Era final de tarde quando apanhamos um comboio em Dunhuang e atravessamos, durante cinco horas, o deserto pedregoso a caminho de Jiayuguan, uma vila que marca o início da China Imperial. Daqui para a frente entraremos em território de imperadores e, como tal, o território está protegido. Começa aqui a Grande Muralha da China e os han são a etnia maioritária. Deixaremos para trás as “terras bárbaras” dominadas por povos “pouco civilizados”. Era assim que os chineses han viam as populações que habitavam a Ásia Central que se encontravam para lá da grande muralha. Nós tínhamos sobrevivido à travessia da Pérsia e da Tartária (actual território iraniano e da Ásia Central que se estende até à Mongólia) e entrávamos agora no mundo civilizado chinês. Estamos cada vez mais perto do final da Rota da Seda.
Chegamos a Jiayuguan já era noite. Não tínhamos reserva em nenhum hotel e não haviam pousadas da juventude na cidade. A nossa única opção era procurar um hotel chinês tradicional. Entenda-se por tradicional não algo “típico ou característico” (algo que não existe em Jiayuguan) mas algo do tipo “construído em cimento armado”. Depois de tentar em alguns lugares que não aceitavam estrangeiros, lá descobrimos um “pardieiro” onde nos estendemos. O quarto tinha a cama partida, uma casa de banho “fraquinha”, os empregados não falavam inglês, mas servia os propósitos: era um local seguro para passar uma noite.
Jiayuguan é uma das imagens mais “viajadas” da muralha da China. Vemos constantemente imagens do troço da muralha nesta secção e no entanto são muito poucos os estrangeiros que aqui vêm. Jiayuguan fica longe, é o fim da China Imperial. Para os estrangeiros fica “fora do caminho”, para os chineses “é perto de Xinjiang, o que é perigoso”. Para nós era uma paragem obrigatória. A vila que pensávamos ir encontrar revelou-se uma das cidades mais modernas que conhecemos na China, cheia de shoppings, lojas de moda modernas e gente bem vestida e cuidada. Mas, o que nos trouxe aqui não foi a cidade, foi a muralha, a Grande Muralha da China.
Jiayuguan situa-se no corredor de Kansu, encaixada entre duas cordilheiras (Qilian Shan e Hei Shan), e aqui, a muralha serpenteia as cristas rochosas e um Forte Ming domina um desfiladeiro.
Os arredores desta cidade chinesa foram uma agradável surpresa. Começamos por visitar um dos muitos túmulos Wei e Jin (220 – 420 d.C.) que existem à volta da cidade. Estes túmulos são bastante interessantes e muito diferentes de tudo o que vimos na China. É necessário descer através de um túnel para um nível inferior composto por 3 câmaras onde eram colocados os corpos dos membros da família e os seus haveres pessoais. Nas paredes dos túmulos estão representadas figuras de cenas da vida rural, inclusive a retratar a produção de seda.
De seguida rumamos até à “Muralha Suspensa” – Xuanbi Changcheng, uma secção da Grande Muralha da China construída nas arestas rochosas das montanhas que rodeiam Jiayuguan, e uma das secções percorridas pelos mercadores durante os tempos gloriosos da Rota da Seda. A China está a apostar no desenvolvimento do turismo associado à revitalização da Rota da Seda e como tal, criou aqui um parque com esculturas alusivas a este período. Logo ao lado existe um mosteiro budista tibetano. Os mosteiros são lugares tranquilos e frescos e resolvemos aproveitar para descansar e relaxar no seu interior.
Subimos e descemos a muralha mas havia qualquer coisa que não soava bem. Não era o calor, nem sequer a vista sobre as centrais nucleares e termoelétricas. A muralha está impecavelmente conservada e não levou muito tempo a percebermos porquê: os chineses reconstruíram-na totalmente nos anos 80 e pouco ou nada deixaram da construção original. Lamentável, especialmente para um monumento decretado pela UNESCO como património mundial da humanidade. Confesso que ficamos bastante desiludidos, não com o que vimos, mas porque aquilo que vimos não corresponde à secção original. Resolvemos então procurar o troço original da muralha que ainda está de pé. A verdade é que não têm um aspecto tão bonito e não dá fotografias tão vistosas, mas é seguramente muito mais verdadeiro. E, no fundo, é isso que procuramos. Procuramos autenticidade.
Há um lugar mítico da Rota da Seda em Jiayuguan e chama-se Torre do Primeiro Farol. Aqui sim, é a primeira torre da Grande Muralha e data da dinastia Ming. A torre, que mais não é do que um pedaço de muralha não reconstruído, ergue-se na paisagem num local verdadeiramente surpreendente e é o ponto mais Oeste da muralha. Uma plataforma de observação envidraçada permite contemplar uma garganta gigantesca, com 56 metros de altura, onde o rio Taolai corre. Parece um cenário impossível de vislumbrar na orla do deserto. No entanto, a natureza foi prodigiosa para com os chineses e este país tem das paisagens naturais mais surpreendentes que já alguma vez vimos. Lá em baixo, uma reconstrução de um acampamento de mercadores faz lembrar que estamos no sitio certo: mais um dos lugares emblemáticos da Rota da Seda.
Mas, mesmo depois de visitar tudo isto, Jiayuguan ainda tinha mais para nos oferecer: o Forte Ming, uma fortificação impenetrável. Já conhecemos várias secções da muralha próximo de Pequim, em 2009; Agora conhecemos a Muralha Suspensa, aqui em Jiayuguan; Mas, para quem quer realmente conhecer a Grande Muralha da China tem que fazer uma visita ao Forte Ming, a chamada “Impenetrável Passagem sob o Céu“. Escapou-nos a fotografia clássica. Fomos apanhados pelo “smog” crescente das cidades chinesas que escondeu as montanhas cobertas de neve e transformou os céus azuis em céus monocromáticos cinzentos. No entanto, não nos escapou as muralhas ou a visita a esta magnífica fortificação.
As portas de entrada no forte têm nomes sugestivos: Porta da Iluminação e Porta da Conciliação, por onde eram enviados para o exílio poetas, criminosos e soldados. As torres têm cerca de 17 metros de altura e dominam a paisagem envolvente. É um lugar obrigatório.
Jiayuguan foi uma descoberta surpreendente. Não tínhamos grandes expectativas em relação à Rota da Seda na China. Esperávamos descobrir um deserto gigantesco e um conjunto de cidades importantes. No entanto, a verdade é que este troço está a surpreender-nos a cada dia que passa. Mas, a realidade é que “sobrevivemos aos bárbaros” da Ásia Central e que conseguimos alcançar o “primeiro pólo de civilização” depois do deserto de Taklamakan…
O que nos reservará a China daqui para a frente?
Se vai viajar na China, estes são alguns artigos do nosso blogue que lhe podem interessar
- VISITAR PEQUIM – Um artigo detalhado com tudo o que precisa de saber para visitar a cidade de Pequim, a capital da China.
- VISITAR A MURALHA DA CHINA – Tudo o que precisa de saber para visitar a Muralha da China, em tour ou a pé, está neste artigo.
- VISITAR XIAN – Tudo o que precisa de saber para visitar Xian e descobrir o legado da Rota da Seda na cidade. Um artigo cheio de dicas de viagem.
- VISTO DA CHINA – Tudo o que precisa de saber para tirar o visto da China e poder viajar no país.
- VISITAR DATONG – Um artigo com dicas para visitar a popvoação de Datong, o mosteiro suspenso da cidade e as grutas de Yungang.
- VISITAR AS GRUTAS DE LONGMEN – Um artigo com tudo o que precisa de saber para visitar aas grutas de Longmen a caminho de Xian.
- VISITAR CHENGDE – Um artigo com toda a informação que precisa de ter para visitar a cidade de Chengde, a estância de verão dos imperadores da China.
- VISITAR O EXÉRCITO DE TERRACOTA – Um artigo com o que precisa de saber para visitar o Exército de Terracota, a partir de Xian.
- VISITAR MAIJI SHAN – Um artigo cheio de dicas para visitar Maji Shan, a montanha da Meda de Milho, na China.
- VISITAR XINING – Um artigo com as dicas para visitar Xining e o mosteiro de Kumbum na China tibetana.
- VISITAR AMDO – Tudo o que precisa de saber para visitar Amdo, o planalto tibetano na China.
- VISITAR REPGONG OU TONGREN – Um artigo sobre uma das cidades de AMDO, no planalto tibetano chinês, onde existem vários mosteiros com produção artesanal de tangkas.
- VISITAR LABRANG – Tudo o que precisa de saber sobre o mosteiro de Labrang, em Xiahé, no planalto tibetano chinês de Amdo.
- O BUDISMO NA CHINA – Um artigo sobre os princípios e importância do Budismo na China.
- VISITAR JIAYUGUAN – Tudo o que precisa de saber para visitar Jiayuguan está neste artigo, nomeadamente o que visitar nas imediações da cidade onde começa a Grande Muralha da China.
- VISITAR DUNHUANG – Um artigo com tudo o que precisa de saber para visitar Dunhuang e os arredores da cidade, nomeadamente o lago crescente, o deserto e as grutas de Mogao.
- VISITAR TURPAN – Um artigo cheio de dicas para explorar a região do oásis de Turpan, no deserto de Taklamakan, na China, nomedamente as cidades de Jiahé, Gaochang e as grutas de Bezeklik.
- ESTRADA DE CARACÓRUM – Tudo o que precisa de saber para explorar a estrada de Caracórum, entre a China e o Paquistão, desde Kashgar até à fronteira.
- VISITAR KASHGAR – Um artigo com tudo o que precisa de saber para visitar Kashgar em Xinjiang, na China, uma zona muito tradicional e o coração da Rota da Seda.
- ROTA DA SEDA – Tudo o que precisa de saber sobre viajar na Rota da Seda está neste artigo.
- VISITAR HONG KONG – Um artigo cheio de dicas para visitar a cidade de Hong Kong na China.
- VISITAR YANGSHUO – Tudo o que precisa de saber para visitar Yangshuo na China e a zona dos arrozais na China Rural.
- VIAJAR DE COMBOIO NA CHINA – Tudo o que precisa de saber para viajar de comboio na China está neste artigo.
- BARRAGEM DAS TRÊS GARGANTAS – Um artigo com o que precisa de saber para visitar a Barragem da 3 Gargantas na China.
- CRUZEIRO DO YANGTZÉ – Um artigo com tudo o que precisa de saber para fazer um cruzeiro de vários dias no rio Yangtzé e visitar a barragem das três gargantas.
- TAOÍSMO – Tudo o que precisa de saber sobre uma das religiões mais importantes da China, o Taoísmo.
- VISITAR HUA SHAN – Um artigo com tudo o que precisa de saber para visitar Hua Shan desde a cidade de Xian, na China.