Visitar XINING e mosteiro de Kumbum – Da lama nasce a flor de lótus | China

O mosteiro de Kumbum em Xining (conhecido pelos locais como Ta’er Si), sendo o local de nascimento de Tsongkhapa, o fundador da ordem Gelugpa, é provavelmente o local mais importante do budismo tibetano, a seguir a Lhasa. Localizado a cerca de 28 km de Xining, é fácil chegar lá apanhando um autocarro local em Xining (ainda que não tenha sido fácil descobrir onde apanhá-lo!), que nos deixa na vila de Huangzhong, onde tivemos de subir uma avenida ladeada por lojas de artigos religiosos até à entrada do complexo. (Antes de continuar a ler este texto, vá ao final do post e ponha o vídeo a tocar com o mantra que temos para si. Volte depois aqui e continue. Temos a certeza que vai adorar)

É muito mais turístico do que Labrang ou Tongren, com centenas de turistas chineses percorrendo as ruas e entrando nos templos. A estrutura do mosteiro é dominada pelo Grande Salão de Meditação, pelos seus variados templos, e pelos institutos dedicados ao estudo de astrologia, medicina e tantrismo. É uma instituição ainda hoje venerada pela sua importância académica, mas também pela histórica. E Xining é a base para visitar esta parte do Tibete.

Após o seu nascimento (que as lendas também atribuem a acontecimentos sobrenaturais), Tsongkhapa cedo começou a demonstrar capacidades fenomenais para a meditação e a compaixão, de tal forma que, quando ainda era criança, foi construída a primeira stupa para marcar o seu local de nascimento. Mas foi só no século XVI que o mosteiro foi mandado construir pelo futuro terceiro Dalai-Lama. Desenvolvido e expandido ao longo dos séculos, albergava milhares de monges no seu auge, mas acabou por ser encerrado após a invasão comunista.

Após a revolução cultural, com um certo renascimento do budismo na China, o mosteiro reabriu sob a direcção de Arjia Lobsang Thubten Rinpoche, reconhecido com apenas dois anos de idade (em 1952) como sendo a reencarnação do pai de Tsongkhapa e, como os seus antepassados, nascido em terras da Mongólia. Este mestre conseguiu devolver alguma da glória passada ao mosteiro, reabrindo os seus famosos institutos onde os monges estudam. No entanto, a realidade actual deixa muito a desejar…

Em 1998, Arjia Rinpoche fugiu e exilou-se nos EUA, onde construiu um centro de desenvolvimento e divulgação da cultura budista tibetana no ocidente. Entretanto, na China, o mosteiro de Kumbum é agora mais uma atracção turística do que um centro de ensinamento. As multidões chinesas ultrapassam em muito o número de monges que aí vivem (estima-se que cerca de 400) e perdeu-se de facto muita da aura espiritual do local.

Ainda assim, o mosteiro continua a ser um repositório importantíssimo da arte e cultura tibetanas. Mas, talvez mais importante do que isso, continua a ser um local de intensa veneração por parte de população tibetana, a qual pode ser observada mais de perto no Grande Salão Dourado, construído no local onde Tsongkhapa nasceu.

No seu interior encontra-se uma enorme stupa de prata, mas o que impressiona mais é a reverência e fé com que os locais entram neste salão e fazem oferendas a Tsongkhapa.

Com o Dalai-Lama no exílio na Índia (e alguns dos principais mestres nos EUA), aliado à pressão do capitalismo chinês e da crescente indústria do turismo, o budismo tibetano não parece ter um futuro brilhante pela frente. No entanto, se há algo que a História nos ensina é que os ideais religiosos sobrevivem muito mais tempo do que os impérios, particularmente na China. E, como no passado, em que o budismo entrou na China vindo de outros países, talvez o futuro nos traga (mais) uma reviravolta politico-militar na China e um reavivar do budismo suportado pelos ensinamentos daqueles que um dia tiveram de fugir para o ocidente.

Esperemos que um dia os tibetanos possam ter a liberdade de ter a foto do Dalai-Lama na sua casa, de lerem os textos que entenderem, de adorarem as suas divindades, de honrarem os seus antepassados. Porque o budismo nos ensina que a ordem nasce do caos e, pelo esforço, a consciência nasce da ignorância ou, como se diz na famosa oração, “Om mani padme hun“, ou seja, “da lama nasce a flor de lótus” (não deixem de ouvir o mantra, vale a pena).

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Rui Pinto

Físico de formação mas interessado em todos os aspectos da cultura e história da humanidade. As viagens são o meio privilegiado para um aprofundamento do conhecimento do mundo, das suas gentes e do nosso papel na vida.

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