Durante oito dias percorremos a Geórgia e a Abecásia, numa aventura a dois que muito nos enriqueceu. O roteiro e relato da nossa aventura está aqui.
GEÓRGIA Dia 1
5h da manhã, tudo escuro lá fora. Só um taxista na porta do aeroporto de Tbilisi. Subestimou-nos. Não aceitámos o preço inflacionado que nos pediu e aguardamos até aparecer um outro, que nos levou, por um preço justo. Não falava inglês. E nós não falávamos georgiano nem russo. Para onde queríamos ir? Não tínhamos reserva em nenhum hotel. Parecia perfeito! O rapaz, com o seu ar alegre, na casa dos 20 anos, levou-nos pela noite gelada de Tbilisi até uma guesthouse barata na zona da estação de comboio.
O Rui saiu para ver se conseguia um quarto para essa noite. Enquanto isso, a Carla fica ao lado do carro com o rapaz. Tentamos conversar mas a única coisa que saia era “Portugalia”, seguida de um “Cristiano Ronaldo”. Um clássico!
Entretanto aparece um Lada, velho e podre, com um velhote lá dentro a transportar pães acabados de sair do forno. Parecia um cenário de filme. A rua decrépita e deserta. O bafo que saia da boca enquanto falávamos. O silêncio da noite escura. O Rui reaparece. Ninguém responde. O rapaz, cujo nome nunca viríamos a saber, levou-nos até outro local. Um hostel, onde ao fim de 7 minutos a bater à porta, um adolescente abriu a porta. Deixou-nos entrar e arranjou-nos um quarto. Somos os únicos clientes. Este foi o hostel onde ficamos.
É dia 26 de Dezembro, Tbilisi está fria e o Natal ortodoxo está aí a chegar. Eram 6h da manhã quando nos deitámos e aproveitámos parte da manhã para dormir. De manhã, depois de nos despedirmos da dona do hostel, que também é vendedora de fruta na entrada, apanhámos transporte para Davit Gareja, um complexo de Mosteiros dos mais antigos da Geórgia, na fronteira com o Azerbeijão.
Gulaf, o motorista do táxi que nos levou ao mosteiro arranhava o inglês e tentava mostrar-nos o que não podíamos perder de visita ao seu país. Deambulámos pelas grutas e edifícios do mosteiro, com o Cáucaso coberto de neve como pano de fundo.
Quando voltámos a Tbilisi ainda era dia e deu para percorrer a cidade, de forma descontraída, explorando algumas igrejas e miradouros.
A vista sobre o castelo já conquistou o nosso coração. O pão asiático, primo do pão do Uzbequistão, também já conquistou os nossos estômagos.
Mas era altura de partir, o nosso destino é a Abecácia, uma região autónoma com pretensões separatistas. O comboio nocturno já circula sobre os carris, e o seu balançar embala-nos em direcção a Zugdidi. Adormecer foi muito fácil.
ABECÁSIA Dia 2
O que é um país?
Eram 6h da manhã quando o comboio chegou a Zugdidi. Era noite cerrada e assim permaneceu durante mais de duas horas. A noite foi passada a bordo do comboio, onde o frio soviético derreteria tal era a potência do aquecimento dentro dos compartimentos. Como não dava para abrir a janela, assámos, literalmente. Assim, foi com alívio que enfrentámos o frio gélido quando saímos da carruagem. Fechámos os olhos e inspirámos o frio da noite. Entrámos numa marshrutka, mini-buses herdadas do período soviético, que nos levou até à fronteira. Velhos, novos, velhas e novas, mas nenhuma criança, partilharam connosco o espaço parco dos assentos. O calor humano permitiu aquecer o corpo que já tinha arrefecido entretanto.
A fronteira ficava a apenas 20 minutos mas o motorista, que não falava uma palavra de inglês (assim como todos os nossos companheiros de viagem), teimava em explicar-nos tudo sobre a travessia da fronteira com a Abecásia, um país que não existe. Percebemos na fronteira que só poderíamos passar às 10h, o que fez com que ali estivéssemos cerca de 3 horas. Poderia ter sido uma seca, mas não foi.
Foi como que uma viagem no tempo. Uma viagem para um passado não muito distante, onde em Portugal ainda as mulheres vestiam luto para o resto da vida quando lhes morria alguém próximo e onde os carros ainda eram um objecto de luxo. Ali, bem à nossa frente, o transporte local entre a Geórgia e a Abecásia, o tal país que não existe, é feito de carroça puxada a cavalo. Recebemos o nascer do sol com os condutores de carroça a atar os cavalos aos freios. Uma mulher discutia, aparentemente com o homem e com todos os clientes. Tirei-lhe uma fotografia mas até tive medo que me “soltasse a língua”.
O Cáucaso, coberto de neve, servia de pano de fundo. Os ladas, os carros herdados do período soviético, podres e ferrugentos, ajudavam a transformar aquele quadro matinal num cenário perfeito para a nossa entrada no “país”. A Abecásia formalmente é território da Geórgia, mas há décadas que tem pretensões separatistas. Tem um governo próprio, é controlada militarmente de forma interna, emite passaportes e vistos. Aliás, para ali entrar precisámos de tirar uma permissão com pelo menos 7 dias de antecedência.
Com aval positivo do governo da Abecásia e depois de passar por três postos de controle, entrámos no “país que não existe”. As parcas palavras de georgiano que aprendemos aqui não podem ser pronunciadas. Só russo. A moeda que temos connosco é fortemente rejeitada e levada como afronta. Tivemos que trocar por rublos. Tudo aqui parece a Rússia. Não. Nada aqui parece a Rússia. Tudo aqui parece a União Soviética. É mesmo uma viagem no tempo.
A Abecásia, daquilo que pudemos ver hoje, é marcadamente rural, com uma população pobre e bastante idosa. A Rússia é como uma pátria mãe por aqui. Sorriem-nos quando pensam que somos turistas russos. Quando dizemos “Portugalya”, estranhamente não ecoa “Ronaldo”. Ainda bem. É sinal que a globalização ainda não entrou aqui em força.
O simples acto de almoçar ou jantar é uma autêntica descoberta cultural. Os menus são todos em russo e, quando muito há um cliente que fala inglês e que nos vem ajudar a decifrá-lo. Tivemos sorte ao jantar. Ao almoço, nem por isso. Saiu-nos uma mini pizza. Sukhumi é a capital da Abecásia, tanto quanto se pode ser capital de um “país que não existe”.
Depois de aqui chegar, tivemos que ir levantar o visto oficial aos serviços consulares, onde pagámos um visto de “um país que não existe, numa capital que não existe”. Estranhos estes conceitos geográficos de país e território. Países de facto e países não reconhecidos. Estranhos estes conceitos que já encheram de sangue as ruas da “capital”, onde estamos agora, na guerra de 1992-1993.
Um dos poucos abecases que fala inglês por aqui é o nosso anfitrião, num hostel em Sukhumi, de frente para o mar Negro. Desfaz-se em simpatia e amabilidade. Fala inglês cheio de imperfeições, mas soa perfeitamente. Fala com a alma das gentes humildes. Amanhã vamos com ele para um mosteiro no sopé do Cáucaso. Diz-nos que nos vai mostrar a jóia do “seu país”. Aceitámos o convite. Este foi o hostel onde ficamos.
ABECÁSIA Dia 3
O sol nasceu no Cáucaso e os seus raios iluminaram as águas escuras do mar Negro logo pela manhã. Na companhia de duas senhoras russas e de Ushada, o nosso anfitrião, dirigimo-nos de carro para Novy Afon.
Ushada, na casa dos 50 anos, com cabelo grisalho e magro, acabaria por se revelar uma excelente companhia. O carro, de matrícula russa, percorre a estrada que liga Sukhumi a Novy Afon, sempre com as águas do Mar Negro ao lado.
No Verão, Novy Afon é a estância balnear mais importante da Abecásia, recebendo milhares de turistas russos. Mas, por agora, apesar de o microclima da região ser responsável por uma temperatura bastante agradável em pleno Dezembro, a verdade é que são muito poucos os que a visitam.
Deambulamos como dois “gringos” acompanhados por duas russas de meia-idade pelo maravilhoso mosteiro de Novy Afon, com as suas cúpulas douradas a brilhar ao sol e com um interior impressionante, e uma das datchas, casas de campo de Estaline. Mas Ushada fez questão de nos levar à igreja que é o testemunho da história e importância do cristianismo nesta região, já que a Geórgia e Arménia foram os dois primeiros reinos a converterem-se ao cristianismo no mundo. Ali, na costa do Mar Negro, foi morto o Apóstolo Simão.
Ao mesmo tempo que visitávamos estes locais, Ushada ia conversando connosco, falando sobre a sua vida e as tribulações desta região na história recente. Com um ar sempre alegre e um sentido de humor peculiar contou-nos um pouco da sua vida. O seu avô era turco, o pai, grego, e ele próprio tinha nascido na Síria, mas tinha emigrado junto com a família com apenas quatro anos de idade. Nestas três gerações, a sua família já viveu em onze países diferentes. O que explica o facto de ter na actualidade 4 passaportes. Acabou por se instalar recentemente na Abecácia, mas já sente como seus os sentimentos da população desta pequena ex-república soviética, que luta pela afirmação como país independente.
Entre as perguntas das russas, que sempre que ouviam a palavra “Rússia” questionavam qual o tema de conversa, Ushada ia ludibriando a conversa, como que fazendo ziguezagues e acrobacias. A caminho da fronteira com a Geórgia, deixamos as senhoras russas numas termas de água sulfurosa, bastante comuns na região, e Ushada abriu mais o seu coração.
Já tinha trabalhado na Rússia, por isso também conhecia bem o gigante vizinho, e as particularidades dos seus governantes, assim como as qualidades do seu povo. Algo, que não especificou, levou-o a sair da Rússia e a ser agora correspondente na Abecácia. “O governo da Rússia não teme os EUA, nem teme a Europa; tem sim medo do seu próprio povo”, disse-nos Ushada, e não pudemos deixar de pensar em como porventura as mentalidades não se alteraram tanto assim desde que, há cem anos, se dava uma revolução que marcaria a história do mundo.
Percorrendo as estradas esburacadas que nos levavam à fronteira com a Geórgia, com as montanhas nevadas do Cáucaso no horizonte, não podíamos deixar de pensar que estávamos numa região distante fisicamente do Ocidente, mas estrategicamente localizada numa encruzilhada de interesses geoestratégicos que, a maior parte das vezes, põem completamente de parte o bem-estar e o direito de uma vida digna destas populações. “Na Europa, conduz-se a direito, excepto quando o condutor está embriagado e anda aos SS. Por aqui, os buracos são tantos, que tem de se conduzir aos SS, excepto quando o condutor está embriagado e segue sempre a direito!”, conta-nos Ushada enquanto se vai desviando dos obstáculos.
Mas acabamos por chegar à ponte de Enguri, despedimo-nos de Ushada, e atravessámos de volta à Geórgia, desta vez sem grandes demoras. E ainda bem, porque com a mudança da “Moscow time” para a hora da Geórgia, perdemos uma hora. Eram cinco da tarde quando apanhámos uma marshrutka com destino a Kutaisi, onde chegámos já noite cerrada. Este foi o hotel onde ficamos.
GEÓRGIA Dia 4
O despertador tocou, mas ninguém se levantou. Há dias assim. Parece que somos pedras presas à cama. Carla, levanta-te! Rui, levanta-te primeiro. Deixámo-nos dormir. Quando olhámos para o relógio eram 10h. O cheiro a fritos da cozinha do hotel já se sentia no corredor. Saltámos que nem molas da cama. Batíamos um no outro à procura de espaço no quarto e na casa de banho para nos arranjarmos. Não viemos para a Geórgia para dormir, pois não? NÃO! Em 15 minutos estávamos prontos para sair. O gorro e as luvas hoje eram acessórios de moda. O calor aperta e até se vêem pessoas de t-shirt. O Cáucaso, coberto de neve, continua como pano de fundo.
Veja aqui as dicas para explorar a região de Kutaisi, na Geórgia.
A Geórgia é um país estranho e não é só pelo seu clima, que ao mesmo tempo que tem montanhas cobertas de neve permite o crescimento de palmeiras. Na Geórgia as pessoas são alegres e muito simpáticas. Brincam connosco, apertam-nos a mão e sorriem. Mas ao mesmo tempo, têm um ar triste e sofrido. As mulheres com sorrisos envergonhados são de aproximação difícil.
Estamos em Kutaisi, a segunda maior cidade do país, e aproveitámos para nos ambientarmos e apreciar o modo de vida local. Deambulámos pelo centro, fomos às compras ao mercado local, visitámos os principais locais de interesse, mas rapidamente percebemos que Kutaisi não justificava tanto tempo. Resolvemos aproveitar a parte da tarde para explorar os mosteiros ortodoxos das proximidades. E ainda bem que o fizemos.
O Mosteiro de Gelati, a apenas 8 km de Kutaisi, é muito mais do que um mosteiro construído num local ermo. É uma obra de arte, cujo interior está completamente pintado com frescos do século XII, que testemunharam a passagem dos Otomanos, Persas, Árabes, Mongóis e Tamerlão. É caso para dizer que sobreviveu a alguns dos mais “bárbaros” conquistadores do planeta. E, apesar de ter alguns sinais de vandalismo do tempo, o seu interior é um autêntico tesouro.
Um tesouro que tivemos a sorte de visitar na companhia do seu zelador, um georgiano que não falava inglês, mas que nos recebeu com um sorriso tímido. Do alto dos seus 60 anos, abriu-nos as portas das capelas e sacristias, geralmente fechadas aos turistas. Apontou-nos frescos escondidos por trás dos taipais de madeira e ocultos nas decorações da igreja. Pela sua mão descobrimos pinturas que lembram a Rila, na Bulgária. O cheiro das velas queimadas inundava o ar. Duas senhoras, que oram em frente aos símbolos cristãos ortodoxos. No exterior, o sol presenteou-nos com cor e alegria.
Era hora de continuar, rumo ao Mosteiro de Motsameta. Com uma localização geográfica que parece saída de um conto de fadas, os edifícios erguem-se num promontório rochoso acima de um canhão fluvial impressionante. Reza a lenda que ali, no rio abaixo, aquando de um massacre dos árabes, que transformou as águas azuis do rio em vermelho, assistiu-se a um milagre quando dois irmãos da nobreza local terão sido mortos, atirados ao rio atados com pedras, e cujos corpos terão sido resgatados por leões. É em honra deste massacre que hoje ali está o mosteiro, construído possivelmente no século VIII, lembrando que a vida nestas terras nunca foi fácil. Fomos recebidos por um sacerdote, vestido de negro, que continuou calmamente a sua lide diária. O complexo estava desértico e por isso pudemos percorrê-lo à vontade.
Mas o dia não terminaria sem a descoberta cultural gastronómica. Aproveitámos para experimentar algumas das iguarias da comida da Geórgia, tais como Khachapuri, uma espécie de pizza turca com queijo e ovo, Khinkali, dumplings de queijo ou carne, e língua de vaca estufada com alho. Não será pelo estômago que a Geórgia nos irá conquistar, mas a comida era muito boa. Num dia dedicado à descoberta religiosa da região, esperamos pelo cair da noite na catedral de Bagrati, sobranceira à cidade de Kutaisi. O frio sempre chegou com a noite, convidando-nos a um passeio em direcção ao hotel. Este foi o hotel onde ficamos.
GEÓRGIA Dia 5
Júlio Verne jamais poderia imaginar o quanto a sua obra iria perdurar nas minhas memórias. Li o “Viagem ao Centro da Terra” quando andava no sétimo ano e aquela obra vem-me sempre à memória quando entro nas entranhas da Terra. Seja em grutas vulcânicas, como tubos de lava na Islândia, ou grutas calcárias, como aqui na Geórgia. Prometheus é o nome das grutas mais famosas da Geórgia, a poucos quilómetros de Kutaisi.
Desde muito cedo descobertas pelos soviéticos, foi mantida em segredo das populações, já que havia planos para as transformar em bunker aquando da Guerra Fria, no caso de haver uma guerra nuclear. Depois da queda da ex-URSS, um jovem estudante de Geografia descobriu as grutas e estas rapidamente se transformaram num ex-libris da região. Com mais de 1 km de percurso aberto ao público, a cavidade principal atravessa várias galerias gigantescas, do tamanho de catedrais, e termina num rio subterrâneo que pode ser percorrido de barco até à ressurgência, o local onde o rio aparece à superfície.
Lá dentro a humidade atinge os 96% e sente-se no corpo, apesar de estar muito menos frio do que lá fora. A água escorre pelos calcários dando um brilho ao interior da cavidade. Percorrer as entranhas da Terra é maravilhoso e apesar das luzes coloridas, não consigo deixar de pensar na obra mágica de Júlio Verne e dou por mim a imaginar os pterodáctilos a esvoaçar na cavidade.
Os calcários são reis e senhores das terras da Geórgia e, nesta área de Kutaisi existem alguns belos canhões fluviais, de origem cársica, que resultaram do abatimento de grutas. O mais conhecido é o Canhão de Okasen, mas estava fechado, por isso fomos explorar o Canhão de Martvili.
As águas azuis esmeralda do rio percorrem os calcários esbranquiçados provocando um contraste maravilhoso. Fizemos um trilho verdadeiramente fabuloso por passadiços, miradouros e pontes, acompanhando o leito do rio. As quedas de água são muitas e impressionantes.
Para terminar, um passeio de barco pelo canhão fluvial até onde a corrente permitia. O dia de hoje foi marcado pela companhia de Júlio Verne que enriqueceu as nossas conversas e os nossos sonhos. Até onde nos levará esta nossa viagem em busca do Centro da Terra? Este foi o hotel onde ficamos.
GEÓRGIA Dia 6
Kazbegi é um lugar onde a vida acontece a um ritmo muito próprio. O posto de turismo tem um letreiro que diz “voltamos em Abril”. O supermercado local chama-se Google. Os carros têm mais de 30 anos. O autocarro foi transformado em bar, que possivelmente também só abre em Abril. O gelo transforma as ruas empedradas em autênticas pistas de ski. As guesthouses são mesmo casas que recebem hóspedes, em que nos hospedamos com famílias locais. Mas chegar ali não é fácil.
Veja aqui as dicas para explorar a região de Kazbegi, na Geórgia.
Há que atravessar a Estrada Militar, que liga a Geórgia à Rússia, passando bem próximo da Ossétia do Sul. Não foi programado, mas apanhámos um táxi em Tbilisi para fazer a Estrada Militar até Kazbegi, e pelo caminho, poder parar e explorar alguns locais importantes. O facto de o nosso taxista não falar inglês não era problema, aliás nunca foi. O problema é que ele não era georgiano, era russo, e com um mau humor e carácter do pior que já encontramos em mais de 10 anos de estrada. Depois de negociado o preço, lá começámos a viagem mas rapidamente percebemos que ele não queria perder tempo pelo caminho. O seu objectivo era chegar à Rússia e estes “dois pacóvios” iam-lhe pagar a viagem.
Quando pedimos para parar na margem de uma albufeira, reclamou, em russo, mas nós desvalorizamos. Seguimos em direcção ao Cáucaso e, já a subir para as montanhas, chegámos a Ananuri, uma fortaleza situada nas margens do rio, com duas igrejas do século XVII no seu interior e onde é possível subir às torres de menagem. Olhou para nós com ar de desdém quando lhe pedimos para parar.
Assentiu, contrariado e, com um ar de mau, fez sinal com a mão para nos despacharmos. O dia estava maravilhoso e convidava a uma visita mais prolongada mas não havia muito a fazer, em cerca de 40 minutos visitámos a fortaleza.
Seguimos para o Cáucaso, coberto de neve e imponente. Majestoso e belo. Atraente e magnífico. Mas, só o víamos da janela do carro, que percorria as estradas geladas e cheias de curvas a mais de 120 km/h. Abríamos a janela para tirar fotografias e as mãos regelavam. O motorista sacava de cigarro atrás de cigarro e inundava o ar do carro de um cheiro nauseabundo. Abríamos a janela. Gelávamos. Fechávamos a janela. Sufocávamos. A estrada serpenteava as montanhas e os vales, com pequenas povoações, que pareciam cenários de um filme do Kusturica. Passámos a estância de Ski de Gudauri e o motorista recusou-se a parar.
Um pouco mais à frente havia um miradouro fabuloso, o Arco da Amizade, onde queríamos mesmo parar, e não íamos deixar que ele seguisse viagem. Fizemos finca pé e lá parámos. Muito contrariado gritou “pyat minute”, que em russo significa “cinco minutos”. Olhámos um para o outro e nem queríamos acreditar. Saímos do carro e lá fomos.
Demorámos mais, mas sempre com a sensação que estávamos a “pecar”. Quando chegámos ao carro, gritou-nos em russo algo que não percebemos (e ainda bem)! Parámos numa fila na estrada, voltou-nos a gritar, gesticulando, e tentando fazer-nos sentir culpados pelo facto de estarmos ali parados! O que vale é que a paisagem era maravilhosa e na verdade, nós decidimos ignorá-lo e usufruir das montanhas do Cáucaso. A viagem prosseguiu em direcção à aldeia de Kazbegi.
Quando chegámos, o russo parou na praça da aldeia, mandou-nos sair do carro e queria o dinheiro. Como a Carla tem um bocado de “mau feitio” para estas coisas, saiu do carro e foi trocar o dinheiro que tinha de forma a pagar-lhe menos do que tínhamos combinado, caso ele não nos levasse ao hotel. O russo passou-se, agarrou o Rui pelo braço, pedindo–lhe o dinheiro acordado. A Carla passou-lhe menos 10 Gel do que o acordado, caso não nos levasse ao hotel. O homem começou a gesticular e a falar alto em russo. Mas, não havia hipótese.
A Carla é implacável nestas coisas e tortura-os até não poder mais. Aproximaram-se uns georgianos, que ao perceber o que estava a acontecer, indicaram ao russo o hotel onde tínhamos reserva. O homem, mal humorado e sempre a barafustar, lá nos mandou entrar novamente no táxi e percorreu os 300 metros que faltavam até ao hotel. Levou o dinheiro acordado, mas não sem antes ouvir a Carla barafustar com ele, ainda que em português, já que não valia a pena gastar o inglês. Uma senhora grávida e que não falava nada de inglês, abriu-nos a casa, onde ficámos alojados.
Um senhor georgiano, bem simpático e super bem humorado, para contrastar com o russo, levou.-nos num Lada, com 31 anos, através de uma estrada de terra batida até ao cimo da montanha onde se apanha o trilho para a Igreja de Tsminda Sameba.
A igreja é fenomenal, com o Monte Kazbek como pano de fundo. Que cenário magnífico para receber a noite e o frio gélido do Cáucaso! Resolvemos terminar o dia num restaurante local, com uma sopa quente, vinho georgiano e comida típica da Geórgia. Amanhã será o último dia de 2017 e vamos rumar a Tbilisi para comemorar a entrada no novo ano. Este foi o hotel onde ficamos.
GEÓRGIA Dia 7
Com a ameaça de queda de um forte nevão na noite da passagem de ano, resolvemos mudar de planos. A nossa ideia original era passar a passagem de ano em Kazbegi e só depois regressar a Tbilisi mas, se nevasse bastante nessa noite, a estrada de montanha podia fechar e não podíamos regressar a tempo de apanhar o nosso voo de volta a Portugal. Assim, não tínhamos alternativa, regressámos a Tbilisi um dia antes. Logo pela manhã, apanhámos uma marshrutka.
O Cáucaso estava ainda mais coberto de neve. Já tinha nevado bastante durante a noite e os camiões estavam parados sem conseguir passar em direcção a Tbilisi. Tivemos sorte, a nossa marshrutka passou e em cerca de 3 horas chegámos à capital da Geórgia. Ficamos num hotel chamado Jerusalém, no bairro judeu, rodeado de restaurantes muçulmanos com comida halal, cheio de turistas indianos hindus, num país cristão ortodoxo! Uma mescla interessante para abençoar a entrada no novo ano.
Aproveitámos a tarde para explorar Tbilisi, uma cidade um tanto ou quanto esquizofrénica, já que o centro histórico e velho encontra-se ao lado de edifícios modernos e vaguardistas. Subimos de teleférico à fortaleza, explorámos os trilhos em torno da cidade velha, fomos aos banhos termais, visitámos igrejas e catedrais e deliciámo-nos com o vinho quente com canela e uns bolos locais.
Mas a aventura começou na hora de jantar. Como era passagem de ano, resolvemos jantar só às 22h. Descobrimos que já nenhum restaurante nos servia e terminámos a comer numa cave muito típica, rodeados de famílias georgianas que cantavam e dançavam música popular. Um verdadeiro achado, quando pensávamos que já nem íamos comer! Mas, a comida ia esgotando à medida que íamos encomendando, e demorámos mais de três horas para ser servidos.
A meio do jantar, fizemos uma saída para vir ao centro histórico, comemorar a meia-noite com milhares de populares que aqui lançam o seu próprio fogo-de-artifício. O cheiro a pólvora inundava o ar, assim como a alegria das gentes. Os foguetes começaram a ser lançados logo às 18h mas às 24h foi o auge da festa. Brindámos com os copos de vinho do restaurante, abraçámo-nos, beijámo-nos e depois de um “Feliz 2018” gritado em português, regressámos ao restaurante para o resto da refeição.
O rapaz do shashlik já avivava as brasas com um secador. A noite mais longa do ano não podia continuar muito pela noite dentro, pois no dia seguinte tínhamos planos para explorar uma das áreas mais remotas da Geórgia. Regressámos ao hotel, tentando dormir, enquanto a festa nas ruas continuou pela noite dentro e até de manhã. Este foi o hotel onde ficamos.
GEÓRGIA Dia 8
Hoje foi o dia em que ficámos com o carro sem pára-brisas (e chovia torrencialmente), em que ficámos à chuva e ao frio durante uma hora porque o outro carro ficou sem bateria, e o dia em que tivemos que empurrar o carro na auto-estrada porque ficámos em gasolina. Tinha tudo para ser um dia perdido e para esquecer. E no entanto, este foi o melhor dia da nossa viagem pela Geórgia. Foi no último dia no país, que a Geórgia nos abriu a porta da sua casa, nos convidou a entrar e nos mostrou de que são feitas as suas gentes.
Tudo começou quando, de manhã bem cedo, o rapaz com quem tínhamos acordado, no dia anterior, para nos levar a Vardzia aparece e nos diz que o motorista que era para ir connosco bebeu de mais na passagem de ano. Como não tinha mais ninguém para nos acompanhar, a solução era irmos com os seus pais. Dissemos logo que sim. Ofereceu-nos bolos e uma garrafa de vodka georgiano. Apresentou-nos os pais e desejou-nos um bom ano. Entrámos no carro e descobrimos que o Sr. Tamazi não falava uma única palavra de inglês e a esposa, Sveta, professora de piano, arranhava qualquer coisinha. Os primeiros quilómetros foram feitos em silêncio, ainda estávamos cansados da noite da passagem de ano e levantar às 7h da manhã não era fácil.
O dia começou cinzento e com chuva. Pela janela do carro desfilava um país cinzento e triste. Era a primeira vez que tínhamos mau tempo na Geórgia. Cerca de 100 km depois e com a chuva a apertar, o único pára-brisas do carro deixou de funcionar. O Sr. Tamazi parecia preocupado, com o carro, com as condições de segurança e connosco. Percebemos logo o seu desconforto. Sveta tentava explicar-nos o que estava a acontecer e parámos numa cidade para tentar remediar a situação. Nada feito. Era dia 1 de Janeiro e não havia ninguém para consertar o carro. O Sr. Tamazi teve uma ideia! Levou-nos até casa dos sogros do filho, que viviam uns quilómetros à frente, e fomos trocar de carro. Levámos um BMW, em troca deixámos um Mercedes.
Pelo caminho a chuva e nevoeiro continuavam, até alcançarmos Vardzia, um mosteiro vivo, ainda em funcionamento, escavado na rocha e que lembra a Capadócia, na Turquia. Queríamos muito ir ali e, mesmo com mau tempo, aproveitámos para visitar o mosteiro, a igreja, os túneis de acesso às celas escavadas dos monges, etc. Soberbo. Só o frio e chuva tornavam o cenário mais carregado.
No final da visita, a nossa família georgiana tinha-nos preparado um almoço na mala do carro, com bolo de Ano Novo, café, pão, frango e muita simpatia. Entre russo, georgiano e inglês, trocamos algumas ideias e muitos sorrisos, a nossa linguagem preferida. Agradecemos muito e comemos com eles, bem rapidinho porque entretanto começou a chover bem gelado, era quase neve.
Entrámos todos no carro e, foi então que descobrimos que o nosso segundo carro ficou sem bateria. À chuva e molhados até aos ossos, tentámos colocar o carro a funcionar com ligação às baterias de outros carros. Mas nada. Empurrámos o carro, mas nada. Já desmoralizados, a Carla e a Sveta entraram para aquecer no cubículo do zelador do mosteiro. A noite começava a cair. Lá fora, o Rui, o Sr. Tamazi e alguns homens tentavam, em vão, colocar o carro a trabalhar. Ao fim de mais de uma hora pegou! A Carla e a Sveta abraçaram-se de contentamento! Saímos de Vardzia já estava a ficar escuro e começava a nevar intensamente. Tanto que achámos que não íamos conseguir passar para Tbilisi. Porém, o Sr. Tamazi garantiu-nos que não havia problema nenhum que não se resolvesse. Rimos.
Pelo caminho chegou a noite e seguimos em direcção à casa dos sogros para trocar de carro. A família convidou-nos para a ceia de Ano Novo, com uma mesa cheia de comida típica, e muita conversa, mas pouca em inglês. Como o sogro e a senhora arranhavam o inglês passámos ali um belo serão, em conversa animada, muitas vezes perdidos na tradução. Que noite maravilhosa! Provámos vinho caseiro e orgânico, aguardente caseira e comida tradicional acabadinha de fazer. Brindámos, só os homens, porque as mulheres aqui não podem brindar (senta, Carla, e não reclama!).
Quando saímos a caminho de Tbilissi já contávamos as horas para não perder o avião de regresso a Portugal. Mas as aventuras não terminaram. Na auto-estrada, ficámos sem gasolina e ainda tivemos que empurrar o carro até à bomba de gasolina mais próxima. Felizmente era logo à frente. Quando chegámos a Tbilissi, abraçámo-nos todos e tirámos uma fotografia para a prosperidade. O dia de hoje, o primeiro do ano, tinha sido uma verdadeira aventura. A julgar pela amostra, o Ano Novo promete!
Despedimo-nos da nossa família georgiana e prometemos voltar. Duas horas de sono depois, estávamos a apanhar o avião com destino a Portugal. A Geórgia tinha agora um lugar especial no nosso coração, um lugar que esta família ajudou muito a construir. Este foi o hotel onde ficamos.
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Se vai viajar para a Geórgia, estes são alguns artigos do nosso blogue que lhe podem interessar
- VIAJAR NA GEÓRGIA – Um artigo muito completo com tudo o que precisa de saber para viajar na Geórgia, de Verão e de Inverno, cheio de dicas de transporte e de lugares para visitar.
- VISITAR KAZBEGI – Um artigo com dicas para viajar em Kazbegi, nas montanhas do Cáucaso, na Geórgia e já próximo da fronteira com a Rússia.
- VISITAR KUTAISI – Tudo o que precisa de saber para visitar Kutaisi, na Geórgia, está neste artigo. Com dicas para visitar os mosteiros e as grutas nas redondezas.
- VIAJAR NA ABECÁSIA – Tudo o que precisa de saber para visitar um país que não existe, a região da Abcásia, que reclama independência da Geórgia.
- ROTEIRO NA GEÓRGIA E ABECÁSIA – O roteiro da nossa viagem na Geórgia e também para visitar e viajar na Abecásia.
- VIAJAR NA ARMÉNIA – Tudo o que precisa de saber para viajar na Arménia, está neste artigo.
Relatos da nossa viagem do Rally Mongol e que passou pela Geórgia e pela Arménia
- RALLY MONGOL – VISITAR NAGORNO KARABAKH – Tudo o que precisa de saber para viajar e visitar Nagorno Karabakh.
- RALLY MONGOL – VISITAR YEREVAN E O LAGO SEVAN – Um artigo em forma de crónica de viagem sobre a nossa passagem pela Arménia.
- RALLY MONGOL – EXPLORAR OS MOSTEIROS DA ARMÉNIA – Um artigo em forma de crónica de viagem sobre a nossa passagem pelos mosteiros da Arménia.
- RALLY MONGOL – ATRAVESSANDO A GEÓRGIA – Um artigo em forma de crónica de viagem sobre a nossa passagem na Geórgia.
- RALLY MONGOL – FRONTEIRA TURQUIA E GEÓRGIA – Um artigo em forma de crónica de viagem sobre a nossa viagem, cruzando a fronteira entre a Turquia e a Geórgia e depois a chegada a Batumi.
Olá!
Estou fazendo pesquisas para nossas próximas temporadas de viagens e a Geórgia está na nossa lista.
Que ótimo encontrar um post tão completinho! Adorei!
Obrigada.
Olá!
Depois de ver dois filmes georgianos ontem vim até a internet buscar mais sobre o país. Encontrei este blog e viajei junto com vocês após ler o incrível relato da aventura de vocês neste país tão interessante.
Adorei!
Obrigada