A Argentina é um país imenso. Com mais de 5 mil quilómetros de comprimento, é o oitavo maior país do planeta. Quando olho para o mapa tudo parece alcançável, no entanto, quando vejo o tempo que os autocarros demoram a percorrer um trajecto descubro que subestimei as distâncias.
De Mendoza, dirijo-me de autocarro para noroeste em direcção aos Andes. O céu está muito encoberto e Roger, o argentino que conduz o autocarro, diz-me que quando passarmos a cordilheira frontal teremos céu limpo. Quando se sai de Mendoza é perceptível as três linhas montanhosas paralelas à costa pacífica. A primeira, designada pré-cordilheira, atinge os 3500 m mas durante todo o percurso esteve envolta em neblina. Quando paro na Laguna Potreriillos as nuvens fantasmagóricas parecem planar sobre a albufeira.
A água é um problema muito grande nesta área do país. O governo de Mendoza empreendeu uma obra enorme para criar uma albufeira artificial na base da pré-cordilheira. Para além de abastecer a cidade em termos hidricos também permite a prática de desportos náuticos e convida ao trekking nas áreas circundantes, o que permite incrementar o turismo na região. A segunda cordilheira, designada de Frontal, tem altitudes que variam entre os 3800 m e os 6000 m e, tal como a pré-cordilheira, data do pré-câmbrico. São portanto muito mais antigas do que a Cordilheira Andina, a terceira e, aquela onde se situa o Cerro Aconcágua que atinge 6.962 m. Esta última data do pliocénico, já no Quaternário, e soergueu aquando da colisão das placas de Nazca e sul-americana.
Depois de passar a pré-cordilheira chego à povoação de Uspallata. Roger tinha razão, o tempo abriu e o céu está limpo. Muito pequena, faz-me lembrar Leh e as povoações que conheci nos Himalaias indianos. Na verdade, é tão semelhante que foi aqui rodado o filme Sete Anos no Tibete. Fartei-me de procurar o Brad Pitt mas… nada! Destroçada, segui caminho em direcção à Cordilheira Andina.
A estrada segue paralela a uma linha férrea abandonada que ligava o Chile à Argentina. Infelizmente, a linha está bastante degradada e, apesar de terem sido realizados estudos para a sua recuperação, os custos são muito elevados e o projecto não saiu da gaveta. Tanto a linha férrea como a estrada acompanham o vale do rio Mendoza que corre com um fio de água no leito de estiagem, já que as neves deste inverno foram muito pouco profícuas. Os mais jovens dizem que este ano não nevou. “Foi culpa do acalentamento global”, dizem. Os mais velhos riem e, com sabedoria ou experiência, falam-me do ano de “la niña”.
A verdade é que praticamente não nevou este ano e por isso, embora seja primavera, o caudal do rio é muito reduzido e a estância de esqui, Los Penitentes, também só abriu alguns fins-de-semana. Quando o autocarro cruza a estância não se vê qualquer vestígio de neve e tudo parece abandonado.
Um pouco mais à frente chego a Punta de Vacas, uma localidade mineira. A actividade mineira nos Andes está envolta em controvérsia já que utiliza grandes quantidades de água do solo para fazer a extracção do minério.
Normalmente usa água do subsolo provocando o esgotamento dos aquíferos. Quando isso acontece, o ritmo de degelo glaciar tende a aumentar para compensar a perda de água. Com os aquíferos cada vez mais reduzidos, as explorações mineiras utilizam também a água dos glaciares. Isto cria atrito entre as populações das localidades e os exploradores mineiros. A água disponível para abastecer a população das cidades, nomeadamente Mendoza, é cada vez menos e isso tem levado os populares para as ruas.
Sigo caminho e chego a Ponte del Inca, um marco para os alpinistas, já que é a base para a exploração do Aconcágua, a montanha mais alta do mundo, fora da cordilheira dos Himalaias.
Ponte del Inca situa-se no coração dos Andes a cerca de 3000 m de altitude e não passa de um povoado com um refúgio de montanha, dois ou três hotéis e restaurantes.
O movimento de alpinistas, montanhistas e turistas atrai muitos argentinos e chilenos das povoações de montanha, que ali tentam vender artesanato e roupas de lã. Entro no boteco menos turístico que ali existe e Dolores, uma argentina quarentona dá-me os “buenos dias” e serve-me duas empanadas maravilhosas. Pago 6 pesos e saio completamente satisfeita. Atravesso a linha férrea e quando chego ao miradouro de Ponte del Inca sinto-me geograficamente perdida. Uma ponte de rocha natural que exibe colorações esverdeadas e amareladas completamente distinto de toda a área. Ao que parece existe ali uma fonte de água sulfurosa associada à intensa actividade sísmica e vulcânica dos Andes. No inicio do século XX foi ali construído um hotel e um spa mas uma avalanche de detritos (ou como lhe chamam os sul-americanos, un aluvión) destruíu as infra-estuturas. Hoje restam as ruínas.
Daqui à entrada do Parque Nacional do Aconcágua é bastante perto. Pago 10 pesos para entrar mas não posso passar da Laguna de Horcones. Para passar mais para dentro tenho que tirar uma permissão em Mendoza (400 pesos). Caminho pelo parque.
Estou deslumbrada com a morfologia glaciar. Caminho claramente entre depósitos glaciares. Os blocos erráticos abundam e alguns em posições que desafiam as leis da física. Acompanho as moreias e chego à Laguna Espelho, uma laguna glaciar onde se pode admirar o reflexo da face sul do Aconcágua.
Tiro várias fotografias. Não me consigo controlar.Continuo caminhando até chegar ao miradouro do Aconcágua, estrategicamente colocado numa moreia. Virado para mim tenho a face sul do Aconcágua, um dos maiores desafios para os alpinistas.
A chamada via normal permite ascender ao cume a partir da face norte e não é muito técnica. A sul está reservada aos melhores alpinistas e Messner foi um dos primeiros a consegui-lo.
Chego à Laguna de Horcones. Não consigo disfarçar o meu contentamento e juntamente com um casal espanhol tiro fotografias de forma entusiasta.
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