dormir, as mochilas ficaram cheias, deixando muito pouco espaço para a comida. Optamos por levar o mínimo de comida possível e tentar comprar nos povoados que fossemos passando pelo caminho.
Mochilas prontas, despedimo-nos do John no porto e apanhamos o barco de Narsarsuaq para Itilleq. Uma hora depois atracávamos na pequena baía. À nossa espera estava um rapaz do Gandar Hostel, o hostel onde vamos dormir esta noite em Igaliku, ao qual passamos as mochilas, permitindo-nos ficar apenas com uma barra energética e a roupa do corpo de forma a fazer o trekking das quedas de água.
De Itilleq a Igaliku são apenas 4 km de estrada de terra batida, mas nós resolvemos não fazer esse percurso e, em vez disso, seguir um trilho de trekking que se inicia numa quinta verdejante e florida, seguindo pela margem do fiorde de Erik até alcançar as quedas de água. Seriam, na teoria, cerca de 17 km.
Passamos uma primeira queda, que tivemos que transpor, e depois encontramos o rio principal, o qual seguimos sempre em direcção ao lago 380 (que por acaso no nosso mapa aparece cartografado à cota 375). Esta parte do percurso é fantástica e começamos a cruzar várias cascatas pelo caminho, umas mais altas, outras menos, algumas bastante interessantes, nomeadamente um troço em que a água escorre sobre um filão de quartzo e quartzito com vários rápidos.
A subida das quedas é algo cansativa já que se ascende cerca de 400 metros de desnível até alcançar a borda do lago. Quando chegamos ao lago, já cansados, paramos nas suas margens e aproveitamos o belíssimo dia de sol para relaxar e almoçar (a dita barra energética que desapareceu num ápice).
Mas, o percurso tinha que continuar. Daqui para a frente seria ainda mais difícil. O mapa dava-nos um trilho que passava na base da montanha de Nuuluk (824 m) mas nós nunca conseguimos encontrá-lo. Subimos as montanhas circundantes, sensivelmente até à cota 600 m, mas só encontrávamos escarpas altíssimas e onde a descida era, para além de vertiginosa, perigosa com rochas completamente polidas. Sendo assim, subimos um pouco mais até chegar a um local onde pudemos ver o estradão que liga Itilleq a Igaliku e “desenhar” um trilho possível para interceptá-lo. A subida foi extenuante.
Alcançamos uma ravina e foi por aí, entre rocha fracturada e solta, com alguns pedaços de rocha polida, que descemos a montanha. Mas, para chegar ao estradão ainda havia que cruzar uma turfeira activa, com tufos de gramíneas e completamente alagada. Passada a turfeira chegamos finalmente ao estradão de terra. Com o entusiasmo de ter alcançado terra firme dei um passo em falso e enterrei uma perna em lama até ao joelho. Nada de especial. Com o calor do dia, a lama rapidamente secaria e seria fácil de tirar.
Seguimos o estradão e alguns quilómetros mais à frente chegávamos ao miradouro de Igaliku. Que vista soberba! Igaliku é uma típica povoação do sul da Gronelândia, com 40 habitantes e pouco mais do que uma dezena de casas coloridas. É um lugar lindo, rodeado de campos verdejantes e floridos na margem do fiorde de Einar, com águas azuis turquesa.
Com apenas uma barra energética ao almoço, não resistimos a parar no café do hotel de Igaliku e a comer umas sandes. Estávamos completamente famintos e fracos depois de 7 horas de caminhada e cerca de 20 km caminhados.
Relaxados, voltamos a pegar nas mochilas, atravessamos o povoado e chegamos ao nosso refúgio, onde tomamos um maravilhoso banho, preparamos o jantar e descansamos. Amanhã seria o 2º dia de trek e as dormidas em refúgios chegavam ao fim. A partir daqui, ficaríamos na nossa tenda.
TREKKING NO SUL NA GRONELÂNDIA – 2º dia: Convivendo com os gelos flutuantes no BLUE ICE CAMP
Embora a bonita povoação de Igaliku convidasse a que ficássemos por alguns dias, o nosso itinerário estava delineado e tínhamos de seguir caminho. À nossa frente, estava uma caminhada, ligando Igaliku ao Blue Ice Camp (nas margens do fiorde), de duração previsível de 4-5 horas, e menos exigente do que o do dia anterior. No entanto, seria feito com as mochilas, o que acrescentaria um grau de dificuldade considerável. O nosso objectivo era alcançar o Blue Ice Camp, junto às águas do fiorde repletas de icebergues libertados pelo glaciar Qooqqup Semiat, onde montaríamos a tenda e passaríamos a noite. No dia seguinte, um barco viria buscar-nos, ao início da tarde, para nos levar para Qassiarsuk.
O dia em Igaliku amanheceu um pouco cinzento, e começamos a caminhar cerca das 8.30h, seguindo o percurso marcado por pintas vermelhas, junto ao bordo do fiorde de Igaliku. A paisagem era bonita, mas sem as cores proporcionadas pelo sol. Após chegarmos ao fundo do fiorde, encontrámos um curso de água e seguimo-lo. O peso das mochilas fazia-se sentir e seguíamos num ritmo um pouco lento, mas constante. No fim do curso de água, encontramos um lago com um nome pouco original, Lago 35, devido à sua altitude. Até aqui o percurso foi praticamente plano, e durou quase 2h.
Aqui descansamos um pouco e comemos um pedaço de chocolate. A seguir, iniciamos a subida por um vale que nos levaria à cota de 240 m, num planalto sobranceiro ao fiorde gelado. A subida não era muito íngreme, mas com as mochilas custou um bocado, apesar de ter sido rápida (40 min).
Já no planalto, alcançamos um miradouro, que já nos permitia ter vistas fantásticas dos icebergues e do glaciar ao fundo. Era perfeitamente visível um arco de icebergues, que na realidade estão encalhados numa moreia submergida. A maioria dos caminhantes faz o percurso apenas até aqui e depois regressa a Igaliku. Nós iríamos continuar, mas como estávamos com bom ritmo e tínhamos o dia todo pela frente, resolvemos parar e comer o almoço mesmo ali, cozinhando uma espécie de hot-dogs. Depois de comer, deitamo-nos um bocado a apreciar as vistas e o sol que começava a espreitar.
Mas estava na altura de continuar, e descer para o acampamento. A descida era vertiginosa, serpenteando pelas escarpas quase verticais, e tinha de ser feita com muito cuidado, pois com o peso das mochilas, um pé em falso poderia ser muito perigoso. Ainda assim, ao longo de descida, paramos muitas vezes para tirar fotos pois o sol começava a brilhar mais.
Quando chegamos à praia (sim, praia!) de areia grossa depositada pelo glaciar e pelo mar, seguimos as marcas até encontrarmos o abrigo da Blue Ice Camp, um abrigo pré-fabricado de alumínio que serve de abrigo de emergência no caso de muito mau tempo, junto ao qual montamos a nossa tenda, devidamente ancorada com pedras, não vá os ventos vindos do glaciar fazerem das suas. Descansamos um pouco no Blue Ice Camp deitados nos maravilhosos sacos cama Snow Leopard, The North Face, com isolamento Climashield, e depois fomos dar um passeio pela praia, pois o céu estava agora quase completamente limpo.
Os icebergues flutuantes e aqueles encalhados na praia davam um ar surreal à paisagem, acrescentando ao facto de estarmos completamente sós (estaríamos mais de 24h sem ver outra pessoa). Sem dúvida, um dos locais mais espectaculares onde alguma vez acampamos! Até recolhemos gelo da praia para derreter e fazer o chá, não das cinco, mas das oito.
Regressados à tenda no Blue Ice Camp, usamos algum do material do interior do abrigo para montar a mesa e cadeiras para o jantar, uma massa à bolonhesa (instantânea, claro, mas muito saborosa). Como o sol já se tinha escondido atrás de nuvens no horizonte, e o frio estava a intensificar-se, recolhemos à tenda. O céu estava a ficar bastante nublado e ameaçava chover… E choveu mesmo. Toda a noite!
E por vezes com vento forte, que abanava a tenda, como que pondo à prova o material e a nossa montagem. Mas ambos se portaram bem, e de manhã, embora ainda chovesse (com pouca intensidade), apenas a capa exterior da tenda estava molhada. A paisagem é que já não parecia a mesma… Ainda bem que tínhamos aproveitado bem o dia anterior! Mas o trek tinha que continuar.
TREKKING NO SUL DA GRONELÂNDIA – 3º dia: Do Blue Ice Camp a Qassiarsuk e Tasiusaq
Choveu durante toda a noite e houve momentos em que o vento soprou bastante forte. Quando acordamos a chuva não cessou e por isso resolvemos arrumar tudo o que tínhamos dentro da tenda e colocar as coisas no abrigo. Durante a manhã passamos o tempo a colocar a bagagem em sacos-plásticos, prevendo que o dia iria continuar assim.
Ao pequeno-almoço comemos as últimas tostas que tínhamos pelo que em Qassiarsuk teremos, impreterivelmente, de comprar pão, tostas ou bolachas. Depois do pequeno-almoço, e porque não parava de chover, resolvemos desmontar a tenda e coloca-la a secar no abrigo. A manhã foi passando, sem que a chuva dê-se tréguas, sempre com vento e nuvens negras. Às 13 h começamos a fazer o almoço e o tempo começou a abrir. Pegamos logo na tenda e estendemo-la fora do abrigo na esperança de que secaria melhor antes de sairmos. Não ficou completamente seca mas às 14 h, quando acabamos de almoçar, já estava bastante melhor.
Guardamos tudo nas mochilas e descemos para a praia. Eram 15 h quando um barco nos veio buscar para nos levar para Qassiarsuk. O barco contorna os icebergs no fiorde e ocasionalmente escuta-se o embate do casco no gelo. Mais uma viagem memorável.
Quando chegamos a Qassiarsuk já havia sol e a povoação de 30 habitantes mostrava todo o seu esplendor. Ficamos lá muito pouco tempo, apenas o suficiente para perceber que o supermercado estava fechado (o que iria ser um problema porque ainda nos faltavam 3 dias de trek e já não tínhamos pão nenhum) e para tratar de arranjar canoas para amanhã fazer canoagem no fiorde. Num rasgo de desespero conseguimos comprar um mini-pão de forma caseiro a uns espanhóis por 5€.
Deixamos para trás Qassiarsuk, uma povoação típica da Gronelândia que mais não é do que duas ou três quintas agrícolas, cujos proprietários, desde os tempos dos vikings continuam aqui a sua actividade.
Começamos o trek a caminho de Tasiusaq, cerca de 7 km de trilho de terra batida, sempre bem visível na paisagem. A cerca de 3 km de percurso, sempre a subir, chega-se a um ponto onde se vê um fiorde de cada lado da elevação. Daí para a frente começamos a descer para Tasiusaq, e ao fim de algumas centenas de metros já se vê uma quinta nas margens do fiorde.
Tasiusaq é um povoado ainda mais pequeno do que aqueles que temos passado. Aqui só existe uma quinta e três casas e tem uma população de 10 habitantes. É um lugar absolutamente tranquilo e irreal. É encantador e as flores rosa e lilases que ladeiam o caminho dão-lhe um ar completamente idílico.
Quando chegamos ao povoado seguimos para as margens do fiorde onde montamos a tenda numa pequena baía cheia de icebergs. O sol começou a descer e enquanto cozinhávamos o jantar com gelo derretido, o frio começou a apertar deixando-nos completamente gelados. Estava na altura de recolher à tenda. Amanhã esperava-nos mais um dia em cheio.
TREKKING NO SUL DA GRONELÂNDIA – 4º dia: Tasiusaq – Nunataaq
Encontro-me a escrever esta crónica junto à nossa tenda, montada ao lado de um lago, no meio de montes verdejantes, ovelhas que pastam, mosquitos que esvoaçam, e ribeiros de água que correm em direcção ao lago mais próximo. O sol, fiel companheiro durante o dia, está quase a esconder-se atrás de uma montanha. Não há um sinal de presença humana, excepto uma cerca próxima. Tem sido assim nos últimos dias na Gronelândia.
Hoje de manhã, acordamos na margem de uma baía junto a Tasiusaq, repleta de pequenos icebergues, de onde retirei o gelo para fazer o chá da manhã. A noite foi um pouco fria, mas sem chuva ou vento. Esta manhã temos planeada uma caminhada para ver a frente do glaciar que liberta todo este gelo. É um percurso não muito difícil, quase sempre seguindo o recortado do fiorde, mas o problema é que não temos muito tempo, pois às 12.30h temos de estar de volta para uma volta de kayak na baía, por entre os icebergues. Este tipo de meio de deslocação teve origem nos povos nativos da Gronelândia, por isso é adequado que o façamos aqui, embora por motivos recreativos.
Saímos só às 8.00h, pois o cansaço não facilitou o levantar do saco-cama, por isso era preciso andar de forma rápida e constante, pois a duração do trek era 4-5 h. Durante o percurso fomos passando por sucessivas baías, com cada vez mais e maiores icebergues, das mais diferentes formas e tons de azul. O miradouro para ver o glaciar parecia sempre iludir-nos. Sabíamos que era no colo entre 2 montanhas, mas quando subíamos a um ponto alto, havia sempre uma colina mais alta à nossa frente.
Apesar do tempo escassear, teimamos em seguir em frente e finalmente, com 2.15h de caminho, pudemos vislumbrar ao fundo o glaciar a descer em cascata do manto de gelo e à sua frente um imenso mar (fiorde) repleto de gelo e icebergues que cobriam toda a superfície da água.
Nesta zona, teria sido interessante aproximarmo-nos mais e até poderíamos ver outro glaciar próximo, mas o nosso tempo estava esgotado. Tínhamos de regressar o quanto antes para estarmos de volta a Tasiusaq a tempo do kayak. Regressamos, sempre a andar, quase sem tirar fotos (o que aborreceu, e muito, a Carla!) e chegamos a tempo.
Tínhamos combinado com a empresa espanhola Tarmisiut Expeditions, em Qassiasurk, e a guia já nos esperava junto a uma enseada perto da nossa tenda. Depois de uma breve explicação e de vestirmos o vestuário adequado, lá fomos nós, juntamente com um casal italiano e duas guias. O percurso é feito lentamente e conforme progredimos, os icebergues vão sendo mais imponentes e bonitos.
Temos de manter sempre uma distância de segurança, pois se um icebergue parte, pode virar-se e cair em cima de um kayak mais aventureiro, ou então as ondas resultantes podem virar o kayak. Mas seguimos sempre o exemplo das guias e desfrutamos em segurança de um cenário absolutamente fabuloso. Era uma perspectiva do gelo que nos faltava…
Regressados do kayak, não era tempo de descanso! Desmontamos a tenda, comemos o almoço (pão, queijo e chouriço) e partimos para a última caminhada do dia, em direcção a Nunataaq, uma quinta próxima, também nas margens do fiorde.
O percurso custou-nos pois já estávamos cansados e tínhamos as mochilas às costas, mas a beleza da paisagem aliviava um pouco a carga. Rodeamos a baía, aos altos e baixos, seguindo o percurso marcado nas rochas e ao fim de 1 hora e meia chegamos: a visão de 3 casas indicava que era Nunataaq.
O único habitante que vislumbramos escondeu-se dentro de casa quando nos viu ao longe. Os seus cães (amistosos) foram os únicos que vieram dar-nos as boas vindas. Como no dia seguinte partiríamos de um ponto mais à frente, subimos a estrada até encontrarmos um bom sítio para acampar (fora da zona de campos cultivados) e recolher água para cozinhar. E é aqui que me encontro.
O sol fez a sua despedida e o frio está a instalar-se. Está na altura de recolher à tenda e ao saco-cama. Amanhã, temos mais montes, ovelhas e caminhada pela frente. E sem pessoas. A Gronelândia é assim…
TREKKING NA GRONELÂNDIA – 5º dia: Nunataaq – Silissit
Caminhar na Gronelândia pode ser um verdadeiro deleite para a vista, mas não é para qualquer um. Hoje, depois de tomarmos o pequeno-almoço e desmontarmos a tenda, iniciamos o trek do dia. Tinhamos como objectivo a quinta de Silissit, nas margens do fiorde oposto, Eriksfjord. Começamos a caminhar às 9.00h e à partida sabíamos que o dia não ia ser fácil.
O trilho não está marcado e, além disso, não é fácil oreintarmo-nos pela carta já que vamos atravessar um terreno cheio de lagos glaciares, sendo estes às dezenas, com formas e tamanhos muito variados. Começamos o trek com uma subida, fazendo nas primeiras centenas de metros cerca de 300 m de desnível. O tempo esteve quase sempre encoberto, e mesmo assim, no final da subida tinha a roupa toda molhada e sentia o suor a pingar-me do cabelo.
Sabíamos que na zona dos lagos não podíamos baixar a cota que tínhamos atingido, já que se descessemos para os lagos o percurso seria muito mais duro. Tentamos manter a cota e contornamos os vales, sempre a cerca de 300 m, mas a determinada altura enganamo-nos no local onde estávamos. Os lagos são às dezenas e alguns são muito semelhantes e chegamos a pensar que estávamos mais perto de Silissit do que na realidade estávamos.
Aqui descemos de cota e começamos a progredir em terreno de turfeira, alagado e com escorrência hipodérmica (a água escorre por baixo de uma fina camada de solo e ervas gramíneas). Este terreno estava cheio de buracos e volta e meia um pé resvalava-nos. Isto desmotivou-nos um bocado porque parecia que nunca mais interceptávamos uma estrada de tractor que estava representada no nosso mapa. Entretanto já tínhamos desistido de identificar os lagos que passávamos pois as suas formas já não correspondiam a nenhuma das que apareciam no mapa.
Paramos para almoçar. Eram 13h e o percurso tinha sido duro, com apenas ovelhas como companhia. Já mais animados e de barriguita composta, regressamos ao caminho e voltamos a encontrar uns trilhos de ovelhas e resolvemos segui-los até um ponto alto onde pudéssemos controlar o local onde estávamos. Mais ou menos orientados, começamos a descer em direcção a uma linha de água e um dos lagos que conseguimos identificar.
Estávamos no trilho certo e aí conseguimos cruzar um rio (com água o suficiente para nos molhar as botas) e encontrar a estrada de tractor. Estávamos no sítio certo e a poucos quilómetros de Silissit. Mas encontrar o povoado também não é fácil.
Silissit é na realidade uma quinta, com 4 casas, uma das quais um armazém agrícola. Uma das outras é o hostel onde ficaremos esta noite, enquanto a primeira casa que passamos pertence aos donos da quinta e do hostel. Estes lugares da Gronelândia são curiosos, tão pequenos que se nos distrairmos nem os vemos.
Chegamos ao hostel às 15h. O dia acabou por correr bastante bem e chegamos cedo. Pousamos as nossas mochilas no alpendre e estivemos à conversa com um casal dinamarquês que vive em Nuuk. Sabe bem descansar e relaxar ao fim de 7h de caminhada!
Passado algum tempo, chegou a Edna, a dona do hostel, uma inuit muito simpática e que nos recebeu muito bem. Aproveitamos o wc com duche quente, a cozinha, a sala aquecida e um quarto só para nós para nos mimarmos um pouco. Sabe muito bem chegar a um lugar quente ao fim de vários dias de trek e noites dormidas na tenda ao lado de icebergs. Sim, nós às vezes também precisamos de um bocadinho de conforto! Amanhã seria um novo dia.
TREKKING NO SUL DA GRONELÂNDIA – 6º dia: Silisit – Narsaq
No nosso último dia de circuito pela região, o nosso destino era a cidade de Narsaq, a 2ª maior cidade do sul da Gronelândia, com cerca de 1700 habitantes. Acordamos em Silisit, e após tomado o pequeno-almoço e organizadas as mochilas, estávamos prontos para apanhar o barco que nos levaria a Narsaq. Seria também o nosso reencontro com as nossas duas outras mochilas que tínhamos deixado há seis dias no Blue Ice Café, em Narsarsuaq, e que viriam no barco ter connosco (estávamos nós a fazer figas…).
Quando às 9.00h descemos para o local de embarque, a nossa anfitriã, Edna, juntou-se a nós e ainda tivemos tempo de conversar um pouco. Ela e a família passam aqui o ano todo, de verão ceifam o feno e recebem turistas, de inverno reúnem as ovelhas e sobrevivem ao clima rigoroso que por vezes isola a quinta, gelando as águas do fiorde e impedindo a navegação.
A viagem entre Silissit e Narsaq é muito bonita, tenso sempre como pano de fundo os icebergues e as vertentes do fiorde, e dura entre 45 minutos e 1 hora. Antes de chegar ao porto, vemos já sinais de civilização: cabos de alta tensão atravessam de um lado para o outro do fiorde.
A cidade tem claramente uma dimensão diferente daquela que já nos tínhamos habituado na Gronelândia, mas tem uma disposição harmoniosa com a paisagem circundante, tendo a quase totalidade das construções no máximo 1 andar e rés-do-chão, com a excepção de alguns prédios que se distinguem no “skyline”. A maioria das casas é de madeira e estas são pintadas com cores vivas (vermelho, azul, amarelo ou verde), colorindo a paisagem e fundindo-se com as montanhas verdejantes.
Saímos do porto e dirigimo-nos à Guesthouse Nirvirsiaq, gerida pelo casal do Hotel Narsaq. Ficamos num quarto com uma vista fantástica para o fiorde mas saímos logo a seguir para fazer compras e dar uma volta pela cidade. Ao contrário da última semana, pudemos desfrutar de supermercados, uma caixa ATM, mercearias e um mercado de peixe. Como estaríamos na cidade quase dois dias completos (apanharíamos o ferry para norte no dia seguinte às 21.30h) e a Guesthouse tinha uma boa cozinha, decidimos caprichar na comida caseira.
Sendo assim, programamos três refeições em casa, sendo uma delas especial: na Gronelândia, sê gronelandês, por isso resolvemos experimentar carne de foca e baleia, comprada no mercado de peixe. Estes dois animais formam a base da alimentação dos locais, sendo a sua carne muito rica em proteínas.
Como não tínhamos grelhador, experimentamos frito em manteiga e temperada apenas com sal e um pouco de pimenta. E que bem que nos soube! A carne de baleia sabe mais a mar, e ambos gostamos mais da carne de foca, mais saborosa e tenra.
Aproveitamos o tempo na cidade também para pôr o trabalho do Viajar entre Viagens mais em dia e para dar notícias para casa.
Narsaq foi assim um porto seguro e acolhedor na transição entre duas fases diferentes da nossa viagem: das caminhadas e campismo no sul, para uma viagem de ferry de 5 dias que nos levaria 1200 km (e oito graus de latitude) mais a norte na Gronelândia, atravessando o Círculo Polar Árctico e aproximando-nos do verdadeiro árctico.